São Paulo, domingo, 10 de janeiro de 1999

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LUíS NASSIF
Os gerentes da crise


Na época da votação da nova Lei dos Portos, o então senador Mário Covas foi massacrado durante dois meses pela imprensa. Apresentado como representante do atraso, eram-lhe imputadas as visões mais estapafúrdias sobre a questão. Curiosamente, nenhuma declaração vinha entre aspas.
Na ocasião escrevi uma coluna estranhando que, sem que ele fosse ouvido, tanta asneira pudesse ser atribuída a uma pessoa que era um engenheiro de mente cartesiana, não um Itamar Franco paulista.
A assessoria de Covas me convidou, então, para um almoço, no qual o senador explicou sua posição, que podia ser questionada ou não, mas vinha embasada em argumentos lógicos. Perguntei por que não se dera ao trabalho de expô-la à imprensa. Sua resposta: "O tema é muito complexo, eu não tenho poder de síntese e a imprensa só assimila respostas curtas. Além disso, se acham que penso assim, problema deles". Era "problema criado por eles", não "problema deles", mas do próprio senador.
Esse é o mesmo Covas que atropelou sua assessoria e, no debate com Paulo Maluf na Rede Bandeirantes, insistiu naquela estranhíssima pergunta sobre a praga do amarelinho.
No entanto a fase final da campanha de Covas atraiu os olhos de todo o país. Da noite para o dia, a opinião pública paulista acordou que Covas representava alguns dos novos valores fundamentais na política -respeito ao dinheiro e ao equilíbrio das contas públicas- e recusou-se a perder o que foi conquistado na sua primeira gestão.
Sua posse, neste domingo, será o acontecimento político mais importante do ano. Nos últimos dias, políticos de todas as regiões entupiram os telefones do Palácio dos Bandeirantes, anunciando sua vinda para a posse.
² Dois modelos
O momento político brasileiro tem dois modelos inquestionáveis, Antonio Carlos Magalhães, mais à direita, Covas, mais à esquerda. E tem Lula como uma esperança.
Pode-se criticar em ACM a maneira impiedosa com que destrói adversários locais; em Covas, até agora, a pouca imaginação para inovar. Mas ambos sintetizam, mais do que ninguém, as virtudes políticas básicas, necessárias para a formação de uma nação pluralista.
A primeira delas é a valorização da competência gerencial. Em um país no qual parte da opinião pública ainda acha que governar é se comportar como uma biruta de aeroporto, como Itamar, ou passar quatro anos dedicando-se aos grandes discursos, como FHC, ambos trabalham com resultados e com equipes. ACM e Covas -assim como o ex-governador paulista Franco Montoro- valorizam em suas respectivas equipes as competências gerenciais (embora ainda haja muito a aprimorar no secretariado do primeiro governo Covas).
A segunda virtude é a antítese do que se convencionou chamar de "sabedoria política" -esse misto de esperteza e dissimulação em que o político diz o que o interlocutor quer ouvir, sem se preocupar em cumprir o que prometeu. Ambos são absolutamente transparentes e previsíveis em suas posições e adversários e aliados sabem exatamente o que esperar deles -e eles, o que esperar dos aliados.
É o oposto do que acontece com políticos capazes de conversar com dez interlocutores, concordar com os dez, mesmo que tenham posições diferentes entre si, e não fazer nada do que combinaram.
Essa indefinição acaba levando a uma luta intestina entre o bloco de apoio, cada qual querendo ocupar espaço no grito, aumentando excessivamente o custo político da montagem de maiorias.
A terceira virtude é saber separar claramente o que são princípios fundamentais de ação do que se constitui o acessório, que pode ser negociado.
A quarta virtude é o comando. Não falam muito, nem em vão, não se perdem em circunlóquios, em retóricas ocas que têm como único objetivo protelar decisões. Simplesmente decidem.
Nesse momento da vida nacional, em que a indecisão ameaça jogar o país em uma crise grave, Covas, ACM e Lula -com seu gesto de grandeza de aceitar conversar com FHC- serão as âncoras, os aglutinadores da coesão nacional. Pelo menos até que FHC decida voltar a governar.

E-mail: lnassif@uol.com.br


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