São Paulo, quinta-feira, 10 de fevereiro de 2000


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OPINIÃO ECONÔMICA

O otimismo segundo o Conselheiro Acácio

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Todos querem saber se a onda de otimismo deste início de ano tem base real. O brasileiro gostaria de acreditar, é claro, mas já está farto das falsas promessas deste governo e seus antecessores. Também não confia, "et pour cause", nos analistas chapa-branca que infestam as páginas dos jornais e, sobretudo, o noticiário da televisão.
Bem. O otimismo é um estado de espírito de efeito ambíguo. Por um lado, é inseparável da ação; sem um mínimo de otimismo, o sujeito não chega nem na esquina. Por outro lado, pode dar margem ao conformismo e à complacência e costuma, por isso, estar na origem de fracassos retumbantes.
Percebo, de repente, que estou dizendo o óbvio ululante. Ah, leitor, o óbvio persegue o economista brasileiro implacavelmente. O padroeiro do debate econômico nacional é seguramente o Conselheiro Acácio, aquele personagem do Eça de Queiroz que dizia o óbvio com grande solenidade. Se o óbvio fosse banido dos meios de comunicação, muitos economistas ficariam reduzidos ao mais completo silêncio.
Repare, leitor, que nada acontece por acaso. Relendo outro dia "O Primo Basílio", do Eça, fiz uma descoberta que merece breve registro. O célebre Conselheiro vivia sem família, num terceiro andar da rua do Ferregial, em Lisboa. Amancebado com a criada, ocupava-se de economia política (nome que se dava à nossa disciplina até fins do século 19). Chegou a elaborar um compêndio: "Elementos Genéricos da Ciência da Riqueza e sua Distribuição, segundo os melhores autores"! Podemos concluir que as nossas obviedades têm raízes históricas e literárias que as justificam e absolvem.
Mas voltemos à conjuntura brasileira. Os mercados financeiros estão começando a ficar alegres. O otimismo é, em parte, compreensível. Em 1999, tivemos finalmente algum avanço em termos de ajustamento fiscal e, mais importante, a tantas vezes adiada mudança cambial.
Contudo, é importante não se deixar levar pelas ondas de entusiasmo dos mercados financeiros internacionais e locais. Continua válido o que dizia Keynes, na "Teoria Geral", sobre a influência decisiva que tem nesses mercados "a psicologia de massas de um grande número de indivíduos ignorantes", fixados em resultados rápidos e suscetíveis a mudanças abruptas de opinião em resposta a choques, modismos e trivialidades.
Um país que se deixa governar por esses mercados compromete gravemente o seu futuro. (E salve o Conselheiro Acácio!).
O que significa concretamente "não se deixar levar" pelos mercados financeiros? Um exemplo. Persistindo o otimismo em relação ao Brasil, correremos o risco de que vá longe demais a revalorização do real em relação ao dólar e outras moedas estrangeiras. Haveria, então, prejuízo para a competitividade internacional das empresas que operam no Brasil e maior demora na redução da dependência em relação a capitais estrangeiros.
O Banco Central tem instrumentos para impedir uma valorização cambial excessiva? Sem dúvida. Pode, por exemplo, reduzir as taxas de juro, se isso for recomendável do ponto de vista dos objetivos internos da política monetária. Alternativamente, pode comprar reservas internacionais. Ou, ainda, reduzir a oferta de títulos cambiais e resgatar parte da dívida interna dolarizada. Pode, também, restringir a entrada de capitais de prazo mais curto, aumentando a tributação na entrada ou ampliando os prazos mínimos de captação de empréstimos no exterior.
Todos esses instrumentos terão provavelmente que ser acionados em algum momento. Nada disso é novidade.
O risco, entretanto, é que o óbvio não prevaleça. Dominado por um temor reverencial dos mercados financeiros, por preconceitos liberais contra a intervenção e limitado, além disso, pela tutela (nem sempre iluminada) do FMI, o BC poderá, como em outras ocasiões, assistir mais ou menos inerte a um processo perigoso de valorização do real. Tanto mais que a valorização seduz pelas suas vantagens de curto prazo, pois ajuda em certa medida no combate à inflação e diminui o custo da dívida pública externa ou indexada ao câmbio.
Vamos esperar que essa novela não se repita. Como diria o Conselheiro Acácio, um banco central não deve jamais seguir passivamente os humores, caprichos e fantasias dos investidores financeiros privados.


Paulo Nogueira Batista Jr., 44, economista e professor da Fundação Getúlio Vargas-SP, escreve às quintas-feiras nesta coluna.
E-mail: pnbjr@attglobal.net


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