São Paulo, sexta-feira, 09 de agosto de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Crise leva mudança ao Consenso de Washington

DO ENVIADO ESPECIAL A WASHINGTON

Depois da derrocada da Argentina e de crises no Equador, na Venezuela, no Uruguai, no Paraguai e agora no Brasil, os formuladores do chamado "Consenso de Washington" resolveram aprimorar o receituário de políticas econômicas desenvolvido no final da década de 80, amplamente difundido e aplicado nos países da América Latina nos anos 90.
O que deve ficar conhecido como a "Segunda Geração do Consenso de Washington" terá apelo maior para as questões sociais. Segundo o idealizador do conceito, o economista britânico John Williamson, uma distribuição de renda melhor nos países latino-americanos será um dos pontos centrais do trabalho, que deverá ser lançado oficialmente na reunião do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) do ano que vem.
O "Consenso de Washington" foi uma síntese de idéias de reformas liberais elaborada em 1989 por um grupo de economistas do IIE (em português, Instituto para Economia Internacional), sediado em Washington.
Sobre o acordo do Brasil com o FMI, Williamson teme que a expectativa criada pelo pacote de US$ 30 bilhões possa ser desfeita por uma frase indesejável de um dos candidatos à Presidência.
Para Williamson, o FMI não teria concedido socorro de tal magnitude se não houvesse uma crise regional na América Latina.
Brasilianista, Williamson deu aula na PUC do Rio de 1979 a 1982. Leia a seguir trecho da entrevista que ele deu à Folha. (LEONARDO SOUZA)

Folha - Já são 13 anos de Consenso de Washington. Diante das transformações pelas quais a economia mundial passou ao longo desse período, o que o sr. mudaria ou acrescentaria?
John Williamson -
Nós temos um grupo de economistas que está trabalhando exatamente sobre isso. Uma agenda para políticas econômicas na América Latina para os próximos anos. Acho que haverá quatro pontos básicos. O primeiro é bem claro: a região tem que adotar como prioridade tentar se livrar dessas crises, adotar políticas que tornem os países menos vulneráveis a essas crises. Ou seja, política fiscal que dê superávit nos anos de prosperidade para ter espaço para déficit nos anos de crise. Na Argentina, por exemplo, seria muito agradável se fosse possível ter um déficit fiscal hoje, por causa da recessão. Mas, infelizmente, não é possível, porque a dívida pública aumentou demais nos anos de prosperidade.
Outro ponto: evitar a entrada excessiva de capitais, como o Chile fez na década de 90.
O terceiro ponto seria completar as reformas da primeira geração do Consenso de Washington, principalmente no mercado de trabalho, porque ainda há muitas restrições para que os trabalhadores do mercado informal possam ser absorvidos pelo mercado formal. O último ponto seria dar mais atenção aos problemas da distribuição de renda, ajudar os pobres a entrar na economia de mercado oferecendo coisas que nós queremos comprar.

Folha - O sr. diria que a segunda geração do Consenso de Washington teria uma preocupação maior com o lado social da economia?
Williamson -
Sim. Houve pequena parte disso que escrevi em 89. Um dos dez pontos foi reorientar os gastos do governo para educação e saúde, em vez de gastar tanto em defesa, na administração e em grandes obras. Isso foi uma parte dessa idéia, mas desta vez certamente será um tema maior.

Folha - Em sua opinião, o pacote do FMI acalma o mercado independentemente de qual candidato seja eleito em outubro?
Williamson -
Acho que, inicialmente, acalmou bastante os mercados. No entanto, é sempre possível que um candidato fale alguma coisa que mine a confiança.

Folha - O superávit primário em 3,75% do PIB é suficiente?
Williamson -
Foi bom não ter havido aperto fiscal maior nesta altura, porque há uma recessão no Brasil. Ajuste fiscal diante de um quadro de recessão não me parece uma boa idéia. Quando a economia começar a crescer novamente, será natural que o superávit primário fique maior.

Folha - Se o FMI não tivesse dado essa ajuda ao Brasil, depois da derrocada da Argentina e das dificuldades econômicas de vários países da América Latina, o chamado Consenso de Washington teria deixado uma mensagem negativa para a economia mundial e, principalmente, para a latino-americana?
Williamson -
Infelizmente, muitas pessoas pensam que [o Consenso de Washington é uma coisa negativa". Para mim, nunca foi uma coisa de neoliberalismo. As políticas do presidente Fernando Henrique Cardoso não foram de neoliberalismo, foram bem mais sensíveis para os aspectos sociais. Não houve nada de monetarismo, de economia do lado da oferta ["supply siding"". Esses conceitos de neoliberalismo nunca fizeram parte do Consenso de Washington ou das políticas do presidente Fernando Henrique.
Na minha opinião, há muita confusão sobre esse assunto, é um debate polêmico e não muito útil em termos de esclarecer as políticas que podem ajudar o país a se desenvolver mais rapidamente. No entanto, tenho de concordar com você que um desastre no Brasil, depois dos anos FHC, teria sido muito mal para as políticas do Consenso de Washington no sentido que eu uso, teria dado impressão ruim como na Argentina. Mas não acho que seja justo culpar o Consenso pela tragédia da Argentina. O país enfrentou problemas precisamente porque houve dois pontos do Consenso que a Argentina não fez.

Folha - Quais?
Williamson -
Uma taxa de câmbio competitiva e uma política fiscal disciplinada.

Folha - O Brasil fez esses dois ajustes considerados fundamentais pelo Consenso. A que o sr. atribui toda essa dificuldade que o país está enfrentando agora?
Williamson -
A Argentina não ajudou, então houve elemento de contágio, mas também claro que foi a situação política. Os dois candidatos de oposição, tanto Lula como Ciro Gomes, falaram muita coisa no passado que minou a confiança dos investidores e dos brasileiros com bastante dinheiro. Então é natural que as pessoas não saibam o que eles podem fazer. Vale o que eles falam hoje em dia ou o que falaram no passado? Isso cria um problema. E é um perigo.

Folha - Todo o problema que a América Latina vive agora contribuiu para a magnitude da ajuda que foi dada ao Brasil pelo FMI?
Williamson -
Provavelmente o FMI decidiu que teria de dar um empréstimo muito grande para tentar mudar o sentimento dos mercados. Porque a crise ameaçava se generalizar por praticamente toda a América Latina. Qualquer crise em um país estava ameaçando os países vizinhos. Então acabar com essa ameaça era uma medida bem lógica.

Folha - Como o sr. avalia a política "do morde e assopra" do governo americano em relação à América Latina? Ora o secretário do Tesouro americano, Paul O'Neill, alfineta os dirigentes da região, ora os elogia.
Williamson -
Eu acho que o O"Neill falou o que não deveria ter falado. Ele reconheceu o erro que cometeu e agora está tentando compensar. Ele deu aquele ajuda temporária para o Uruguai, isso é uma mudança na política de relações externas dos EUA. Não é uma mudança tão grande, porque, para a Turquia, os EUA apoiaram ajuda [financeira" também bastante elevada. Mas, em relação à América Latina, parece uma mudança muito importante.

Folha - Em sua opinião, o governo americano manterá essa nova atitude, de menos distanciamento dos países da região, ou poderá recuar em determinada situação?
Williamson -
Sempre espero que os EUA adotem uma política de julgar cada caso em termos da visão de longo prazo. Se o país tem políticas de longo prazo, os EUA devem dar ajuda. Se não, não deve dar ajuda. Acho que essa é uma atitude correta.



Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: Multimídia - EUA: Medo de contágio acelerou acordo
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.