São Paulo, domingo, 09 de dezembro de 2001

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LUÍS NASSIF

A grande dama da canção

O último show foi em 1991, em um restaurante que não mais existe, o Opera Room, na rua dos Pinheiros. Quem assistiu não se esquecerá jamais quando a dama entrou no palco, sentou-se ao piano e começou a interpretar as mais belas canções do século. Cantou "Lili Marlene", clássicos franceses, músicas americanas dos anos 30, peças de Tom Jobim.
Foi uma das maiores temporadas da década, em São Paulo, uma interpretação inesquecível de uma cantora do nível das nossas maiores. Foi tão fulminante que um médico que assistia a um trecho do programa "Metrópolis", que transmitia o início do show ao vivo, chegou ao restaurante mostrando a calça em cima do pijama.
Terminada a temporada, saudada pela crítica com adjetivos calorosos, a grande dama voltou para seu apartamento, em Santa Cecília, e retomou suas aulas de canto e de locução. Só agora, dez anos depois, de 17 a 20 de dezembro, no Baretto, boate paulistana, retorna à cena Madalena de Paula, 72, a maior cançonetista brasileira, cantora do nível de Nana Caymmi, de Elizeth Cardoso, de Alaíde Costa.
Madalena nasceu em Santiago do Chile, moradora de cortiço. O poder público lhe garantiu escola, formação musical desde os nove anos, curso universitário e um diploma em odontologia. Desde os 16 anos tornou-se professora afamada no Conservatório Nacional do Chile, criando um método de interpretação e respiração que lhe conferiu fama desde jovem.
Aos 22 anos largou tudo, saiu do Chile, já estrela, e foi morar em Havana, vivendo da música. Aos 25 anos chegou ao Brasil, e ficou. Conheceu um português, dono de um antiquário, casou e permaneceu casada por 17 anos. Tiveram um filho. Não mais saiu daqui.
Quando chegou, fez sucesso instantâneo entre os músicos. Em 1962, inesperadamente, decidiu parar de cantar. Despediu-se com shows no Copacabana Palace e no Serrador. Voltou a cantar em 1977, quando um restaurante de nome Muro D'Hera a contratou. Depois, permaneceu isolada até o grande show de 1991.
A maior parte do tempo usa para "plantar a sementinha", espalhando a técnica que desenvolveu para canto e para interpretação. Passou a dar aulas de fonoaudiologia e se tornou professora afamada. Por suas mãos passaram Antônio Fagundes, Marília Gabriela, Juca de Oliveira e Paulo Autran, Aracy Balabanian entre outros.
É a cantora preferida dos grandes músicos, dos ouvidos exigentes. Seu repertório junta o que tem de melhor na música mundial. Na sua seleta lista cabem poucos, os americanos Duke Ellington, Jerome Kerm, Rodgers e Hart, Cole Porter. Diz que Kerm é o mais emocionante, apesar de ninguém dar muita bola para ele. Depois, transitará pela música alemã pré-Segunda Guerra, pela música francesa dos tempos do Charles Trenet e Jean Sablon. Se passar por Cuba, trará Bola de Nieve, de quem aprendeu as canções aos nove anos. Do Brasil, haveria talvez espaço para Garoto, e certamente para Tom Jobim, apesar do seu espírito crítico se antecipar e admitir que "Jobim chupava muito músicas dos outros".
A grande dama está se preparando para o show e para as despedidas. Vai ao cabeleireiro, vestir roupas novas que o show forneceu. Mantendo os intervalos, poderá ser sua despedida. A voz continua incólume ao tempo, a respiração, imbatível. Com a técnica, um timbre privilegiado, um bom gosto imbatível.
A grande dama sempre foi individualista, nunca se prendeu a panelinhas e tem certa implicância com as vaidades do meio musical. Prefere a convivência com os intelectuais -que exercem suas vaidades apenas com outros intelectuais. Por isso não ousou fazer carreira musical. Por que passou dez anos sem cantar em público? "Porque ninguém me convidou", responde.


Internet: www.dinheirovivo.com.br

E-mail: lnassif@uol.com.br


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