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COMÉRCIO EXTERIOR
Objetivo é liderar e reforçar os laços do Mercosul
Para Amorim, país terá de ser generoso com os vizinhos
ANDRÉ SOLIANI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Para atingir o objetivo de liderar
o processo de integração na América do Sul e reforçar os laços com
Argentina, Paraguai e Uruguai
(Mercosul), o Brasil terá de ser
mais generoso com os seus vizinhos, segundo o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim.
"Toda liderança implica um
certo grau de generosidade", disse
Amorim, em entrevista exclusiva
à Folha, na manhã de anteontem.
Ele defende que o Brasil deve ser
mais flexível ao tratar das importações dos países sul-americanos.
A idéia do ministro é usar o tamanho do mercado brasileiro, o
maior da região, para criar vínculos mais fortes entre o Brasil e os
demais países da região. A tarefa é
difícil, pois ao ser generoso, os setores internos que saírem perdendo vão reclamar, diz o ministro.
Folha - Como ficará o cumprimento dos prazos da Alca?
Celso Amorim - O que eu disse ao
embaixador Zoellick [Robert
Zoellick, representante comercial
dos EUA" é que não podemos sacrificar o conteúdo em função de
prazos. Os prazos que foram estabelecidos não são prazos legais.
Eu disse a ele que precisamos encarar isso com flexibilidade porque é um governo novo, que estava na oposição. Não é uma questão de não ter confiança no que foi
preparado antes. Mas o governo
tem que rever. Tem que conversar
com ministros, com empresários,
com trabalhadores e com o Congresso. Isso tudo pode implicar
que no dia 14 de fevereiro nós não
teremos tudo pronto [a proposta
comercial brasileira". O Zoellick
entendeu perfeitamente.
Folha - Esse atraso na entrega da
proposta pode acarretar atraso para a finalização do acordo em 2004?
Amorim - Não se pode entrar
com o preconceito que o prazo
não vai dar. Se eu pensar que não
vai dar, não vai dar mesmo. Não é
esse o nosso objetivo. Também se
não der, não é nenhuma tragédia.
Folha - No seu discurso de posse,
o senhor afirmou que o Mercosul e
a América do Sul são prioridades.
Durante o governo de FHC a retórica era mesma, no entanto, o Mercosul sofreu retrocessos e pouco se
avançou na integração da região.
Amorim - Nós vamos transformar a retórica em realidade.
Folha - Como o senhor pretende
fazer isso?
Amorim - Não é tarefa fácil. Não
podemos ficar dizendo que tudo
foi erro. Houve fatos inesperados.
Houve a crise asiática e instabilidades monetárias. Eu tenho procurado resumir isso de uma maneira muito simples: temos que
ser firmes no atacado e mais flexíveis no varejo. Nos objetivos do
Mercosul nós temos que ser firmes. Agora, num produto ou em
outro temos de ser mais flexíveis.
Estou dizendo isso no abstrato,
pois no concreto é mais difícil.
Folha - O Brasil sempre teve um
desejo de ser o líder regional, mas
sempre foi acusado de atuar com
uma certa timidez. Como o sr. vê o
papel do país na região?
Amorim - A liderança que o Brasil pode exercer não é por hegemonia, muito menos por comando. É uma liderança por inspiração. Além disso, está hoje passando por um processo de transformação social e política que é fator
de inspiração para outros países
da região. A liderança pode ser
uma decorrência natural.
Folha - O sr. falou em ser mais
"flexível no varejo" e em liderança.
Na UE, a Alemanha teve de investir
recursos para liderar o processo de
integração regional e ajudar alguns países. O Brasil tem condições
de exercer esse papel?
Amorim - Dinheiro nós não temos. Mas temos um grande mercado. Toda liderança implica certo grau de generosidade. Não é
que você vai abrir o mercado,
abandonar seus produtores, até
porque somos um país em desenvolvimento. Mas nós somos o
maior mercado, o maior país. Se
temos efetivamente um projeto
político de obter uma integração
da América do Sul, aí sim se coloca a liderança, a liderança pela generosidade.
Folha - Durante o governo FHC, o
Brasil não conseguiu fechar uma
série de acordos comercias com os
seus vizinhos. O sr. acha que foi a
falta de flexibilidade do lado brasileiro que frustrou essas tentativas?
Amorim - Generosidade precisa
ser vista num contexto apropriado. Generosidade não é ser boboca e ser bonzinho e entregar tudo.
Eu participei das negociações que
levaram à criação do Mercosul. Se
o Brasil não tivesse naquele momento também certa liderança
por generosidade, não teria se fechado o que se fechou.
Folha - Houve essa generosidade
nos últimos cinco ou dez anos?
Amorim - É que se perdeu de vista o projeto político. A generosidade não é totalmente desinteressada. Quando se tem um projeto
político é preciso ter mais flexibilidade. Não faz muito sentido os
países negociarem separadamente áreas de livre comércio com outros membros, com os EUA. Aí
não é mais Mercosul.
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