São Paulo, segunda-feira, 09 de fevereiro de 2009

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Empresas oferecem cursos de qualificação sem padrão

Aula obrigatória para quem teve contrato de trabalho suspenso não é regulamentada

Levantamento revela carga horária diversa e conteúdo que nem sempre tem a ver com atividade que era exercida pelo funcionário

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Os cursos de qualificação profissional que as empresas são obrigadas a oferecer durante a suspensão do contrato de trabalho têm carga horária discrepante e, em alguns casos, conteúdo que destoa do trabalho desenvolvido pelos funcionários. É o que aponta levantamento da Folha com companhias que adotaram a medida.
As oito empresas ouvidas pela reportagem suspenderam, somadas, o contrato de aproximadamente 1.500 empregados. Nessas companhias, a carga horária prevista inicialmente varia de 40 a 420 horas.
A legislação determina que, durante o período em que os empregados estão parados, eles recebam até cinco parcelas do Bolsa Qualificação, benefício pago pelo governo em cinco parcelas de até R$ 870,01.
A lei não indica, porém, onde o trabalhador deve fazer o curso, como deve ser organizado e a carga horária do treinamento. "A lei é falha. Não especifica quem paga o quê e quais os benefícios que devem ser pagos. Tudo está remetido a acordo ou convenção coletiva", diz Sergio Pinto Martins, professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
Nos acordos do sindicato dos metalúrgicos da região metropolitana de Curitiba com Renault (montadora), Maflow (peças automotivas), Alasur (peças em alumínio) e Yazaki (sistemas automotivos), a associação determinou que a duração mínima do curso fosse de 140 horas em cinco meses.
O sindicato dos metalúrgicos de São Paulo e Mogi, com acordos de suspensão do contrato de trabalho fechados com a Basso e a Indebras (ambas fabricam peças automotivas), decidiu que a carga horária mínima é de 180 horas no período.
Nesta semana, o Ministério do Trabalho deve lançar proposta para estabelecer parâmetros para a suspensão do emprego. Para Ezequiel Nascimento, secretário de políticas públicas para o emprego do ministério, a medida deve coibir eventuais abusos de empresas.
"Imagino 200 horas para que o curso tenha efetividade. Sem dúvida, oferecer 140 horas em cinco meses é pouco se o objetivo é ter um trabalhador mais bem qualificado para reiniciar as atividades", diz Nascimento.
Nos casos em que as empresas ofereçam menos de 160 horas ao mês, a duração do curso é inferior a um mês de trabalho de um trabalhador que tenha jornada de 40 horas semanais. Isso significa que, nesses casos, o trabalhador ficará cerca de quatro meses ocioso ou cumprirá a carga horária de forma bastante espaçada durante a suspensão do emprego.

Treinamento efetivo
Claudio Dedecca, economista da Unicamp, diz que bons cursos de qualificação profissional não precisam ter carga horária elevada. "Oferecer oito horas de qualificação por dia é jogar dinheiro fora. O trabalhador não está habituado à sala de aula. É preciso levar em conta a experiência dele do dia-a-dia, que é a do chão de fábrica."
Dedecca destaca que o mais importante é assegurar a qualidade e a aplicação do treinamento à rotina. "A experiência de avaliação dessas iniciativas é que a empresa faz o curso porque tem que justificar a suspensão do contrato, mas a qualificação é de péssima qualidade e diz respeito a funções e a aprendizado que não se associam à função do trabalhador."
Entre as opções oferecidas pelas empresas que recorrem à suspensão do emprego estão segurança do trabalho, orçamento familiar, metrologia básica, informática, mecânico, eletricista e soldador. Trabalhadores dessas empresas relatam que nem sempre o curso tem relação com a profissão.
A operadora de máquinas Márcia (nome fictício), suspensa desde dezembro, passa pela situação. "Eu vou porque, se não for, não recebo, mas para a minha área não é muito boa." A trabalhadora frequenta um treinamento de regulagem de máquinas, atividade que, segundo ela, não conseguiria executar durante a sua rotina porque exige muita força física.
"O que pedimos é que o curso não seja só maquiagem. Tem que ter conteúdo e, caso seja despedido, o trabalhador deve ir para o mercado de trabalho com uma qualificação respeitada", diz Miguel Torres, presidente do sindicato dos metalúrgicos de São Paulo e Mogi. (VERENA FORNETTI)


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