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LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA
Desindustrialização e doença holandesa
Está na hora de o agronegócio começar a discutir como neutralizar
a doença holandesa
HÁ UMA euforia perigosa em
torno do agronegócio e, em
especial, do etanol. Embora
os avanços que o país vem alcançando nessa área sejam notáveis e nos
devam orgulhar, isso não deve nos
conduzir à perda da capacidade de
análise sobre as conseqüências
eventualmente desastrosas de políticas nacionais e internacionais favorecendo esse setor.
Quando nos defrontamos com
qualquer problema, o princípio do
equilíbrio é fundamental. Temo, porém, que o estejamos esquecendo
quando colocamos todas as nossas
esperanças na produção baseada em
recursos naturais e, em conseqüência, adotamos uma política de taxa
de câmbio que está desindustrializando o país, quando a posição equilibrada seria a de garantir o crescimento equilibrado dos dois setores.
A economia brasileira vem enfrentando, desde o início dos anos
1990, grave processo de desindustrialização. Tal fenômeno explica,
em boa parte, a quase estagnação da
economia, já que, nos últimos cinco
anos, a expansão das exportações
brasileiras de commodities não a
compensa. Economistas ligados ao
agronegócio negam o fenômeno da
desindustrialização e sua causa
principal, a apreciação da taxa de
câmbio provocada pela doença holandesa, ou maldição dos recursos
naturais, com o argumento de que
nos últimos cinco anos as exportações de manufaturados continuaram fortes. Mas seus argumentos
são modestos.
Primeiro porque a base de comparação não pode ser o ano de 2000,
mas 1990-92, quando a economia
brasileira perdeu as formas históricas de neutralização da doença holandesa, que lhe haviam permitido,
entre 1930 e 1980, alcançar taxas extraordinariamente altas de crescimento econômico.
Segundo porque não percebem
que a apreciação do câmbio está inviabilizando as atividades industriais com alto valor agregado per
capita e reduzindo a indústria brasileira a uma indústria maquiladora
que continua a exportar, mas com
decrescente conteúdo tecnológico.
Não bastasse o câmbio, a política
externa brasileira vem insistindo
em avançar com as negociações da
Rodada Doha, nas quais o grande
objetivo brasileiro é obter a redução
dos subsídios com os quais a Europa
e os Estados Unidos protegem sua
agricultura.
Esse é um objetivo meritório, mas
é preciso saber a que custo. Recentemente, na Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo),
depois de uma patética exposição de
um economista sobre os grandes objetivos do agronegócio em relação à
redução de subsídios na OMC (Organização Mundial do Comércio), a
negociadora norte-americana, Susan Schwab, chefe do USTr (equivalente ao Ministério do Comércio Exterior dos Estados Unidos), respondeu com toda a frieza que sim, seu
país estava disposto a estudar algumas das reivindicações feitas, mas
em troca seria necessário que setores estratégicos da indústria brasileira reduzissem substancialmente
as suas modestas tarifas aduaneiras.
Ou seja, o que os Estados Unidos e
a Europa querem, em troca de algumas concessões na área da agricultura -concessões que, afinal, não
são essenciais para o desenvolvimento do setor-, é que aprofundemos ainda mais uma desindustrialização que está em marcha desde
1990-92.
O problema que o Brasil enfrenta
não é o de escolher entre a indústria
de transformação e o agronegócio.
As sinergias entre os dois setores são
enormes. Além disso, foi-se o tempo
em que a agricultura era uma atividade tradicional, com baixo valor
agregado per capita, de forma que o
desenvolvimento econômico implicava a transferência da mão-de-obra
dela para a indústria. Hoje, a agricultura brasileira é empresarial e de alto nível tecnológico e gerencial -é
uma prova da capacidade científica
e empresarial dos brasileiros. Isso,
porém, não justifica que aceitemos
uma política de taxa de câmbio que
inviabilize um dos parceiros -a indústria de transformação.
Mesmo que transformemos o
Brasil em um grande canavial, não
conseguiremos apenas com o agronegócio dar emprego digno a todos
os brasileiros que estão desempregados ou semi-empregados. Está na
hora de seus representantes se juntarem aos da indústria de transformação e começarem a discutir como
neutralizar a doença holandesa, que
é a grande ameaça que paira sobre a
economia brasileira.
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA, 72, professor emérito
da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda, da
Reforma do Estado, e da Ciência e Tecnologia, é autor de
"As Revoluções Utópicas dos Anos 60".
Internet: www.bresserpereira.org.br
lcbresser@uol.com.br
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