São Paulo, sábado, 09 de outubro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

OPINIÃO ECONÔMICA

Brasil na cola do mundo

GESNER OLIVEIRA

Os números da economia estão bons para o último trimestre do ano. Salvo por uma catástrofe no mundo (não descartável, mas improvável), a recuperação brasileira deve prosseguir nos próximos 12 meses. E a partir daí? É bom encomendar uma boa bola de cristal para o Dia das Crianças do ano que vem.
A última semana trouxe boas notícias em termos de inflação, o que desmentiu projeções pessimistas de aumento generalizado de preços. Esse último estaria associado a um imaginário excesso de demanda na economia, tampouco confirmado pelos dados.
As expectativas do setor privado estão otimistas, a julgar pelos resultados parciais da Sondagem Conjuntural da indústria de transformação da Fundação Getúlio Vargas divulgados na quinta-feira. Das 424 empresas pesquisadas, 50% prevêem uma melhora na situação dos negócios no período de outubro de 2004 a março de 2005, contra 5% que vislumbram uma piora, com um saldo, portanto, de 45 pontos percentuais. Essa diferença era de 36 pontos há 12 meses. Ainda segundo a sondagem, verificou-se maior nível de demanda, redução de estoques e melhora do quadro corrente de negócios.
Não se deve esperar mudança na política econômica depois das eleições municipais. Isso é bom porque afasta o risco de uma aventura. Mas é ruim porque não abre perspectivas de maior criatividade para elevar o investimento e as condições para o crescimento sustentado.
Na ausência de grandes novidades no plano interno, as chances de um bom desempenho da economia no próximo ano repousam sobre a economia mundial. Em contraste com o passado, é cada vez mais difícil para uma economia emergente descolar do comportamento da economia internacional.
No mundo, os momentos mais difíceis parecem reservados, por vezes, às lideranças mais medíocres. George W. Bush é a ilustração patente dessa espécie de capricho da história. Dado o horário do fechamento desta edição, não é possível comentar o debate de ontem à noite entre Bush e Kerry.
No último confronto entre os dois, o tema central era política externa e segurança interna e não houve sequer menção à Rodada Doha da OMC, ou à coordenação macroeconômica para a estabilidade da economia mundial, ou, ao menos, a planos de desenvolvimento para áreas mais tensas do ponto de vista geopolítico. Em contraste com a atitude de construção institucional que deu lugar ao sistema de Bretton Woods após a Segunda Guerra Mundial, o mapa-múndi da política externa dos EUA se reduziu aos destroços do Iraque e às cavernas do Afeganistão.
Embora Kerry seja muito melhor do que Bush, há motivo para inquietação em relação à política econômica dos EUA nas duas alternativas. Mas as dificuldades com os desequilíbrios fiscal e do balanço de pagamentos não são problemas para os próximos 12 meses. Tampouco a China deixará de ser um dos motores do crescimento da economia mundial nesse período, ainda que seus desequilíbrios sejam mais graves. Assim, EUA e China serão problemas de médio prazo, não de curto prazo.
Curiosamente, com o preço do petróleo ocorre um fenômeno inverso. As projeções de demanda e oferta mundiais indicam que não há um problema estrutural de excesso de procura. No médio prazo, portanto, o petróleo não é um problema. Mas não deixa de ser angustiante a persistência de altos patamares de preço no curto prazo.
Assim, salvo pelos sustos do petróleo, as perspectivas para 2005 são boas. Mas, para embarcar em um vôo de longa distância, para ingressar em uma fase de vigorosa expansão, como a da Índia e a da China, o Brasil precisaria de uma estrutura consistente de incentivos ao investimento produtivo. Só assim seria possível dilatar o prazo das expectativas otimistas detectadas pelas sondagens da FGV.
Infelizmente, isso ainda não ocorre. Tome-se o problema da infra-estrutura. O empreendedor nos setores estratégicos da economia se encontra encurralado em uma espécie de limbo burocrático, algo parecido com a situação de Tom Hanks no curioso "Terminal", de Steven Spielberg. Não há um novo modelo de inversão em funcionamento, nem se pode retornar ao marco regulatório do governo anterior. E, o que é pior, não há a companhia de Catherine Zeta-Jones.


Gesner Oliveira, 48, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br


Texto Anterior: IPCA cai pela metade e é o menor em 11 meses
Próximo Texto: Resenha: Obra retrata empreendedores do capitalismo brasileiro
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.