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ALÍVIO?
Para Gilberto Luiz do Amaral, do IBPT, pacote de redução tributária terá pouco efeito diante de aumentos já adotados
Maldades superam bondades, diz advogado
MARCOS CÉZARI
A REPORTAGEM LOCAL
O pacote de R$ 3 bilhões em corte de tributos, anunciado pelo governo na última sexta-feira, não
será suficiente para compensar o
aumento tributário já definido
em outras medidas.
"A caixa de maldades do governo é maior do que a de bondades.
O alívio tributário da semana passada não se compara às medidas
que o governo já adotou para reforçar seu caixa."
A afirmação é do advogado Gilberto Luiz do Amaral, presidente
do IBPT (Instituto Brasileiro de
Planejamento Tributário), ao
analisar os efeitos do pacote em
comparação a outras decisões que
o governo tomou para aumentar
a arrecadação de tributos.
Dos R$ 3 bilhões do corte previsto para um período de 12 meses, apenas R$ 1,4 bilhão se concretizará neste ano, segundo dados da Receita. O restante, apenas
em 2005. Assim, o ano deve fechar
com carga tributária superior a
38% do PIB (Produto Interno
Bruto), contra 36,11% de 2003.
Amaral cita vários exemplos
adotados pelo governo que elevarão a carga tributária mais uma
vez neste ano: aumento da Cofins
de 3% para 7,6%; tributação das
importações pelo PIS/Cofins;
não-correção da tabela do IR das
pessoas físicas (a defasagem supera 55%); obrigatoriedade de as
empresas e pessoas físicas depositarem em suas contas todos os
cheques recebidos (que implica
maior arrecadação da CPMF); aumentos do teto das contribuições
ao INSS em janeiro e em maio; aumento da base de cálculo da CSLL
para as prestadoras de serviços; e
aumento em 50% das alíquotas
das micro e pequenas empresas
optantes pelo Simples.
A seguir, os principais trechos
da entrevista de Amaral à Folha.
Folha - Como o sr. analisa as medidas adotadas pelo governo na
sexta-feira, que prevêem redução
de R$ 3 bilhões da carga tributária
ao longo de 12 meses?
Gilberto Luiz do Amaral - O resultado final do pacote para o conjunto da sociedade ainda será
muito pequeno em relação a outras decisões já adotadas que vão
aumentar a carga tributária. A
caixa de maldades do governo é
maior do que a de bondades.
Folha - Em que números o sr. se
baseia para afirmar isso?
Amaral - Dos R$ 3 bilhões previstos pelo corte tributário, apenas R$ 1,4 bilhão acontece neste
ano [o dado é da Receita Federal].
Isso é apenas 0,08 ponto percentual de redução da carga em 2004
em relação ao PIB [Amaral prevê
que o PIB vá ser de R$ 1,75 trilhão
neste ano]. Com as outras medidas já adotadas, a carga fiscal deste ano deve crescer dois pontos
percentuais, ao passar de 36,11%
em 2003 [pelos cálculos do IBPT]
para 38,11%. O pacote, então, deve provocar redução para 38,03%,
o que é quase nada.
Folha - Quais as principais medidas já adotadas pelo governo que
elevarão a carga fiscal neste ano?
Amaral - São inúmeras: aumento da Cofins para os bancos, de
3% para 4% [a medida vigora desde setembro do ano passado, o
que significa quatro meses de alta
em 2003, contra 12 meses neste
ano], e para as empresas, de 3%
para 7,6% [em vigor desde fevereiro, ou seja, dez meses de recolhimento com a alíquota majorada]; taxação das importações pelo
PIS/Cofins [em vigor desde maio,
ou seja, oito meses de receita];
não-correção da tabela do IR das
pessoas físicas [incluindo o governo FHC e o primeiro ano do mandato de Lula, a defasagem supera
55%]; obrigatoriedade de as empresas e pessoas físicas depositarem em suas contas todos os cheques recebidos, implicando
maior arrecadação da CPMF [a
partir de outubro]; os aumentos
do teto das contribuições ao INSS
em janeiro [de R$ 1.869,34 para
R$ 2.400] e em maio [para R$
2.508,72]; aumento da CSLL
[Contribuição Social sobre o Lucro Líquido] das empresas prestadoras de serviços optantes pelo
lucro presumido, em vigor desde
setembro de 2003 [a base de cálculo subiu de 12% para 32%, representando aumento em oito
meses a mais em 2004 do que em
2003], e aumento em 50% das alíquotas das micro e pequenas empresas optantes pelo Simples, que
tenham pelo menos 30% de suas
receitas oriundas da prestação de
serviços, desde janeiro deste ano.
Folha - O que essas medidas podem representar a mais de arrecadação no país?
Amaral - Uma parte delas já é visível. Somente no primeiro semestre do ano a arrecadação administrada pela Receita, o que exclui o INSS, já é R$ 12,6 bilhões superior à do mesmo semestre de
2003 [o aumento é real, pois os valores são a preços de junho]. Pelos
cálculos do IBPT, somente com a
não-correção da tabela do IR [em
55%] o governo está ganhando R$
5 bilhões neste ano. Como o redutor de R$ 100 na base de cálculo do
IR trará perda de R$ 500 milhões,
ainda são R$ 4,5 bilhões pró-governo. No caso da CPMF, o ganho
deve ser de R$ 4,2 bilhões ao longo de 12 meses, sendo R$ 800 milhões neste ano. Como a isenção
da conta-investimento trará perda de R$ 1 bilhão, o saldo pró-governo será de R$ 3,2 bilhões. A arrecadação do ICMS cresceu 3%
em termos reais no primeiro semestre; a do INSS, mais 6% reais;
e a dos municípios, mais 7,5%
reais. Com base nisso, a arrecadação real das três esferas de governo subiu R$ 18 bilhões no primeiro semestre -mais de dois pontos percentuais em relação ao PIB
projetado para o semestre.
Folha - Então a "bondade" do pacote anunciado na sexta-feira perderá se levarmos apenas em conta
a "maldade" da CPMF?
Amaral - Exatamente. O saldo final ainda será favorável ao governo. Além disso, muitas pessoas e
empresas terão de abrir contas
em banco, o que provocará mais
custo para mantê-las.
Folha - Diante dessas medidas
adotadas pelo governo, como o sr.
vê o sistema tributário nacional?
Amaral - O sistema pune quem
produz e quem trabalha e cria
uma série de distorções, privilegiando a arrecadação. O sistema
tributário precisa ter um conteúdo de justiça, precisa estabelecer
alguns parâmetros que tragam
justiça na condução dos negócios.
Há espaço para reduzir a carga,
desde que também haja diminuição pelo lado da despesa pública.
Quando a Constituição foi aprovada [em 1988], a sociedade deu
um cheque em branco para o poder público criar novos tributos.
Folha - O sr. diria que o Estado
brasileiro é muito assistencialista?
Amaral - Muito. O governante
utiliza o Estado como se estivesse
dando um presente à população.
Os últimos governos -de Sarney
a Lula, passando por Collor, Itamar e Fernando Henrique Cardoso- agiram sempre como se o
Estado estivesse fazendo um favor
à população, quando deveria
prestar um serviço público.
Folha - Isso contribui para que a
carga tributária não seja reduzida?
Amaral - A carga tributária vai
continuar crescendo porque não
há racionalização do serviço público. Se a sociedade não chegar e
dizer: "Olha, esta é a quantidade
de dinheiro que nós podemos pagar", o Estado vai continuar aumentando a carga tributária. A
capacidade de pagamento de tributos da sociedade está exaurida.
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