São Paulo, segunda-feira, 09 de fevereiro de 2004

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CUSTO DA VIDA

Família brasileira gasta 31,3% do orçamento com tarifas públicas e preços administrados, segundo a FGV

"Preços do governo" comem um terço da renda

PEDRO SOARES
DA SUCURSAL DO RIO

De cada R$ 100 do orçamento de uma família brasileira, R$ 31,30, em média, são gastos em serviços públicos ou itens com preços controlados ou administrados pelo governo. É o que revela levantamento feito pela Fundação Getúlio Vargas, a pedido da Folha.
Da composição do IPC (Índice de Preços ao Consumidor), 31,3% são referentes aos preços administrados e tarifas. Os dados são da POF (Pesquisa de Orçamento Familiar) de 2002 e 2003, realizada para determinar as ponderações de cada produto no índice.
O levantamento considera a classificação adotada pelo Banco Central para preços administrados. A lista inclui de tarifas públicas, cujos reajustes são determinados em contratos com o governo -como telefone fixo, cujo peso no orçamento das famílias é de 3,68%-, a produtos cujos preços sofrem influência de cotações internacionais ou controle indireto do governo. É o caso de passagens aéreas (com contribuição de 0,36%) e gasolina (3,33%).

Aluguel
Entre os administrados, o item com maior impacto no orçamento é o aluguel: 4,70%. Depois, aparecem energia (4,41%) e ônibus urbano (3,60%). Na lista, há até serviços cada vez menos usados e com peso muito pequeno no orçamento das famílias. O peso dos gastos com selo e carta, por exemplo, é de somente 0,044%.
Segundo o economista Carlos Thadeu de Freitas Filho, do Grupo de Conjuntura da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), as tarifas públicas subiram acima da inflação média nos últimos anos. Por isso, têm abocanhado uma parcela maior dos gastos das famílias a cada ano.
Quando o Banco Central adotou o conceito de preços administrados, em 1999, o peso deles no IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), era de 24,8%, de acordo com Freitas. Aumentou para 28,8% no final de 2003.
Os dois índices possuem metodologias diferentes. Portanto, não podem ser comparados. Freitas afirma, porém, que a tendência é a mesma: aumento contínuo das despesas com as tarifas públicas.

Menos consumo
"É um gasto muito pesado. As famílias estão deixando de consumir outros produtos para pagar as tarifas." O consumo da maior parte dos itens com preços administrados, diz ele, é "inelástico". Ou seja, mesmo com a alta dos preços, as famílias têm uma pequena margem para abrir mão deles ou trocá-los por um serviço similar e mais barato. Uma família pode deixar de consumir refrigerantes se o preço sobe muito, mas não pode deixar de utilizar o serviço de energia elétrica.
Para Freitas, o governo precisa "desarmar a armadilha" dos preços administrados. É que tarifas como energia e telefone são corrigidas pelo IGP (Índice Geral de Preços), que pesquisa preços no atacado e, por isso, sofre mais pressão em momentos de alta do dólar. Como são reajustadas anualmente com base na taxa do ano anterior, as tarifas carregam a inflação antiga para o presente.
"É uma armadilha. Isso porque o governo tem sempre de comprimir os preços livres, por meio da política monetária [aumento dos juros], para absorver os choques dos administrados", diz Freitas.
O resultado: para combater a inflação dos preços indexados, o Banco Central faz um ajuste recessivo que afeta toda a economia, reduzindo renda, produção e emprego de todos os setores.
Luiz Roberto Cunha, da Fecomércio-RJ e professor da PUC-Rio, ressalta, porém, que as tarifas públicas não são as únicas responsáveis pela pressão exercida pela alta dos preços administrados sobre o orçamento. Destaca o peso dos combustíveis e das tarifas de ônibus, que "subiram muito nos últimos anos" e sofrem influência das cotações do petróleo nos mercados interno e externo.

Núcleo da inflação
Para solucionar o problema, Cunha sugere a adoção pelo Banco Central de um índice que calcule o núcleo da inflação, excluindo as principais tarifas. Esse índice serviria de base para o sistema de metas de inflação. Dessa forma, as taxas não seriam tão contaminadas pelos possíveis choques de tarifas. O cálculo do núcleo da inflação exclui do índice efeitos temporários e altas de preços que não estejam relacionadas à maior procura por bens e serviços.
Os dois economistas rejeitam a possibilidade de renegociar contratos, sob o argumento de que isso desestimula investimentos.

Peso dos alimentos
Os dados da FGV revelam ainda que nas capitais do Norte e Nordeste a alimentação tem peso maior no orçamento. Supera o grupo habitação, que lidera a média nacional (31,84%), à frente de alimentação (27,49%).
Em Recife, por exemplo, a alimentação pesa 31,27%, enquanto a habitação, que reúne a maior parte das tarifas públicas, tem contribuição de 28,45%. Em Belém, a alimentação tem contribuição de 31,50%, enquanto a habitação contribui com 30,05%.
Já em Belo Horizonte, a primeira participa com 19,57% da despesa familiar -a segunda, com 34,85%. Em São Paulo, a alimentação pesa 29,58%. Já a habitação, 32,85%.
Segundo André Braz, economista da FGV responsável pelo IPC, a diferença de rendimento entre as capitais explica a disparidade. Onde a renda é maior, gasta-se mais em habitação. Isso porque nessas cidades o acesso aos serviços públicos é maior, e os dispêndios com eles, mais altos.



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