São Paulo, domingo, 09 de dezembro de 2001

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ANÁLISE

Argentina já discute a saída de De la Rúa

Associated Press
Argentinos fazem fila diante de banco, em Buenos Aires, para abrir conta e solicitar cartão de crédito


CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

Para um país em crise terminal, como a Argentina, parece natural que a palavra "acefalia" tenha cavado seu espaço na agenda política. Acefalia, no caso, é o nome da lei que estabelece as regras para a substituição do presidente da República, nas peculiares condições da Argentina de hoje, que não tem vice-presidente (o eleito, Carlos "Chacho" Álvarez, renunciou).
Discutir a lei de acefalia, como estão fazendo pelo menos dois dos principais grupos políticos (o peronismo e a União Cívica Radical, o partido do próprio presidente Fernando de la Rúa), significa dizer que o mundo político já trabalha com a hipótese de que o presidente possa cair, junto com o peso, o ministro da Economia, Domingo Cavallo, e o pagamento das dívidas.
Contribuiu para o ruído político o fato de que interlocutores recentes de De la Rúa encontraram o presidente em estado anímico e deplorável, como que alheio à tremenda realidade que o cerca. O paradoxal é que a própria crise trabalha a favor da permanência do presidente.

Peronismo de volta?
O paradoxo é fácil de explicar: nos termos da lei de acefalia, o novo presidente, em caso de renúncia, seria eleito pela Assembléia Legislativa, sessão conjunta da Câmara dos Deputados e do Senado. Só pode ser eleito quem detenha mandato (governador, senador, deputado).
Nesse colégio eleitoral, o peronismo é majoritário, e a lógica elementar indica que se escolheria um peronista para suceder De la Rúa.
Acontece que peronista algum quer assumir um país em situação tão crítica, ainda mais que ele ficaria inabilitado para disputar a sucessão presidencial. As eleições estão marcadas para 2003. Ou seja, o peronista em questão assumiria o mandato tampão, de menos de dois anos, justamente no meio de um incêndio de proporções fenomenais.
Talvez por isso, o peronismo não afasta a hipótese de aderir a um pacto político e social que está sendo concebido pela assessoria do presidente, para assegurar a governabilidade.

Eleitor desconfiado
O problema para que o pacto dê certo é a desconfiança generalizada da população em relação aos políticos, do governo ou da oposição. Uma desconfiança claramente evidenciada nas eleições parlamentares de outubro, em que a abstenção e os votos em branco e nulos ganharam proporções recordes.
Também dificulta qualquer pacto a diferença das propostas indicadas para enfrentar a crise. Basta lembrar que em apenas um setor do peronismo, aquele ligado ao ex-presidente Carlos Menem, há duas sugestões opostas: o último ministro de Economia de Menem, Roque Fernández, prega a flutuação cambial. Menem, ao contrário, joga na dolarização.
É uma nítida evidência de que a crise se tornou tão profunda que qualquer proposta, se implementada, vai acarretar custos enormes -e nenhuma é de resultados absolutamente certos.
Por isso mesmo, as conversas em torno da lei de acefalia incluem a idéia de modificá-la, de forma a antecipar a eleição popular do presidente.
Só um banho de votos daria ao novo presidente a força necessária para executar medidas drásticas, as únicas que restaram para o país, uma vez que está esgotado o arsenal de que dispunha De la Rúa.


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