|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LUíS NASSIF
Os gerentes da crise
Na época da votação da nova
Lei dos Portos, o então senador
Mário Covas foi massacrado durante dois meses pela imprensa.
Apresentado como representante
do atraso, eram-lhe imputadas as
visões mais estapafúrdias sobre a
questão. Curiosamente, nenhuma
declaração vinha entre aspas.
Na ocasião escrevi uma coluna
estranhando que, sem que ele fosse ouvido, tanta asneira pudesse
ser atribuída a uma pessoa que
era um engenheiro de mente cartesiana, não um Itamar Franco
paulista.
A assessoria de Covas me convidou, então, para um almoço, no
qual o senador explicou sua posição, que podia ser questionada ou
não, mas vinha embasada em argumentos lógicos. Perguntei por
que não se dera ao trabalho de expô-la à imprensa. Sua resposta:
"O tema é muito complexo, eu
não tenho poder de síntese e a imprensa só assimila respostas curtas. Além disso, se acham que
penso assim, problema deles". Era
"problema criado por eles", não
"problema deles", mas do próprio
senador.
Esse é o mesmo Covas que atropelou sua assessoria e, no debate
com Paulo Maluf na Rede Bandeirantes, insistiu naquela estranhíssima pergunta sobre a praga
do amarelinho.
No entanto a fase final da campanha de Covas atraiu os olhos de
todo o país. Da noite para o dia, a
opinião pública paulista acordou
que Covas representava alguns
dos novos valores fundamentais
na política -respeito ao dinheiro
e ao equilíbrio das contas públicas- e recusou-se a perder o que
foi conquistado na sua primeira
gestão.
Sua posse, neste domingo, será o
acontecimento político mais importante do ano. Nos últimos
dias, políticos de todas as regiões
entupiram os telefones do Palácio
dos Bandeirantes, anunciando
sua vinda para a posse.
²
Dois modelos
O momento político brasileiro
tem dois modelos inquestionáveis, Antonio Carlos Magalhães,
mais à direita, Covas, mais à esquerda. E tem Lula como uma esperança.
Pode-se criticar em ACM a maneira impiedosa com que destrói
adversários locais; em Covas, até
agora, a pouca imaginação para
inovar. Mas ambos sintetizam,
mais do que ninguém, as virtudes
políticas básicas, necessárias para
a formação de uma nação pluralista.
A primeira delas é a valorização
da competência gerencial. Em um
país no qual parte da opinião pública ainda acha que governar é
se comportar como uma biruta de
aeroporto, como Itamar, ou passar quatro anos dedicando-se aos
grandes discursos, como FHC,
ambos trabalham com resultados
e com equipes. ACM e Covas -assim como o ex-governador paulista Franco Montoro- valorizam
em suas respectivas equipes as
competências gerenciais (embora
ainda haja muito a aprimorar no
secretariado do primeiro governo
Covas).
A segunda virtude é a antítese
do que se convencionou chamar
de "sabedoria política" -esse
misto de esperteza e dissimulação
em que o político diz o que o interlocutor quer ouvir, sem se preocupar em cumprir o que prometeu.
Ambos são absolutamente transparentes e previsíveis em suas posições e adversários e aliados sabem exatamente o que esperar deles -e eles, o que esperar dos aliados.
É o oposto do que acontece com
políticos capazes de conversar
com dez interlocutores, concordar
com os dez, mesmo que tenham
posições diferentes entre si, e não
fazer nada do que combinaram.
Essa indefinição acaba levando
a uma luta intestina entre o bloco
de apoio, cada qual querendo
ocupar espaço no grito, aumentando excessivamente o custo político da montagem de maiorias.
A terceira virtude é saber separar claramente o que são princípios fundamentais de ação do que
se constitui o acessório, que pode
ser negociado.
A quarta virtude é o comando.
Não falam muito, nem em vão,
não se perdem em circunlóquios,
em retóricas ocas que têm como
único objetivo protelar decisões.
Simplesmente decidem.
Nesse momento da vida nacional, em que a indecisão ameaça
jogar o país em uma crise grave,
Covas, ACM e Lula -com seu
gesto de grandeza de aceitar conversar com FHC- serão as âncoras, os aglutinadores da coesão
nacional. Pelo menos até que FHC
decida voltar a governar.
E-mail: lnassif@uol.com.br
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|