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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
O Fórum Social e a democracia global
ALOIZIO MERCADANTE
Personalidades, estudantes, trabalhadores, intelectuais, políticos, entidades e movimentos da sociedade civil do
mundo inteiro reuniram-se em
Porto Alegre dias atrás, na segunda edição do Fórum Social Mundial, para trocar experiências,
discutir os problemas derivados
do processo de globalização e buscar propostas orientadas à construção de uma sociedade planetária mais justa e mais democrática, que tenha na paz um dos seus
pilares fundamentais. Foram cerca de 60 mil participantes, 27 mesas de conferências sobre questões
estratégicas, 100 seminários de
aprofundamento e debate público de temas específicos, 39 eventos
e atividades complementares e
mais de 600 oficinas temáticas,
que cobriram um universo extraordinariamente amplo de aspectos econômicos, sociais, políticos e culturais.
Recordo que, aqui nesta Folha,
comentando o significado e o propósito do primeiro Fórum, em
2001, eu dizia que sua realização
era uma ousadia, mas uma ousadia necessária. Dizia também que
sua função, mais do que gerar
mobilizações temporárias, seria a
de contribuir para despertar as
energias dos povos do sul para o
grande desafio que representa a
construção de uma sociedade
mais fraterna, que recupere o sentido da cooperação entre os povos
e priorize o desenvolvimento humano e a inclusão social. Hoje é
evidente que a ousadia não foi somente necessária, ela também
deu certo.
A realização do Fórum foi mais
do que um evento bem-sucedido.
O Fórum recuperou o que de melhor existe nas raízes históricas da
democracia, consolidando-se como um espaço público de discussão dos grandes problemas da humanidade, na perspectiva da
construção de alternativas e na
crença de que um outro mundo é
possível. O Fórum foi um processo
de reflexão estratégica coletiva
que buscou responder a questões
que envolvem os grandes desafios
globais, mas -ao contrário do
pensamento global dominante-
de modo a valorizar não só a diversidade de visões e abordagens
dessas questões e desafios como
também a participação democrática da multiplicidade de atores
sociais envolvidos.
O Fórum Social ocorre em um
momento em que a globalização
produziu um grau de internacionalização do capital e de aceleração de sua velocidade de circulação sem precedentes (o giro financeiro internacional é hoje da ordem de US$ 1,3 trilhão por dia),
universalizou as informações e os
valores da cultura mercantil dominante, debilitou assimetricamente os Estados nacionais, particularmente nos países periféricos, e fragilizou as instituições da
democracia representativa no
âmbito de cada país.
A nova ordem internacional,
estruturada a partir do desmantelamento da antiga URSS, amplifica o alcance desses processos.
A governança global, comandada
pela potência hegemônica, concentra-se no G-8 e nas grandes
corporações. As Nações Unidas
foram relegadas a um papel instrumental secundário e os organismos multilaterais foram transformados em braços operacionais
das políticas do centro hegemônico e das corporações financeiras
internacionais. O mercado global
prescinde também da democracia
global.
O desemprego, a pobreza e os
danos ambientais se expandem
numa velocidade fantástica, tornando estéreis os avanços da tecnologia e o aumento da capacidade produtiva nos países centrais.
Alguns desses estão descobrindo
na informalização do mercado de
trabalho, antes considerada um
problema dos países periféricos,
uma "solução" moderna para o
seu elevado desemprego. Nos
"emergentes", o quadro é dramático. O caso brasileiro, que não
chegou ainda ao caos gerado pelo
fundamentalismo neoliberal na
Argentina, é simbólico: o lucro
dos bancos cresceu como nunca
(315% entre 1994 e 2001), o salário
diminuiu (queda de 14 pontos
desde 1997) e a exclusão aumentou. Sobre este último aspecto são
ilustrativos o aumento do desemprego no âmbito nacional (quase
40% entre 1994 e 2001) e da população residente em favelas no Rio
de Janeiro nos anos 90, que cresceu a um ritmo quatro vezes
maior do que o restante da população do Estado.
Dentro desse quadro, o Fórum
Social representou um importante passo para a construção de
uma outra agenda, que coloque
na ordem do dia a questão social,
em suas multíplices manifestações, o problema da sustentabilidade ambiental, a temática do
desenvolvimento e a da inserção
solidária dos países periféricos na
economia internacional. Ainda
que não tenha um documento
conclusivo -até porque não é esse o seu propósito-, o Fórum
proporcionou a articulação de
instituições, redes e movimentos
sociais que podem desempenhar
um papel multiplicador nos seus
respectivos âmbitos de atuação. A
síntese desse processo é a construção da democracia global.
Não temos ainda uma agenda
acabada para canalizar nesse
sentido toda a energia do Fórum
Social. Mas ela está em construção. Nessa direção vai a decisão
de realizar, a partir do próximo
ano, fóruns regionais. Por outro
lado, fortalecido pela participação de 1.115 parlamentares, a
maior parte latino-americanos,
oriundos de 40 países, o Fórum
constituiu uma rede parlamentar
internacional que busca coordenar as ações parlamentares contra a globalização (discutindo e
votando a taxa Tobin simultaneamente em todos os países, por
exemplo). O Fórum de São Paulo,
que articula cem partidos e organizações da América Latina, pretende organizar no próximo ano
um fórum partidário internacional. E o movimento latino-americano de repúdio à Alca, tal como
vem sendo proposta, saiu do Fórum fortalecido e mais organizado.
Em síntese, o Fórum foi um
grande instrumento de globalização da política e de revitalização
das utopias. Sua mensagem de luta e de esperança ganhou neste
ano uma dimensão maior: um
outro mundo é, de fato, possível.
Vamos construí-lo.
Aloizio Mercadante, 47, é economista e
professor licenciado da PUC e da Unicamp, deputado federal por São Paulo e
secretário de Relações Internacionais do
Partido dos Trabalhadores.
Internet: www.mercadante.com.br
E-mail -dep.mercadante@camara.gov.br
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