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ANÁLISE
Argentina já discute a saída de De la Rúa
Associated Press
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Argentinos fazem fila diante de banco, em Buenos Aires, para abrir conta e solicitar cartão de crédito |
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
Para um país em crise terminal, como a Argentina, parece
natural que a palavra "acefalia"
tenha cavado seu espaço na agenda política. Acefalia, no caso, é o
nome da lei que estabelece as regras para a substituição do presidente da República, nas peculiares condições da Argentina de hoje, que não tem vice-presidente (o
eleito, Carlos "Chacho" Álvarez,
renunciou).
Discutir a lei de acefalia, como
estão fazendo pelo menos dois
dos principais grupos políticos (o
peronismo e a União Cívica Radical, o partido do próprio presidente Fernando de la Rúa), significa dizer que o mundo político já
trabalha com a hipótese de que o
presidente possa cair, junto com o
peso, o ministro da Economia,
Domingo Cavallo, e o pagamento
das dívidas.
Contribuiu para o ruído político
o fato de que interlocutores recentes de De la Rúa encontraram o
presidente em estado anímico e
deplorável, como que alheio à tremenda realidade que o cerca. O
paradoxal é que a própria crise
trabalha a favor da permanência
do presidente.
Peronismo de volta?
O paradoxo é fácil de explicar:
nos termos da lei de acefalia, o novo presidente, em caso de renúncia, seria eleito pela Assembléia
Legislativa, sessão conjunta da
Câmara dos Deputados e do Senado. Só pode ser eleito quem detenha mandato (governador, senador, deputado).
Nesse colégio eleitoral, o peronismo é majoritário, e a lógica elementar indica que se escolheria
um peronista para suceder De la
Rúa.
Acontece que peronista algum
quer assumir um país em situação
tão crítica, ainda mais que ele ficaria inabilitado para disputar a sucessão presidencial. As eleições
estão marcadas para 2003. Ou seja, o peronista em questão assumiria o mandato tampão, de menos de dois anos, justamente no
meio de um incêndio de proporções fenomenais.
Talvez por isso, o peronismo
não afasta a hipótese de aderir a
um pacto político e social que está
sendo concebido pela assessoria
do presidente, para assegurar a
governabilidade.
Eleitor desconfiado
O problema para que o pacto dê
certo é a desconfiança generalizada da população em relação aos
políticos, do governo ou da oposição. Uma desconfiança claramente evidenciada nas eleições parlamentares de outubro, em que a
abstenção e os votos em branco e
nulos ganharam proporções recordes.
Também dificulta qualquer
pacto a diferença das propostas
indicadas para enfrentar a crise.
Basta lembrar que em apenas um
setor do peronismo, aquele ligado
ao ex-presidente Carlos Menem,
há duas sugestões opostas: o último ministro de Economia de Menem, Roque Fernández, prega a
flutuação cambial. Menem, ao
contrário, joga na dolarização.
É uma nítida evidência de que a
crise se tornou tão profunda que
qualquer proposta, se implementada, vai acarretar custos enormes
-e nenhuma é de resultados absolutamente certos.
Por isso mesmo, as conversas
em torno da lei de acefalia incluem a idéia de modificá-la, de
forma a antecipar a eleição popular do presidente.
Só um banho de votos daria ao
novo presidente a força necessária para executar medidas drásticas, as únicas que restaram para o
país, uma vez que está esgotado o
arsenal de que dispunha De la
Rúa.
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