São Paulo, domingo, 08 de dezembro de 2002

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MORDIDA DO LEÃO

Planejamento tributário e legislação permitem minimizar ou postergar pagamento, dizem especialistas

Bancos privados escapam dos impostos

SANDRA BALBI
DA REPORTAGEM LOCAL

Enquanto os assalariados e contribuintes pessoa física entregaram ao leão, neste ano, R$ 23,5 bilhões, os 50 maiores bancos privados do país pingaram nos cofres do fisco R$ 3,24 bilhões, entre janeiro e setembro.
Essa derrama corresponde apenas ao pagamento do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, os dois maiores tributos que incidem sobre os ganhos das empresas. O total pago representa, em média, 17% do lucro dessas instituições antes daqueles impostos.
Descontados os dois tributos, ficaram nos cofres dos 50 maiores bancos quase R$ 13 bilhões de lucro, segundo cálculos feitos pela ABM Consulting para a Folha, com base em dados do Banco Central e dos balanços publicados até setembro.
Já as 50 maiores empresas do setor privado contribuíram com apenas R$ 68 milhões para o fisco com aqueles dois impostos, segundo levantamento feito pela Economática. O lucro bem mais magro dessas empresas -R$ 1,99 bilhão acumulado até setembro- explica a distância entre os impostos pagos pelos maiores bancos e pelas empresas não financeiras.
Segundo o advogado e ex-assessor jurídico da Febraban (Federação Brasileira de Bancos) Otto Steiner, os bancos têm uma carga tributária pesada, de 47% sobre o lucro. "Esse cálculo leva em conta o lucro ajustado de acordo com as normas do Lalur, a carga real é bem menor", diz Alberto Borges Matias, diretor da consultoria. O Lalur (Livro de Apuração do Lucro Real) é mantido pelas empresas, segundo as regras da Receita Federal, para apuração dos impostos devidos.
Na prática, segundo Matias, os bancos conseguem reduzir significativamente o peso do leão. E tudo absolutamente dentro da lei. Segundo o advogado tributarista Cândido Henrique de Campos, sócio do escritório Oliveira Neves & Associados, "os bancos conseguem reduzir em até 25% sua carga de impostos por meio do planejamento tributário, usando de forma inteligente a legislação para minimizar ou postergar o pagamento".
Na sua opinião, essa redução poderia ser até maior se fossem melhor aproveitados os recursos legais. "Se usassem mais o planejamento administrativo - de longo prazo- seria possível reduzir em 40% ou 50% a carga tributária dos bancos", diz.
Já as empresas não financeiras usam menos os recursos legais disponíveis. "Na indústria e em outros ramos é menos comum o planejamento fiscal. Os bancos questionam tudo e, talvez pela sua maior liquidez, conseguem atuar melhor nessa área", diz Fábio Lilla, sócio do escritório Lilla Huck Malheiros.

Pacote legal
Algumas vantagens da legislação tornaram-se extremamente atraentes para os bancos neste ano. Uma delas é a que diz respeito à tributação de ganhos cambiais. Os bancos devem boa parte de seu suculento lucro aos ganhos com aplicações em títulos públicos atrelados à variação cambial.
Mas, por lei, eles podem pagar os impostos sobre esses ganhos mais adiante. "Os ganhos cambiais só devem ser reconhecidos para tributação no regime de caixa. Ou seja, o banco só irá apurar o IR, a Contribuição Social, o PIS e o Cofins quando o título vencer e for pago pelo governo", diz o tributarista Campos.
Outra brecha legal que desde o ano passado vem sendo explorada pelos bancos para reduzir sua carga de impostos é a desimobilização de ativos. HSBC, Itaú, Bradesco, Unibanco venderam agências alugando-as do novo proprietário.
Além de fazerem caixa, conseguem uma vantagem fiscal importante: os aluguéis e leasings são 100% dedutíveis do IR, pois entram como despesa. "Já os prédios próprios são capital imobilizado e a lei só permite deduzir 2% do seu valor ao ano, a título de depreciação", observa Campos.
Mas "a mais importante forma de reduzir a carga tributária usada pelos bancos, nos últimos anos, tem sido a aquisição de outras instituições que estejam no vermelho", segundo Carlos Coradi, presidente da EFC (Engenheiros Financeiros e Consultores).
No passado, segundo ele, o comprador incorporava o banco comprado e podia absorver o seu prejuízo e deixava de pagar IR. Hoje a legislação veda a compensação de prejuízos nos casos de fusão, incorporação e cisão de empresas, segundo o advogado Campos. Mas não impede que sejam armadas operações que permitem reduzir a tungada do fisco.
Matias, da ABM Consulting, diz que as instituições financeiras têm conseguido contornar a lei adquirindo bancos com prejuízos e transferindo parte dos clientes para eles, a pretexto de segmentação do atendimento.
"Dessa forma transferem receitas para a outra instituição que volta ao azul no ano seguinte; mas como tem prejuízo a ser compensado, não pagará IR", diz Matias.
Segundo ele, todos os bancos fizeram isso nos processos de aquisição. "Esse é o principal artifício de planejamento tributário usado pelos bancos", afirma.


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