São Paulo, quinta-feira, 09 de outubro de 2008

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CLISE GLOBAL

BCs mundiais cortam taxa de juros; Brasil vende dólares e injeta crédito

Ação coordenada de bancos centrais não acalma mercados, que voltam a ter dia de perdas generalizadas

EM uma ação coordenada e inédita, os principais bancos centrais do mundo decidiram cortar os juros para reduzir o pânico global. No Reino Unido, o governo anunciou um pacote de 500 bilhões de libras (US$ 867 bilhões) para socorrer o sistema bancário. Mas, como nos dias anteriores, a ação dos governos não acalmou os mercados, que tiveram mais um pregão de perdas generalizadas. Na Bolsa de São Paulo, a queda foi de 3,85%. Para conter a turbulência no câmbio, o BC brasileiro voltou a vender dólares direto das reservas, o que não ocorria desde 2003. Após atingir cotação de R$ 2,48, a moeda recuou para R$ 2,28. O governo também voltou a flexibilizar regras do compulsório (dinheiro que os bancos têm de depositar no Banco Central) para ampliar o crédito. As mudanças das últimas três semanas deverão injetar até R$ 60 bilhões no mercado.

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MADRI

FERNANDO CANZIAN
ENVIADO ESPECIAL A WASHINGTON

Os principais bancos centrais do mundo lançaram ontem à mesa a que pode ser sua última carta para tentar conter o pânico global, ao reduzirem em conjunto a taxa de juros em 0,5 ponto percentual.
Foi inútil, como todos os pacotes dos últimos dias: tudo o que se conseguiu foi evitar o derretimento das Bolsas de Valores, expressão com que o noticiário on-line recolhia logo pela manhã os resultados da Bolsa de Tóquio, que fechou antes da redução dos juros com queda de 9,38%.
As Bolsas européias iam no mesmo caminho, do que dá a prova mais mais forte a de Paris: abriu em queda de 2,6%, foi caindo mais, até despencar 8% por volta de 10h (5h em Brasília), forçando a suspensão do pregão por 15 minutos.
Foi quando chegou a notícia do corte dos juros. Houve alguma recuperação, mas assim mesmo Paris fechou com queda de 6,31%, no nível mais baixo desde 1993. Londres, Frankfurt, Madri e Milão perderam algo menos, mas todas em patamares superiores a 5%.
O pior desempenho na Europa foi mesmo o da Rússia, cuja Bolsa recuou 14,35%.

Recessão mais forte
A queda dos mercados aumentou o temor de uma forte recessão mundial. O FMI (Fundo Monetário Internacional) previu ontem crescimento próximo a zero (ou negativo) até meados de 2009 nas economias avançadas. Entre os países emergentes, o desempenho será "substancialmente menor" daqui em diante.
Para o Brasil, o Fundo projeta um PIB crescendo 5,2% neste ano e 3,5% no próximo, acima da média da América Latina. "As coisas podem ficar bem piores do que as nossas projeções? Infelizmente a resposta é "sim'", afirmou o economista-chefe do Fundo, o francês Olivier Blanchard.
O FMI considera que, depois de "improvisações" que agravaram a crise, os governos centrais estão finalmente colocando em prática as três ações estruturais possíveis até aqui: fornecer liquidez (dinheiro) ao mercado via bancos centrais, comprar os chamados ativos "tóxicos" e recapitalizar as instituições afetadas.
O secretário do Tesouro norte-americano, Henry Paulson, afirmou ontem que fará "tudo o que estiver ao alcance" para evitar que a economia de seu país entre em uma severa recessão, ou, como já se especula, em "depressão".
Apesar das declarações e do corte dos juros nos EUA, os principais indicadores da Bolsa de Valores de Nova York voltaram a cair mais ontem. O índice Dow Jones recuou 2%, o S&P 500, 1,13%, e o da Bolsa eletrônica Nasdaq, 0,83%.
O que torna ainda mais assustador o novo fracasso das autoridades na tentativa de injetar calma nos frenéticos mercados de valores é o fato de que a redução dos juros vinha sendo recomendada aos gritos por dez de cada dez economistas e executivos.
Não adiantou. Talvez porque o problema seja menos o custo do dinheiro (que fica menor quando se cortam os juros, como é óbvio) e muitíssimo mais a ausência dele no sistema financeiro.
Não é um problema de preço, mas de confiança, como afirma Thorsten Polleit, economista-chefe do Barclays Capital Bank em Frankfurt: "A confiança está ausente do sistema. Os bancos não confiam mais uns nos outros".
Conseqüência inexorável: são os governos, com seus sucessivos pacotes trilionários de ajuda ao setor financeiro, que estão substituindo os bancos como fornecedores de dinheiro ao mercado.

Juros menores
Segundo relatório do banco francês BNP, só o Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos, aumentou seus ativos, nas últimas três semanas, para impressionante US$ 1,4 trilhão (mais que "um Brasil").
Evidência adicional da falta de confiança é a contínua elevação da Euribor, a taxa de juros para negócios entre bancos na Europa: bateu na terça-feira em 5,377%, o mais alto nível desde 1994.
É só comparar com o novo nível dos juros, após a redução conjunta de ontem: caiu para 1,5% nos EUA, para 3,75% na zona do euro (15 países europeus adotam essa moeda), para 2,5% no Canadá, para 4,5% no Reino Unido, para 4,25% na Suécia e para 2,5% na Suíça -países e bloco que operaram a redução combinada dos juros.
Até a China cortou seus juros (para 6,93%, na segunda redução em três semanas), evidência clara de que os chineses, geralmente impávidos, também estão preocupados com a perspectiva de recessão global, como decorrência do terremoto incontrolável nos mercados.

Petróleo e ouro
O preço do petróleo é outra indicação de que a recessão está às portas: desde seu pico, em julho, caiu cerca de US$ 60 e ontem recuou mais US$ 1, para US$ 88,95. Cai continuamente porque, se a atividade econômica se retrair, como já está ocorrendo, haverá menos demanda por combustível e por energia.
Enquanto o petróleo cai, sobe a desconfiança -e o faz de forma tão veloz que o jornal alemão "Berliner Zeitung" informou ontem que a procura pelo ouro (refúgio, como o dólar, para momentos de crise) aumentou tanto que já há escassez do metal na praça.
"A demanda supera em muito nossa capacidade de produção", disse ao jornal Heiko Ganss, diretor da filial de Berlim da Pro Aurum, fábrica de metais preciosos.


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