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ARTIGO
Pânico financeiro e a lei das consequências involuntárias
JEFFREY SACHS
Uma das lições que a política pública ensina repetidas vezes é a lei
das consequências involuntárias.
Adota-se uma medida para "consertar" um problema, apenas para
vê-la criar outro problema, às vezes muito mais grave do que o primeiro. Quanto mais a fundo se
analisam as crises financeiras que
atingiram a Ásia Oriental, a Europa do Leste e a América Latina nos
dois últimos anos, mais esses
acontecimentos parecem constituir prova quase definitiva da lei
das consequências involuntárias.
Embora cada crise regional tenha sido atribuída aos erros de administração dos governos dos países em desenvolvimento, na realidade boa parte da culpa -talvez a
maior parte- é dos países avançados. Mais precisamente, as regras
que regulamentam o sistema bancário nos países avançados podem
haver provocado a crise financeira
no mundo em desenvolvimento e
pós-comunista.
A essência da crise financeira recente consiste no fato de que, entre
1993 e 1996, os chamados "mercados emergentes" receberam uma
enxurrada de empréstimos bancários internacionais, sendo que a
partir de 1997 esses capitais fugiram dos mesmos mercados emergentes. Países como Rússia, ou Indonésia, Coréia do Sul e Tailândia,
no Sudeste Asiático, ou Brasil e Peru, na América Latina, puderam
contrair empréstimos em condições fáceis em meados da década,
mas viram esses empréstimos serem retirados, em pânico, nos últimos dois anos.
A inversão do fluxo dos empréstimos bancários é espantosa. Segundo dados recentes compilados
pelo banco de investimentos JP
Morgan, os bancos internacionais
concederam aos 25 maiores mercados emergentes um total de US$
100 bilhões em créditos líquidos
(ou seja, empréstimos menos pagamentos) em 1995, US$ 121 bilhões em 1996 e US$ 46 bilhões em
1997, tendo exigido pagamentos líquidos de US$ 95 bilhões em 1998.
A inversão da tendência foi mais
acentuada na Ásia emergente: de
US$ 81 bilhões em empréstimos
concedidos em 1996 para US$ 84
bilhões em pagamentos líquidos
em 1998.
Quando se olha por baixo da superfície, vê-se que essas grandes
oscilações foram consequência de
dois fatos relacionados. Em primeiro lugar, a maior parte dos empréstimos concedidos pelos bancos internacionais foi de muito
curto prazo. Cerca de dois terços
dos empréstimos feitos à Ásia, por
exemplo, foram por períodos inferiores a um ano. Em muitos casos,
inferiores a um mês.
Em segundo lugar, os bancos internacionais entraram em pânico
em 1997. Resolveram que tinham
de sair dos mercados emergentes o
mais rapidamente possível, porque todos os outros bancos o estavam fazendo. Ninguém queria ser
o último a abandonar um desses
países, porque sabiam que, quando todos os outros bancos tentassem sair ao mesmo tempo, os países seriam forçados a declarar moratória. Como os empréstimos que
tinham sido concedidos eram de
curto prazo, puderam ser retirados
quase todos ao mesmo tempo.
Por que, então, esses empréstimos foram de tão curto prazo e,
portanto, tão sujeitos aos efeitos
do pânico? É aqui que as consequências involuntárias exercem
um papel enorme. Sob as normas
internacionais que regulamentam
a atividade dos bancos, redigidas
pelo BIS -o banco central dos
bancos centrais, com sede em Basiléia, Suíça-, os bancos precisam
dispor de capital bancário suficiente. Os ativos (principalmente
os empréstimos concedidos pelos
bancos) não podem exceder o
montante de 12,5 vezes o capital
dos bancos.
Acontece que, segundo o método
pelo qual são contabilizados os haveres dos bancos, as normas permitem que os bancos emprestem a
outros bancos quatro vezes mais
dinheiro em créditos de curto prazo que em créditos de longo prazo.
Desse modo, regulamentos supostamente benignos acabam por incentivar os bancos a multiplicar
seus empréstimos de curto prazo e
reduzir seus empréstimos de longo
prazo.
Os regulamentos parecem fazer
sentido para cada banco isoladamente. Os empréstimos interbancários de curto prazo são, aparentemente, menos arriscados do que
os de longo prazo. Mas, quando todo o sistema internacional se envolve com uma quantidade excessiva de empréstimos interbancários de curto prazo, a economia
mundial passa a ser passível de pânico financeiro. Assim, o que faz
sentido para um banco (conceder
empréstimos de curto prazo) torna-se arriscado para todo o sistema mundial.
Quando começou a crise financeira no Sudeste Asiático, em meados de 1997, os países avançados e
o FMI se apressaram em atribuir a
culpa às vítimas, os países devedores. Disseram que esses países tinham se comportado mal. Na realidade, o problema era que o sistema internacional criara um verdadeiro "castelo de cartas", no qual
uma montanha de empréstimos
interbancários de curto prazo podia ser invertida de uma hora para
outra, provocando o desabamento
econômico dos países devedores.
Mesmo hoje, Washington e Basiléia ainda não estão dando a devida atenção à tendência mundial
dos empréstimos internacionais
de curto prazo, e a maior parte da
culpa pela crise continua sendo
atribuída a suas vítimas.
Uma palavra final às vítimas.
Mesmo antes de ser modificado o
sistema internacional, os países
podem fazer algo para se ajudar.
Devem limitar sua exposição aos
empréstimos bancários internacionais de curto prazo, para reduzir sua vulnerabilidade às oscilações exageradas no fluxo de empréstimos internacionais.
Tradução de Clara Allain
Jeffrey Sachs é diretor do Instituto Harvard de
Desenvolvimento Internacional e professor da
cadeira Gallen Stone de Comércio Internacional
da Universidade Harvard. Já foi o principal assessor econômico estrangeiro dos governos da Rússia, Polônia e Bolívia.
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