São Paulo, segunda-feira, 09 de agosto de 2004

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ALÍVIO?

Para Gilberto Luiz do Amaral, do IBPT, pacote de redução tributária terá pouco efeito diante de aumentos já adotados

Maldades superam bondades, diz advogado

MARCOS CÉZARI
A REPORTAGEM LOCAL

O pacote de R$ 3 bilhões em corte de tributos, anunciado pelo governo na última sexta-feira, não será suficiente para compensar o aumento tributário já definido em outras medidas.
"A caixa de maldades do governo é maior do que a de bondades. O alívio tributário da semana passada não se compara às medidas que o governo já adotou para reforçar seu caixa."
A afirmação é do advogado Gilberto Luiz do Amaral, presidente do IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário), ao analisar os efeitos do pacote em comparação a outras decisões que o governo tomou para aumentar a arrecadação de tributos.
Dos R$ 3 bilhões do corte previsto para um período de 12 meses, apenas R$ 1,4 bilhão se concretizará neste ano, segundo dados da Receita. O restante, apenas em 2005. Assim, o ano deve fechar com carga tributária superior a 38% do PIB (Produto Interno Bruto), contra 36,11% de 2003.
Amaral cita vários exemplos adotados pelo governo que elevarão a carga tributária mais uma vez neste ano: aumento da Cofins de 3% para 7,6%; tributação das importações pelo PIS/Cofins; não-correção da tabela do IR das pessoas físicas (a defasagem supera 55%); obrigatoriedade de as empresas e pessoas físicas depositarem em suas contas todos os cheques recebidos (que implica maior arrecadação da CPMF); aumentos do teto das contribuições ao INSS em janeiro e em maio; aumento da base de cálculo da CSLL para as prestadoras de serviços; e aumento em 50% das alíquotas das micro e pequenas empresas optantes pelo Simples.
A seguir, os principais trechos da entrevista de Amaral à Folha.

Folha - Como o sr. analisa as medidas adotadas pelo governo na sexta-feira, que prevêem redução de R$ 3 bilhões da carga tributária ao longo de 12 meses?
Gilberto Luiz do Amaral -
O resultado final do pacote para o conjunto da sociedade ainda será muito pequeno em relação a outras decisões já adotadas que vão aumentar a carga tributária. A caixa de maldades do governo é maior do que a de bondades.

Folha - Em que números o sr. se baseia para afirmar isso?
Amaral -
Dos R$ 3 bilhões previstos pelo corte tributário, apenas R$ 1,4 bilhão acontece neste ano [o dado é da Receita Federal]. Isso é apenas 0,08 ponto percentual de redução da carga em 2004 em relação ao PIB [Amaral prevê que o PIB vá ser de R$ 1,75 trilhão neste ano]. Com as outras medidas já adotadas, a carga fiscal deste ano deve crescer dois pontos percentuais, ao passar de 36,11% em 2003 [pelos cálculos do IBPT] para 38,11%. O pacote, então, deve provocar redução para 38,03%, o que é quase nada.

Folha - Quais as principais medidas já adotadas pelo governo que elevarão a carga fiscal neste ano?
Amaral -
São inúmeras: aumento da Cofins para os bancos, de 3% para 4% [a medida vigora desde setembro do ano passado, o que significa quatro meses de alta em 2003, contra 12 meses neste ano], e para as empresas, de 3% para 7,6% [em vigor desde fevereiro, ou seja, dez meses de recolhimento com a alíquota majorada]; taxação das importações pelo PIS/Cofins [em vigor desde maio, ou seja, oito meses de receita]; não-correção da tabela do IR das pessoas físicas [incluindo o governo FHC e o primeiro ano do mandato de Lula, a defasagem supera 55%]; obrigatoriedade de as empresas e pessoas físicas depositarem em suas contas todos os cheques recebidos, implicando maior arrecadação da CPMF [a partir de outubro]; os aumentos do teto das contribuições ao INSS em janeiro [de R$ 1.869,34 para R$ 2.400] e em maio [para R$ 2.508,72]; aumento da CSLL [Contribuição Social sobre o Lucro Líquido] das empresas prestadoras de serviços optantes pelo lucro presumido, em vigor desde setembro de 2003 [a base de cálculo subiu de 12% para 32%, representando aumento em oito meses a mais em 2004 do que em 2003], e aumento em 50% das alíquotas das micro e pequenas empresas optantes pelo Simples, que tenham pelo menos 30% de suas receitas oriundas da prestação de serviços, desde janeiro deste ano.

Folha - O que essas medidas podem representar a mais de arrecadação no país?
Amaral -
Uma parte delas já é visível. Somente no primeiro semestre do ano a arrecadação administrada pela Receita, o que exclui o INSS, já é R$ 12,6 bilhões superior à do mesmo semestre de 2003 [o aumento é real, pois os valores são a preços de junho]. Pelos cálculos do IBPT, somente com a não-correção da tabela do IR [em 55%] o governo está ganhando R$ 5 bilhões neste ano. Como o redutor de R$ 100 na base de cálculo do IR trará perda de R$ 500 milhões, ainda são R$ 4,5 bilhões pró-governo. No caso da CPMF, o ganho deve ser de R$ 4,2 bilhões ao longo de 12 meses, sendo R$ 800 milhões neste ano. Como a isenção da conta-investimento trará perda de R$ 1 bilhão, o saldo pró-governo será de R$ 3,2 bilhões. A arrecadação do ICMS cresceu 3% em termos reais no primeiro semestre; a do INSS, mais 6% reais; e a dos municípios, mais 7,5% reais. Com base nisso, a arrecadação real das três esferas de governo subiu R$ 18 bilhões no primeiro semestre -mais de dois pontos percentuais em relação ao PIB projetado para o semestre.

Folha - Então a "bondade" do pacote anunciado na sexta-feira perderá se levarmos apenas em conta a "maldade" da CPMF?
Amaral -
Exatamente. O saldo final ainda será favorável ao governo. Além disso, muitas pessoas e empresas terão de abrir contas em banco, o que provocará mais custo para mantê-las.

Folha - Diante dessas medidas adotadas pelo governo, como o sr. vê o sistema tributário nacional?
Amaral -
O sistema pune quem produz e quem trabalha e cria uma série de distorções, privilegiando a arrecadação. O sistema tributário precisa ter um conteúdo de justiça, precisa estabelecer alguns parâmetros que tragam justiça na condução dos negócios. Há espaço para reduzir a carga, desde que também haja diminuição pelo lado da despesa pública. Quando a Constituição foi aprovada [em 1988], a sociedade deu um cheque em branco para o poder público criar novos tributos.

Folha - O sr. diria que o Estado brasileiro é muito assistencialista?
Amaral -
Muito. O governante utiliza o Estado como se estivesse dando um presente à população. Os últimos governos -de Sarney a Lula, passando por Collor, Itamar e Fernando Henrique Cardoso- agiram sempre como se o Estado estivesse fazendo um favor à população, quando deveria prestar um serviço público.

Folha - Isso contribui para que a carga tributária não seja reduzida?
Amaral -
A carga tributária vai continuar crescendo porque não há racionalização do serviço público. Se a sociedade não chegar e dizer: "Olha, esta é a quantidade de dinheiro que nós podemos pagar", o Estado vai continuar aumentando a carga tributária. A capacidade de pagamento de tributos da sociedade está exaurida.



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