São Paulo, Sexta-feira, 09 de Julho de 1999
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POLÍTICA MONETÁRIA
Devido a dificuldades fiscais, governo é levado a aumentar taxa em leilão interno e captação externa
BC paga juro alto para rolar a dívida

VANESSA ADACHI
da Reportagem Local

O governo brasileiro pagou ontem juros considerados altos para rolar sua dívida tanto no mercado interno como no externo.
O Banco Central deu início ao plano de alongar a dívida interna, lançando títulos prefixados com prazo de um ano. Desde abril de 98 não colocava papéis com esse prazo. Também fez a estréia dos bônus da República no mercado de títulos denominados em euro.
A avaliação de analistas é que, ao aceitar juros elevados, o BC optou por sancionar a percepção do mercado de que existem dificuldades para equacionar o déficit fiscal do país.
As muitas liminares contra a cobrança da CPMF, os problemas ainda pendentes sobre a contribuição dos funcionários públicos inativos, o repique da inflação em junho, as crises na base aliada do governo e novos temores com relação à Argentina foram alguns dos principais fatores que tornaram o ambiente desfavorável a novas captações do governo nesta semana. São vistos como obstáculos ao cumprimento do ajuste.
A alternativa do governo, ao menos na emissão interna, seria a de rejeitar os juros pedidos pelos bancos. Nesse caso, o BC corria o risco, talvez mais sério, de alimentar especulações sobre a capacidade de rolagem da dívida.
No mercado interno, o BC vendeu R$ 500 milhões em títulos prefixados com vencimento em um ano. Pagou taxa média de 25,65% e máxima de 26,08%, enquanto a Selic (taxa básica do mercado) está em 21%.
Na Europa, foram colocados bônus da República de três anos no valor de 700 milhões de euros (US$ 714 milhões), que pagaram taxa de 9,7% ao ano.
"Ao pagar esses prêmios, o governo reconhece que a área fiscal gera incertezas. Tanto lá fora como aqui dentro, a opção do governo foi reconhecer que a situação fiscal é ruim", disse Octávio de Barros, economista-chefe do Banco Bilbao Vizcaya.
Barros lembrou que, na segunda-feira, a Telefónica da Argentina emitiu bônus de mesmo prazo no mercado europeu pagando taxa de 7,25% ao ano.
"Quando transformamos os valores de euros para dólares, percebemos que o custo da captação em euros foi alta mesmo", disse Marco Maciel, analista de renda fixa do Banco Bozano, Simonsen. Em dólares, o bônus brasileiro pagou taxa de 12,46%, apenas um pouco inferior ao Brasil 27, que tem vencimento em 2007, e está com juros de 13,4%.
Por ser um papel de duração muito mais curta, o bônus emitido ontem deveria pagar taxa bem mais baixa, diz ele. Títulos de maior prazo, em tese, representam risco maior para o investidor, pois significa que terá de esperar mais para receber o dinheiro.
O economista Marcelo Allain, do Banco BMC, considerou preocupante o prêmio pago nos títulos prefixados de um ano. Segundo ele, aceitar cinco pontos sobre a taxa atual do overnight é prêmio muito alto, principalmente porque a previsão é de queda dos juros de curto prazo.
Ele disse que não foi o dia ideal para colocar títulos prefixados de longo prazo. "A suspensão da CPMF no Rio Grande do Sul trouxe dúvidas sobre o ajuste e os juros subiram no mercado futuro."
O prêmio maior pago para rolar a dívida pública -o título externo também tem essa função; os recursos devem servir para amortizar os empréstimos do Banco do Japão e do BIS- não necessariamente significa um aumento do risco do país.
"O "risco Brasil" continua o mesmo de um mês atrás. Obviamente, as contas públicas e a balança comercial preocupam, mas o mercado aproveitou o cenário para pedir taxas mais altas e conseguiu", diz Maciel, do Bozano.
Apesar do ceticismo do mercado, o governo foi unânime em comemorar tanto a estréia do país no mercado em euro quanto a volta dos títulos de um ano.
O presidente do Banco Central, Armínio Fraga, considerou que o lançamento de bônus denominados em euros superou as expectativas.
"Essa emissão foi um sucesso. A qualidade da distribuição foi excelente, atingindo base ampla de investidores com perfil de longo prazo", disse Fraga, por meio da assessoria de imprensa do BC.
Na avaliação do secretário do Tesouro Nacional, Fábio Barbosa, a venda das LTN de um ano (vencimento em 5 de julho de 2000) foi uma "boa reestréia", apesar das taxas de juros mais altas.
Barbosa explicou que havia consenso do mercado em torno da taxa de juros reivindicada. O atendimento a essa demanda, apesar do custo maior para o governo, deverá "reforçar a credibilidade" do mercado nos leilões do mesmo papel que devem se repetir nas próximas três semanas de R$ 500 milhões cada.
"Se adotássemos uma iniciativa errática e oportunista, a credibilidade nos próximos leilões poderia ser afetada", afirmou Barbosa, referindo-se à opção de suspender o leilão à espera de redução da pressão do mercado. "Se há consenso do mercado sobre os juros, temos de atendê-lo."
O diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central, Daniel Gleizer, e o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Edward Amadeo, que anunciaram o resultado em Londres, consideraram o lançamento dos bônus da República na Europa "missão cumprida".
"Estamos reconstituindo a credibilidade dos investidores estrangeiros, não dá para transformar água em vinho da noite para o dia", disse Gleizer, que fez várias apresentações sobre a situação econômica do país a investidores europeus.


Colaboraram Marcelo Diego, da Reportagem Local, Gabriel J. de Carvalho, da Redação, Sylvia Colombo, de Londres, e a Sucursal de Brasília.


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