São Paulo, quinta-feira, 09 de março de 2006

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ANÁLISE

Gradualismo é coerente com regime de metas

MARCELO BILLI
DA REPORTAGEM LOCAL

O Copom decidiu manter o processo de redução gradual dos juros, como vem fazendo desde que começou o processo de aperto monetário: em doses homeopáticas, pelo menos se comparadas com as de outros ciclos de aperto e afrouxamento monetário.
A economia já dá sinais de que se recupera do tombo provocado em boa parte pela alta de juros promovida pelo BC a partir de setembro de 2004.
Na segunda-feira, pesquisa da Fiesp mostrou que a indústria paulista cresce há três meses consecutivos e, pela primeira vez em um ano, reverte a tendência de queda da taxa de crescimento em doze meses.
Não é exatamente um "espetáculo de crescimento" do setor industrial. Mas a taxa parece ter encontrado um piso e começou a subir, o que sugere que a partir de agora a indústria tomará mais fôlego. É justamente por conta desses sinais que o BC deve continuar com seu gradualismo, inaugurado em setembro do ano retrasado e não abandonado desde então.
Por um lado, diz quem defende a política monetária feita pelo Brasil, em regime de metas inflacionárias movimentos bruscos dos juros podem comprometer a credibilidade do Banco Central.
Se a economia reagir muito fortemente, os preços tendem a subir e o Copom será obrigado a subir novamente os juros. Movimentos mais lentos dão tempo ao BC para avaliar melhor a resposta ao estímulo da queda dos juros, evitando mudanças de direção indesejáveis e que acabam causando frustração.
Mas há outro problema que começa a fazer parte da lista de pequenas dores de cabeça de quem decide o futuro dos juros no Brasil. O cenário externo não será tão cor-de-rosa como no ano passado. O apetite por risco não será o mesmo. Está em curso, no mercado internacional, um grande movimento de realocação de carteiras e o dinheiro começa a fluir para destinos distintos daqueles para onde foram em 2005.
O ano passado foi relativamente positivo para os países emergentes. 2006 pode não ser negativo, mas parece que caminha mais para a neutralidade. Mário Mesquita, economista chefe do ABN Amro lembra que, pela primeira vez em muitos anos, há convergência entre as medidas de política monetária do G3, ou seja, do Japão, da Europa e dos EUA.
Os juros estão em alta nas três grandes praças mundiais. Por conta disso, o clima para investimento e o fluxo de capitais devem mudar. Mesquita dá um exemplo: investidores levantavam recursos no mercado japonês para aplicá-los no mundo emergente, operação que pode deixar de fazer sentido com a alta dos juros no Japão.
O Brasil está, portanto, reduzindo os juros em momento em que o mundo presencia alta nas taxas de juros. Não é exatamente um problema, lembra Mesquita, mas "um fator de cautela", que pode fazer o BC continuar cauteloso, mantendo o gradualismo.
Os juros no Brasil ainda são extremamente altos se comparados com os dos demais países. Assim, o diferencial de juros entre ativos brasileiros e os dos demais países deve continuar grande. Mas os juros em alta lá fora e em baixa aqui, ele cairá mais rápido.
O dólar, lembra Mesquita, deve parar de despencar. É difícil prever uma reviravolta muito dramática do câmbio, mas ele não deverá mais contribuir para controlar os preços, por meio do barateamento dos importados.
A economia brasileira voltou a crescer e o cenário externo começa a dar sinais de que não será tão positivo. O aquecimento econômico faz o BC avaliar o quanto as reduções de juros já feitas ainda estimularão a economia. O cenário externo deve induzir a um pouco mais de cautela. Cautela que, para o Copom, acaba se traduzindo em redução ainda gradual da taxa de juros.


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