São Paulo, sexta-feira, 09 de agosto de 2002

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ANÁLISE/MEGAPACOTE

FMI aposta seu futuro no Brasil -e vice-versa

DO "FINANCIAL TIMES"

Esqueçam a retórica de que os grandes pacotes de resgate nacional eram coisa do passado. É difícil que surjam pacotes maiores do que o empréstimo de US$ 30 bilhões que o Fundo Monetário Internacional (FMI) está oferecendo ao Brasil. Se o resgate fracassar, ele destruirá não só a frágil economia brasileira mas a razão de ser mesma do Fundo.
A recente crise de confiança na economia brasileira deixou poucas opções para as autoridades. Elas poderiam ter escolhido a inação, e permitir que o real caísse e causasse um número elevado de falências, porque as empresas não seriam capazes de pagar suas dívidas denominadas em dólares. O resultado: recessão e moratória.
As autoridades brasileiras poderiam ter defendido a moeda com taxas de juros muito mais altas, e causado a falência de um conjunto diferente de empresas nacionais. Elas poderiam ter reduzido seus prejuízos por meio de uma moratória imediata da dívida. Mas, sem que um sistema para falências nacionais esteja em vigor, isso teria sido caótico, provavelmente conduziria ao mesmo resultado desagradável e causaria contágio, espalhando os problemas brasileiros por toda a América Latina.
O empréstimo do FMI oferece a única esperança de um desfecho feliz para o Brasil. Ele dá ao país uma chance de restaurar sua confiança e de obter crescimento econômico que reduza os problemas de solvência do governo.
O resgate do Brasil pode funcionar. Um dos fatores que deflagrou a recente crise de confiança foram as declarações impensadas e quase caluniosas de Paul O'Neill sobre a corrupção na América Latina, de modo que o apoio firme dos Estados Unidos a esse empréstimo deve reparar boa parte dos danos que ele causou.
O Brasil, diferentemente da Argentina, também aderiu às metas acertadas em seus acordos com o FMI para a limitação de seu déficit público. E o risco político que afetaria o pacote depois das eleições de outubro foi evitado ao menos em parte pela concepção inteligente do pacote de assistência.
Cerca de 80% do valor do empréstimo foi adiado até 2003, e o desembolso foi vinculado à manutenção do controle do déficit público. Se um candidato oposicionista conquistar a Presidência e decidir gastar descontroladamente, o dinheiro do FMI não chegará ao Brasil.
Mas o sucesso não está garantido. A solvência brasileira está no fio da navalha. O crescimento econômico sempre lento (que não é estimulado em nada pelos cortes de gastos dos governos), um aumento no déficit público ou uma nova alta das taxas de juros poderiam facilmente deflagrar nova crise de confiança. E não resta dúvida de que esse plano de resgate acarreta o risco de estimular empréstimos bastante irresponsáveis ao Brasil.
Outro fato ominoso é que não há como negar que os motivos para que o FMI concedesse esse empréstimo foram essencialmente políticos. O Fundo queria demonstrar que ainda continua a ter uma função, e o governo dos Estados Unidos estava desesperado para reparar os danos que a língua solta de O'Neill causou na região. Se assim for, aumentam as chances de que o plano fracasse.
O benefício da dúvida deveria ser concedido ao FMI e ao Brasil. A economia brasileira é importante demais para que seu colapso seja permitido, e não está condenada ao fracasso e à moratória. Mas os argumentos favoráveis e contrários ao plano estão equilibrados de maneira precária: permitir que a Argentina passasse por mais alguns meses de incerteza antes de sua moratória não ajudou ninguém. O FMI fez uma aposta gigantesca.


Tradução de Paulo Migliacci


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