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Crise leva mudança ao Consenso de Washington
DO ENVIADO ESPECIAL A WASHINGTON
Depois da derrocada da Argentina e de crises no Equador, na
Venezuela, no Uruguai, no Paraguai e agora no Brasil, os formuladores do chamado "Consenso de
Washington" resolveram aprimorar o receituário de políticas
econômicas desenvolvido no final
da década de 80, amplamente difundido e aplicado nos países da
América Latina nos anos 90.
O que deve ficar conhecido como a "Segunda Geração do Consenso de Washington" terá apelo
maior para as questões sociais. Segundo o idealizador do conceito,
o economista britânico John Williamson, uma distribuição de
renda melhor nos países latino-americanos será um dos pontos
centrais do trabalho, que deverá
ser lançado oficialmente na reunião do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) do
ano que vem.
O "Consenso de Washington"
foi uma síntese de idéias de reformas liberais elaborada em 1989
por um grupo de economistas do
IIE (em português, Instituto para
Economia Internacional), sediado em Washington.
Sobre o acordo do Brasil com o
FMI, Williamson teme que a expectativa criada pelo pacote de
US$ 30 bilhões possa ser desfeita
por uma frase indesejável de um
dos candidatos à Presidência.
Para Williamson, o FMI não teria concedido socorro de tal magnitude se não houvesse uma crise
regional na América Latina.
Brasilianista, Williamson deu
aula na PUC do Rio de 1979 a
1982. Leia a seguir trecho da entrevista que ele deu à Folha.
(LEONARDO SOUZA)
Folha - Já são 13 anos de Consenso de Washington. Diante das
transformações pelas quais a economia mundial passou ao longo
desse período, o que o sr. mudaria
ou acrescentaria?
John Williamson - Nós temos um
grupo de economistas que está
trabalhando exatamente sobre isso. Uma agenda para políticas
econômicas na América Latina
para os próximos anos. Acho que
haverá quatro pontos básicos. O
primeiro é bem claro: a região tem
que adotar como prioridade tentar se livrar dessas crises, adotar
políticas que tornem os países
menos vulneráveis a essas crises.
Ou seja, política fiscal que dê superávit nos anos de prosperidade
para ter espaço para déficit nos
anos de crise. Na Argentina, por
exemplo, seria muito agradável se
fosse possível ter um déficit fiscal
hoje, por causa da recessão. Mas,
infelizmente, não é possível, porque a dívida pública aumentou
demais nos anos de prosperidade.
Outro ponto: evitar a entrada
excessiva de capitais, como o Chile fez na década de 90.
O terceiro ponto seria completar as reformas da primeira geração do Consenso de Washington,
principalmente no mercado de
trabalho, porque ainda há muitas
restrições para que os trabalhadores do mercado informal possam
ser absorvidos pelo mercado formal. O último ponto seria dar
mais atenção aos problemas da
distribuição de renda, ajudar os
pobres a entrar na economia de
mercado oferecendo coisas que
nós queremos comprar.
Folha - O sr. diria que a segunda
geração do Consenso de Washington teria uma preocupação maior
com o lado social da economia?
Williamson - Sim. Houve pequena parte disso que escrevi em 89.
Um dos dez pontos foi reorientar
os gastos do governo para educação e saúde, em vez de gastar tanto em defesa, na administração e
em grandes obras. Isso foi uma
parte dessa idéia, mas desta vez
certamente será um tema maior.
Folha - Em sua opinião, o pacote
do FMI acalma o mercado independentemente de qual candidato seja
eleito em outubro?
Williamson - Acho que, inicialmente, acalmou bastante os mercados. No entanto, é sempre possível que um candidato fale alguma coisa que mine a confiança.
Folha - O superávit primário em
3,75% do PIB é suficiente?
Williamson - Foi bom não ter havido aperto fiscal maior nesta altura, porque há uma recessão no
Brasil. Ajuste fiscal diante de um
quadro de recessão não me parece uma boa idéia. Quando a economia começar a crescer novamente, será natural que o superávit primário fique maior.
Folha - Se o FMI não tivesse dado
essa ajuda ao Brasil, depois da derrocada da Argentina e das dificuldades econômicas de vários países
da América Latina, o chamado Consenso de Washington teria deixado
uma mensagem negativa para a
economia mundial e, principalmente, para a latino-americana?
Williamson - Infelizmente, muitas pessoas pensam que [o Consenso de Washington é uma coisa
negativa". Para mim, nunca foi
uma coisa de neoliberalismo. As
políticas do presidente Fernando
Henrique Cardoso não foram de
neoliberalismo, foram bem mais
sensíveis para os aspectos sociais.
Não houve nada de monetarismo,
de economia do lado da oferta
["supply siding"". Esses conceitos
de neoliberalismo nunca fizeram
parte do Consenso de Washington ou das políticas do presidente
Fernando Henrique.
Na minha opinião, há muita
confusão sobre esse assunto, é um
debate polêmico e não muito útil
em termos de esclarecer as políticas que podem ajudar o país a se
desenvolver mais rapidamente.
No entanto, tenho de concordar
com você que um desastre no
Brasil, depois dos anos FHC, teria
sido muito mal para as políticas
do Consenso de Washington no
sentido que eu uso, teria dado impressão ruim como na Argentina.
Mas não acho que seja justo culpar o Consenso pela tragédia da
Argentina. O país enfrentou problemas precisamente porque
houve dois pontos do Consenso
que a Argentina não fez.
Folha - Quais?
Williamson - Uma taxa de câmbio competitiva e uma política fiscal disciplinada.
Folha - O Brasil fez esses dois
ajustes considerados fundamentais pelo Consenso. A que o sr. atribui toda essa dificuldade que o
país está enfrentando agora?
Williamson - A Argentina não
ajudou, então houve elemento de
contágio, mas também claro que
foi a situação política. Os dois
candidatos de oposição, tanto Lula como Ciro Gomes, falaram
muita coisa no passado que minou a confiança dos investidores e
dos brasileiros com bastante dinheiro. Então é natural que as
pessoas não saibam o que eles podem fazer. Vale o que eles falam
hoje em dia ou o que falaram no
passado? Isso cria um problema.
E é um perigo.
Folha - Todo o problema que a
América Latina vive agora contribuiu para a magnitude da ajuda
que foi dada ao Brasil pelo FMI?
Williamson - Provavelmente o
FMI decidiu que teria de dar um
empréstimo muito grande para
tentar mudar o sentimento dos
mercados. Porque a crise ameaçava se generalizar por praticamente toda a América Latina. Qualquer crise em um país estava
ameaçando os países vizinhos.
Então acabar com essa ameaça
era uma medida bem lógica.
Folha - Como o sr. avalia a política
"do morde e assopra" do governo
americano em relação à América
Latina? Ora o secretário do Tesouro
americano, Paul O'Neill, alfineta os
dirigentes da região, ora os elogia.
Williamson - Eu acho que o
O"Neill falou o que não deveria ter
falado. Ele reconheceu o erro que
cometeu e agora está tentando
compensar. Ele deu aquele ajuda
temporária para o Uruguai, isso é
uma mudança na política de relações externas dos EUA. Não é
uma mudança tão grande, porque, para a Turquia, os EUA
apoiaram ajuda [financeira" também bastante elevada. Mas, em
relação à América Latina, parece
uma mudança muito importante.
Folha - Em sua opinião, o governo
americano manterá essa nova atitude, de menos distanciamento
dos países da região, ou poderá recuar em determinada situação?
Williamson - Sempre espero que
os EUA adotem uma política de
julgar cada caso em termos da visão de longo prazo. Se o país tem
políticas de longo prazo, os EUA
devem dar ajuda. Se não, não deve
dar ajuda. Acho que essa é uma
atitude correta.
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