São Paulo, quinta-feira, 09 de janeiro de 2003

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COMÉRCIO EXTERIOR

Objetivo é liderar e reforçar os laços do Mercosul

Para Amorim, país terá de ser generoso com os vizinhos

ANDRÉ SOLIANI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Para atingir o objetivo de liderar o processo de integração na América do Sul e reforçar os laços com Argentina, Paraguai e Uruguai (Mercosul), o Brasil terá de ser mais generoso com os seus vizinhos, segundo o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim.
"Toda liderança implica um certo grau de generosidade", disse Amorim, em entrevista exclusiva à Folha, na manhã de anteontem. Ele defende que o Brasil deve ser mais flexível ao tratar das importações dos países sul-americanos.
A idéia do ministro é usar o tamanho do mercado brasileiro, o maior da região, para criar vínculos mais fortes entre o Brasil e os demais países da região. A tarefa é difícil, pois ao ser generoso, os setores internos que saírem perdendo vão reclamar, diz o ministro.

Folha - Como ficará o cumprimento dos prazos da Alca?
Celso Amorim
- O que eu disse ao embaixador Zoellick [Robert Zoellick, representante comercial dos EUA" é que não podemos sacrificar o conteúdo em função de prazos. Os prazos que foram estabelecidos não são prazos legais. Eu disse a ele que precisamos encarar isso com flexibilidade porque é um governo novo, que estava na oposição. Não é uma questão de não ter confiança no que foi preparado antes. Mas o governo tem que rever. Tem que conversar com ministros, com empresários, com trabalhadores e com o Congresso. Isso tudo pode implicar que no dia 14 de fevereiro nós não teremos tudo pronto [a proposta comercial brasileira". O Zoellick entendeu perfeitamente.

Folha - Esse atraso na entrega da proposta pode acarretar atraso para a finalização do acordo em 2004?
Amorim
- Não se pode entrar com o preconceito que o prazo não vai dar. Se eu pensar que não vai dar, não vai dar mesmo. Não é esse o nosso objetivo. Também se não der, não é nenhuma tragédia.

Folha - No seu discurso de posse, o senhor afirmou que o Mercosul e a América do Sul são prioridades. Durante o governo de FHC a retórica era mesma, no entanto, o Mercosul sofreu retrocessos e pouco se avançou na integração da região.
Amorim
- Nós vamos transformar a retórica em realidade.

Folha - Como o senhor pretende fazer isso?
Amorim
- Não é tarefa fácil. Não podemos ficar dizendo que tudo foi erro. Houve fatos inesperados. Houve a crise asiática e instabilidades monetárias. Eu tenho procurado resumir isso de uma maneira muito simples: temos que ser firmes no atacado e mais flexíveis no varejo. Nos objetivos do Mercosul nós temos que ser firmes. Agora, num produto ou em outro temos de ser mais flexíveis. Estou dizendo isso no abstrato, pois no concreto é mais difícil.

Folha - O Brasil sempre teve um desejo de ser o líder regional, mas sempre foi acusado de atuar com uma certa timidez. Como o sr. vê o papel do país na região?
Amorim
- A liderança que o Brasil pode exercer não é por hegemonia, muito menos por comando. É uma liderança por inspiração. Além disso, está hoje passando por um processo de transformação social e política que é fator de inspiração para outros países da região. A liderança pode ser uma decorrência natural.

Folha - O sr. falou em ser mais "flexível no varejo" e em liderança. Na UE, a Alemanha teve de investir recursos para liderar o processo de integração regional e ajudar alguns países. O Brasil tem condições de exercer esse papel?
Amorim
- Dinheiro nós não temos. Mas temos um grande mercado. Toda liderança implica certo grau de generosidade. Não é que você vai abrir o mercado, abandonar seus produtores, até porque somos um país em desenvolvimento. Mas nós somos o maior mercado, o maior país. Se temos efetivamente um projeto político de obter uma integração da América do Sul, aí sim se coloca a liderança, a liderança pela generosidade.

Folha - Durante o governo FHC, o Brasil não conseguiu fechar uma série de acordos comercias com os seus vizinhos. O sr. acha que foi a falta de flexibilidade do lado brasileiro que frustrou essas tentativas? Amorim - Generosidade precisa ser vista num contexto apropriado. Generosidade não é ser boboca e ser bonzinho e entregar tudo. Eu participei das negociações que levaram à criação do Mercosul. Se o Brasil não tivesse naquele momento também certa liderança por generosidade, não teria se fechado o que se fechou.

Folha - Houve essa generosidade nos últimos cinco ou dez anos?
Amorim
- É que se perdeu de vista o projeto político. A generosidade não é totalmente desinteressada. Quando se tem um projeto político é preciso ter mais flexibilidade. Não faz muito sentido os países negociarem separadamente áreas de livre comércio com outros membros, com os EUA. Aí não é mais Mercosul.


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