São Paulo, sexta-feira, 09 de agosto de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA
Uma nova oportunidade

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

O novo acordo do Brasil com o FMI surpreendeu por sua dimensão e pela rapidez com que foi concluído. Ele vai no sentido contrário da posição oficial do governo Bush em relação à política anterior da instituição de conceder megarresgates financeiros a países em desenvolvimento. Os riscos de um colapso do sistema bancário internacional, que poderia ocorrer caso o Brasil suspendesse seus pagamentos, fez com que o governo republicano abandonasse seus pontos ideológicos mais radicais e adotasse um pragmatismo defensivo. A ajuda ao Uruguai já tinha sido um sinal claro desses novos tempos.
Essa nova ajuda internacional ao Brasil é significativa tanto em sua dimensão absoluta como relativa. Os vencimentos de papéis brasileiros em 2003 somam algo como US$ 28 bilhões, contra o desembolso de dinheiro novo do FMI da ordem de US$ 24 bilhões. Como se espera ainda algum programa adicional com o Bird e o BID, poderemos contar com recursos institucionais para a rolagem da quase totalidade de nossa dívida externa. Se for realizado esse novo programa sem problemas com o Fundo durante os próximos 15 meses, e com a acomodação do chamado risco Brasil nos mercados de capitais, poderemos ter a volta da entrada de recursos voluntários privados ao longo do próximo ano. Pagaremos caro por esses capitais, que terão prazo mais reduzido, mas ainda assim estaremos trilhando um caminho de recuperação em nossa solvência externa.
Os detalhes do acordo que são conhecidos também refletem os tempos difíceis que vivem hoje os mercados financeiros internacionais. As chamadas "condicionalidades" que acompanham o novo empréstimo são leves e centradas apenas na manutenção do superávit fiscal primário, que está previsto na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) do ano que vem. A única condição que abre possibilidade de algum endurecimento nas condições do programa é a que se refere ao superávit "mínimo" de 3,75% do PIB. Nada parecido com as tradicionais amarras na política econômica dos governos que recebem ajuda do FMI. Essas novas condições são importantes dada a delicadeza da situação política que vivemos e a necessidade de apoio explícito dos candidatos a presidente ao empréstimo.
No meu entendimento, os candidatos que fazem oposição ao governo FHC não têm outra saída senão apoiar o acordo negociado, sob o risco de passarem a imagem de incendiários. O susto com a corrida ao dólar nas últimas semanas foi muito forte e criou um clima de pânico em parcela importante da população. Ninguém vai correr o risco de reacender essa chama com declarações muito explícitas de oposição a essa nova ajuda externa. Por outro lado, as limitações conhecidas são pequenas quando comparadas com as dificuldades de um novo mandato presidencial marcado por uma crise externa de solvência. Mais uma vez repito que devemos essa chance à crise nas economias americana e mundial de hoje.
O ponto mais importante desse novo capítulo na longa história de nossas crises externas é o entendimento de que temos mais uma chance para enfrentar, de uma forma clara e firme, a questão de nossa fragilidade financeira em moeda forte. As lições das crises internacionais por que passamos nos últimos oito anos já são suficientemente claras para mostrar a necessidade de reduzirmos, ao longo dos próximos anos, nosso déficit em conta corrente dos níveis atuais de cerca de 4% do PIB para algo próximo de 2%. Sem esse passo não vamos conseguir estabilizar nossa taxa de câmbio e, em consequência, reduzir a taxa de juros no mercado interno.
Esse compromisso faz parte dos programas dos candidatos mais competitivos nas próximas eleições, o que representa um avanço importante. Faz-se necessário agora o detalhamento das medidas objetivas e de longo prazo, que vão permitir chegarmos a uma situação segura e estável em relação ao balanço de pagamentos. As dificuldades operacionais para se chegar a esse objetivo são enormes e vão exigir idéias claras por parte do próximo presidente. Isso não está garantido, ao menos no caso do candidato José Serra. Ele e um grupo de economistas que trabalharam no primeiro mandato de FHC sempre defenderam essa correção de rumo. Perderam a batalha para o grupo mais liberal liderado pelo atual ministro da Fazenda, mas deixaram um plano de vôo detalhado para uma aterrissagem mais suave de nossa economia. Seu governo deve centrar sua política econômica nesse rumo.
No caso do PT existe um diagnóstico semelhante, mas os instrumentos de ação estão ultrapassados pelos tempos. O governo Lula pode mirar no alvo correto e atingir um objetivo completamente diferente.
No caso de Ciro Gomes não consigo visualizar com clareza essas idéias. A campanha do ex-governador do Ceará baseia-se em pontos isolados, de fácil compreensão pela opinião pública, como uma renegociação inviável das dívidas externa e interna e uma reforma tributária que os tempos mostraram inviáveis. Não existe um desenho consistente e articulado de como enfrentar os problemas mais graves de nossa economia. Portanto não é possível avaliar as possibilidades de sucesso ou não de seu governo na administração de nossa economia, mesmo com a ajuda dos bilhões de dólares do FMI.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 59, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br


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