|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
O otimismo segundo o Conselheiro Acácio
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Todos querem saber se a onda
de otimismo deste início de ano
tem base real. O brasileiro gostaria de acreditar, é claro, mas já
está farto das falsas promessas
deste governo e seus antecessores. Também não confia, "et
pour cause", nos analistas chapa-branca que infestam as páginas dos jornais e, sobretudo, o
noticiário da televisão.
Bem. O otimismo é um estado
de espírito de efeito ambíguo.
Por um lado, é inseparável da
ação; sem um mínimo de otimismo, o sujeito não chega nem na
esquina. Por outro lado, pode
dar margem ao conformismo e à
complacência e costuma, por isso, estar na origem de fracassos
retumbantes.
Percebo, de repente, que estou
dizendo o óbvio ululante. Ah,
leitor, o óbvio persegue o economista brasileiro implacavelmente. O padroeiro do debate econômico nacional é seguramente o
Conselheiro Acácio, aquele personagem do Eça de Queiroz que
dizia o óbvio com grande solenidade. Se o óbvio fosse banido dos
meios de comunicação, muitos
economistas ficariam reduzidos
ao mais completo silêncio.
Repare, leitor, que nada acontece por acaso. Relendo outro
dia "O Primo Basílio", do Eça,
fiz uma descoberta que merece
breve registro. O célebre Conselheiro vivia sem família, num
terceiro andar da rua do Ferregial, em Lisboa. Amancebado
com a criada, ocupava-se de
economia política (nome que se
dava à nossa disciplina até fins
do século 19). Chegou a elaborar
um compêndio: "Elementos Genéricos da Ciência da Riqueza e
sua Distribuição, segundo os
melhores autores"! Podemos
concluir que as nossas obviedades têm raízes históricas e literárias que as justificam e absolvem.
Mas voltemos à conjuntura
brasileira. Os mercados financeiros estão começando a ficar
alegres. O otimismo é, em parte,
compreensível. Em 1999, tivemos finalmente algum avanço
em termos de ajustamento fiscal
e, mais importante, a tantas vezes adiada mudança cambial.
Contudo, é importante não se
deixar levar pelas ondas de entusiasmo dos mercados financeiros internacionais e locais.
Continua válido o que dizia
Keynes, na "Teoria Geral", sobre
a influência decisiva que tem
nesses mercados "a psicologia de
massas de um grande número
de indivíduos ignorantes", fixados em resultados rápidos e suscetíveis a mudanças abruptas de
opinião em resposta a choques,
modismos e trivialidades.
Um país que se deixa governar
por esses mercados compromete
gravemente o seu futuro. (E salve o Conselheiro Acácio!).
O que significa concretamente
"não se deixar levar" pelos mercados financeiros? Um exemplo.
Persistindo o otimismo em relação ao Brasil, correremos o risco
de que vá longe demais a revalorização do real em relação ao
dólar e outras moedas estrangeiras. Haveria, então, prejuízo para a competitividade internacional das empresas que operam no
Brasil e maior demora na redução da dependência em relação
a capitais estrangeiros.
O Banco Central tem instrumentos para impedir uma valorização cambial excessiva? Sem
dúvida. Pode, por exemplo, reduzir as taxas de juro, se isso for
recomendável do ponto de vista
dos objetivos internos da política monetária. Alternativamente, pode comprar reservas internacionais. Ou, ainda, reduzir a
oferta de títulos cambiais e resgatar parte da dívida interna
dolarizada. Pode, também, restringir a entrada de capitais de
prazo mais curto, aumentando
a tributação na entrada ou ampliando os prazos mínimos de
captação de empréstimos no exterior.
Todos esses instrumentos terão provavelmente que ser acionados em algum momento. Nada disso é novidade.
O risco, entretanto, é que o óbvio não prevaleça. Dominado
por um temor reverencial dos
mercados financeiros, por preconceitos liberais contra a intervenção e limitado, além disso,
pela tutela (nem sempre iluminada) do FMI, o BC poderá, como em outras ocasiões, assistir
mais ou menos inerte a um processo perigoso de valorização do
real. Tanto mais que a valorização seduz pelas suas vantagens
de curto prazo, pois ajuda em
certa medida no combate à inflação e diminui o custo da dívida pública externa ou indexada
ao câmbio.
Vamos esperar que essa novela não se repita. Como diria o
Conselheiro Acácio, um banco
central não deve jamais seguir
passivamente os humores, caprichos e fantasias dos investidores
financeiros privados.
Paulo Nogueira Batista Jr., 44, economista e professor da Fundação Getúlio Vargas-SP, escreve às quintas-feiras nesta coluna.
E-mail: pnbjr@attglobal.net
Texto Anterior: "Doações, transparentes, não constrangem", afirma Kapaz Próximo Texto: Trabalho: Emprego na indústria de SP tem melhor janeiro em 5 anos Índice
|