São Paulo, segunda-feira, 09 de dezembro de 2002

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ARTIGO

O futuro da integração turca à União Européia

JEFFREY SACHS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Os mundos islâmico e não islâmico parecem estar atracados num círculo vicioso de ódio que está convencendo muitos moderados de cada lado que o abismo cultural e político que os divide é fundo demais para poder ser atravessado. Nesse contexto, a hesitação e as discussões na Europa sobre a possível entrada da Turquia na União Européia (UE) assumem um significado especial.
A participação turca na UE provavelmente será discutida na cúpula de líderes da UE que terá lugar em dezembro, em Copenhague. Desde os anos 1960, a Europa regularmente -e com razão- observava que a Turquia não tinha satisfeito várias condições necessárias para ser membro do grupo, especialmente com relação ao respeito pelos direitos humanos e o Estado de direito.
Não se sabe se a Europa aceitaria a Turquia, uma sociedade islâmica, dentro do agrupamento europeu, sob quaisquer condições. Os sentimentos antiislâmicos são profundos na Europa, refletindo mil anos de rivalidades, guerra e choques culturais. Muitos turcos temem que a exclusão de seu país da UE não tenha nada a ver com políticas ou instituições específicas, mas com a hostilidade européia permanente em relação às sociedades islâmicas.
Com a ampliação da UE em sentido leste agora prestes a acontecer, não surpreende que idéias perigosas e profundamente sentidas estejam vindo à tona. O ex-presidente francês Valery Giscard d'Estaing, atual presidente da Convenção sobre o Futuro da Europa, declarou recentemente que ""a Turquia não é um país europeu" e que a entrada da Turquia na UE seria ""o fim da Europa".
Na condição de admirador da UE e defensor da entrada da Turquia na UE, acho que Giscard erra em sua caracterização grosseira. Mas sei que ele reflete um ponto de vista arraigado, embora esteja longe de representar a opinião majoritária na Europa.
A explosão de Giscard foi uma provocação também por outro motivo. A Turquia acaba de demonstrar o dinamismo de suas credenciais democráticas, promovendo eleições apesar da crise econômica que atravessa. O vencedor foi o Partido da Justiça e do Desenvolvimento. O novo primeiro-ministro, Abdullah Gul, declarou imediatamente que o aceso à Europa é prioridade.
Na frente econômica, o passo dado em direção à UE forçaria a Turquia a continuar a aperfeiçoar suas instituições e fortalecer o Estado de direito, com isso acrescentando estabilidade institucional de longo prazo a suas instituições políticas, o que, por sua vez, ajudaria a estabilizar o norte da África e o Oriente Médio.
Cada entrada de um país novo na UE no último quarto de século, como aconteceu com a entrada da Espanha e de Portugal antes de 1986, e, mais recentemente, os esforços dos países pós-comunistas centro-europeus nesse sentido, tem incentivado a modernização das instituições e contribuído para a estabilidade e a moderação nas políticas nacionais. Ademais, ao incentivar essa reforma institucional, as perspectivas econômicas também se tornam mais positivas, entre outras coisas devido à capacidade da Turquia de atrair investimentos externos diretos.
Na frente política, o efeito demonstrativo mundial da participação da Turquia na UE exerceria consequências enormes. A afirmação feita pelos fundamentalistas islâmicos de que o Ocidente é antiislâmico seria desmentida. A própria Turquia poderia atuar como ponte mais confiável para as sociedades da Ásia Central, desde o Azerbaijão até o Quirguistão, países que hoje correm o risco de desestabilização devido à guerra contra o terrorismo e a disputas em torno de petróleo.
Felizmente, quando Giscard d'Estaing expressou seus sentimentos perigosos, muitos na Comissão Européia e em toda a Europa declararam que o ex-presidente francês falava em seu próprio nome. A União Européia precisa reafirmar essa posição de maneira mais clara, demonstrando sua boa fé: respondendo ao desafio histórico de negociar a entrada da Turquia na UE.


Jeffrey D. Sachs é professor de economia e diretor do Instituto da Terra da Universidade Columbia (EUA).


Tradução de Clara Allain


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