São Paulo, domingo, 08 de dezembro de 2002

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LUÍS NASSIF

O embaixador e a diva

Aos 40 anos o banqueiro Walther Moreira Salles foi nomeado pela primeira vez embaixador brasileiro em Washington. Jovem, bonito, formado nas melhores tradições de bem receber de Pouso Alegre e de Poços de Caldas, em pouco tempo Moreira Salles se tornou personagem frequente das colunas sociais de Washington e Nova York, tratado como o "embaixador galante".
No plano diplomático, já havia entrado para as lendas de Washington a maneira altiva com que havia cobrado coerência de John Foster Dulles que, empossado Secretário de Estado do recém-eleito presidente John Dwight Eisenhower, se recusava avalizar negociações com o Brasil, firmadas pelo seu antecessor Dean Acheson. Com apenas 40 anos, Moreira Salles enfrentara duas das maiores lendas do governo norte-americano no século, e negociara de igual para igual, mesmo na incômoda posição de representante de um país quebrado.
A fama correu e, pouco depois, Moreira Salles foi convidado para uma recepção na casa dos proprietários do "The New York Times", para ser apresentado à sociedade nova-iorquina. No começo da noite seguiram para a casa o embaixador e o chanceler brasileiro João Neves da Fontoura, em visita aos EUA.
Ficaram na entrada da casa, no segundo andar do sobrado, com os anfitriões, aguardando os convidados subirem e serem apresentados aos homenageados. Foi lá de cima que o embaixador percebeu o vulto majestoso entrando pela porta. A pele era branquíssima, coberta por um vestido negro. Moreira Salles deu-se conta de que ela mancava levemente. Quando chegou ao final da escada, os anfitriões procederam às apresentações. Do lado de cá, o embaixador galante. Do lado de lá, Greta Garbo, perto dos 50 anos, mas ainda ostentando a condição de uma das mais belas mulheres da história. João Neves abriu a boca de forma um tanto desmedida, merecendo um leve cutucão de Moreira Salles.
Não se tratava de uma divindade apenas, mas de um verdadeiro batalhão do Olimpo, que se completou quando apareceu Marlene Dietrich. E se os EUA ambicionavam a ampla rendição da diplomacia brasileira, quase conseguiram quando colocaram Greta e Marlene lado a lado, bem em frente aos dois bravos representantes da tradição de Rio Branco.
Neves da Fontoura não conseguia se conter. "É a Greta Garbo e a Marlene Dietrich na nossa frente, Walther", dizia. O amigo cutucava o chanceler por baixo da mesa para que ele contivesse as manifestações de tietagem.
Quando João Neves começou a respirar com mais naturalidade, Moreira Salles pode, então, entabular conversa com Greta Garbo. Havia taças de vinho tinto e branco para cada comensal. Walther gostava apenas de tinto; Greta, apenas de branco. Walther sugeriu que trocassem de copos. E enquanto vinhos eram trocados e pratos servidos, o papo ia rolando e teve início uma grande amizade.
Dessa amizade resultaram vários encontros reservados em Nova York, confidências doloridas, apoio de náufragos, o embaixador sofrendo por sua nova paixão brasileira, a jovem Elisinha Gonçalves, que conhecera pouco antes; e Greta Garbo, por sua paixão impossível, um costureiro famoso, porém casado. Resultaram também várias fotos autografadas de Greta, ciosamente guardadas no arquivo particular do embaixador.
Da mais refinada linhagem dos grandes sedutores, o embaixador jamais se permitiu uma indiscrição sobre o episódio. A história virou lenda. Vim a saber dela quatro anos depois de ter iniciado contatos com o embaixador, visando escrever sua biografia. Quem me contou foi Sérgio Figueiredo, figura da sociedade carioca.
Ouvi incrédulo. Encontrei-me em seguida com o embaixador e indaguei sobre o episódio. E ele, disfarçando, para contornar minha irritação por não saber de nada: "Tivemos um pequeno "affair". Não lhe contei?". Minha reação foi imediata: "Não contou não senhor. Sou seu biógrafo, há quatro anos recolho dados sobre o senhor e, antes mesmo de falar sobre seu pai e sua mãe, tinha que me ter contado essa história".
Foi só assim que o embaixador contou. E quando pedi para avançar nos episódios entre quatro paredes apenas sorriu, levemente, e nada mais disse.

E-mail - LNassif@uol.com.br


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