São Paulo, domingo, 09 de abril de 2006

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GLOBALIZAÇÃO

Protecionismo pós-11 de Setembro, alta do petróleo e ameaça da gripe do frango não devem reduzir fluxos

Comércio mundial desafia "profetas do apocalipse"

ALAN BEATTIE
DO "FINANCIAL TIMES"

A ascensão do comércio internacional foi por muito tempo vista como inevitável. Agora, crescem dúvidas quanto à sua persistência, em meio a repetidas predições de que a globalização pode não só terminar paralisada como invertida.
O novo século mal tinha dois anos quando a exuberância da bolha globalizante dos anos 1990 se defrontou com uma realidade menos que animadora. Imediatamente depois da recessão norte-americana de 2001, vieram os ataques do 11 de Setembro e as medidas de segurança conseqüentes.
De lá para cá, a confiança voltou a ser abalada pelo conflito no Iraque, pelos atentados em Bali, Madri e Londres, pela difusão da Sars e mais tarde da gripe aviária e por um aumento acumulado de 200% nos preços do petróleo. Guerra, peste, doença e miséria: como escreveu Drew Matus, economista do Lehman Brothers, era "como se o Livro das Revelações estivesse acontecendo ao vivo".
O clima continua desfavorável. Existem rumores sombrios de protecionismo dos dois lados do Atlântico. Essas tendências podem passar por uma escalada e gerar protecionismo real, caso surja um deslocamento macroeconômico mundial, como um colapso no dólar que arremesse os Estados Unidos em uma recessão. O mundo não poderia perder o país consumidor por excelência. Mas, até agora, a durabilidade da integração econômica e do comércio internacional vem se provando notável.
O medo de que o 11 de Setembro pudesse causar paralisação do comércio internacional era comum não só entre os economistas perpetuamente pessimistas de Wall Street mas também entre aqueles do setor de transportes.
Raymond Maguire, especialista em transportes no banco de investimento UBS, diz que, "depois do 11 de Setembro, as companhias de navegação antecipavam o fim do mundo e começaram a oferecer contratos de frete a preços muito baixos a fim de garantir a ocupação de seus navios". Os fretes para contêineres em rotas do Pacífico caíram 15% em 2001 e mais 12% no ano seguinte.
Parece claro que os temores quanto ao custo das medidas de segurança eram exagerados. Simeon Djankov, economista do departamento de assessoria a empresas do Banco Mundial, pesquisou as companhias de navegação e descobriu que estão enfrentando a situação com facilidade.
Djankov calcula que, para os exportadores europeus aos Estados Unidos, a segurança adicional custe 15 a mais por contêiner médio, custo desprezível diante do valor de US$ 60 mil da carga que ele transporta.

Terceirização e cadeias
O vigor do comércio internacional deve muito a duas tendências. Nos serviços, a rápida difusão da digitalização causou um boom na terceirização internacional de serviços, permitindo que atividades cada vez mais complexas fossem transferidas a fornecedores em outros países. Para os produtos, a logística sofisticada permitiu que as cadeias de suprimento se estendessem mais, freqüentemente na direção da China.
Em retrospecto, o evento mais simbólico de 2001 para o comércio internacional não foi o 11 de Setembro, mas a adesão da China à OMC (Organização Mundial do Comércio), dois meses depois. Em três anos, as exportações do país dobraram e os chineses se tornaram os terceiros maiores exportadores do mundo.
Até agora, essas forças de integração superaram as resistências com bastante facilidade. A gripe aviária e uma alta sustentada nos preços do petróleo podem impor desafios mais severos.
Combustível mais caro é um fator que não deve causar reversão na tendência de transferência da produção industrial para fora dos países ricos. Mas pode ajudar os países em desenvolvimento que se localizam a distância relativamente curta de seus mercados.
"As fábricas chinesas não voltarão a Ontário ou ao Ohio, mas o México talvez receba uma nova chance", disse Rubin. "Agora, estamos enfrentando esse novo choque do petróleo há dois anos e meio e devemos começar a ver efeitos de redução do comércio internacional em breve."
Outros observadores contestam a importância dos custos de transporte. Alan Winters, um dos mais importantes economistas especializados em comércio internacional, diz que a desaceleração no comércio depois de 1973 era mais provavelmente resultado da recessão nos países ricos, causada pelo choque do petróleo.
A mais recente fonte de preocupação é a difusão do vírus H5N1, da gripe aviária. Se ele começar a causar mortes em escala considerável nos países ricos, sem dúvida causará paralisação nos setores de comércio internacional e turismo.
A gripe aviária decerto está prejudicando os criadores de aves. Produtores franceses estão sofrendo com proibições de exportação e queda na demanda doméstica. Os criadores brasileiros, que tinham 35% do mercado mundial de exportação, registram queda de demanda e acúmulo em seus estoques europeus.
Mas analistas do Rabobank, uma das maiores instituições de crédito agrícola do mundo, dizem que os efeitos da doença sobre o comércio mundial de alimentos não devem ser dramáticos.
Certamente, existe o potencial de um choque sério. Um grande incidente terrorista; uma alta no número de casos humanos da gripe aviária; uma recessão longa ou profunda que convença governos a adotar medidas protecionistas.
A ascensão do comércio internacional não é inevitável nem irreversível. Mas, nos últimos anos, apostar contra o comércio mais livre e contra a capacidade da economia mundial para enfrentar choques desestabilizadores provou ser uma estratégia perdedora.


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