São Paulo, terça-feira, 10 de fevereiro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ARTIGO

Brasil caminha para o desenvolvimento

JEFFREY SACHS

A maior história oculta de desenvolvimento internacional de nosso tempo talvez seja a decolagem econômica do Brasil. Há dois anos a economia brasileira foi considerada morta, e de modo geral se esperava que a eleição à presidência de Luiz Inácio Lula da Silva, candidato do Partido dos Trabalhadores, desencadearia o naufrágio financeiro.
Pelo contrário, Lula governou com extraordinária prudência, e o Brasil tende a um rápido crescimento. Mas há algo mais fundamental em jogo: é possível que o país esteja superando os obstáculos ao desenvolvimento econômico que o mantiveram atrasado durante décadas.
Em janeiro de 2002, a direita americana ficou aterrorizada com uma possível revolução de esquerda, e os investidores estrangeiros foram tomados de pânico diante da perspectiva de não-pagamento das dívidas externas. O FMI, para variar, fez um bom trabalho e proporcionou financiamento provisório.
Em troca, Lula adotou políticas macroeconômicas ortodoxas, com o que fez desaparecer o pânico. As projeções de mercado para o crescimento brasileiro para 2004 rondam os 4%.
Mas boa parte do mérito da mudança experimentada pelo Brasil corresponde ao antecessor de Lula, Fernando Henrique Cardoso, presidente de 1995 até 2002. Eu atribuo a FHC, como ele é conhecido, quatro contribuições-chaves. Em primeiro lugar o Brasil adotou firmemente os direitos humanos, incluindo as eleições democráticas e a justiça econômica para os negros e os indígenas brasileiros. Como a maior parte da América Latina, o Brasil nasceu nos moldes da conquista e da escravidão.
Ainda no século 20, nem as populações indígenas nem os negros descendentes de escravos tinham muitas oportunidades de ordem econômica e social. Isso está mudando rapidamente, e os grupos indígenas ganharam uma dura batalha por direitos sobre a terra em seus territórios amazônicos tradicionais.
Em segundo lugar, o Brasil está aceitando finalmente os conhecimentos da economia global. Durante a maior parte do século 20, as elites brasileiras pensaram que com os recursos naturais -gado, café, sucos de fruta e soja- ofereciam o suficiente. Com as reformas de FHC, a porcentagem de matrículas no ensino secundário disparou de 15% em 1990 para 71% em 2000 [na verdade, a taxa de escolarização líquida, porcentagem do total de adolescentes de 15 a 17 anos matriculados no ensino médio, foi de 17,6% em 1991 para 33,3% em 2000, e a taxa de atendimento, porcentagem do total de adolescentes de 15 a 17 anos matriculados independentemente da série, foi de 62,3% em 91 para 83% em 2000].
A qualidade das universidades também está melhorando. FHC nomeou uma série de destacados ministros da Ciência e Tecnologia, e o governo aumentou o investimento público em pesquisa e desenvolvimento, um componente vital para o êxito dos países do leste asiático. Exportações como os aviões da Embraer competem hoje com os fabricantes americanos e europeus no mercado de jatos regionais.
Em terceiro lugar o Brasil está concorrendo nos mercados mundiais, em vez de proteger os nacionais. Durante décadas, o protecionismo descontrolado fez que a proporção entre as exportações e o PIB brasileiro fosse uma das mais baixas do mundo, mas aumentou de 6,7% em 1990 para 11,4% em 2001.
Em quarto lugar, o Brasil está se concentrando na saúde e na produtividade de sua população. Sob o governo FHC, foi um dos primeiros países a implementar uma resposta eficaz contra a epidemia de Aids. Além disso, a taxa de mortalidade infantil diminuiu drasticamente, de 48 por mil em 1990 para 29,6 por mil em 2001. A taxa total de fertilidade (número médio de nascimentos por mulher) também caiu drasticamente, de 3,46 em 1990 para 2,38 em 2001. Como mais crianças sobrevivem até a idade adulta, as famílias pobres têm menos filhos e investem mais em sua saúde e educação, e isso no longo prazo proporciona um firme impulso ao desenvolvimento econômico.
O Brasil continua enfrentando enormes dificuldades. É necessário consolidar a estabilidade macroeconômica e reforçar o consenso político a favor da educação universal, o comércio voltado para o exterior, a saúde para todos e a economia orientada para a ciência e a tecnologia. O Brasil também deve prestar mais atenção na gestão ambiental, especialmente na frágil região amazônica, para garantir um desenvolvimento sustentável em longo prazo.
Grandes desafios, de fato, mas parece que o país está com ânimo para enfrentá-los.


Jeffrey Sachs é professor de economia e diretor do Instituto da Terra da Universidade Columbia (EUA).


Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Texto Anterior: Opinião econômica: O que é que a Índia tem
Próximo Texto: Luís Nassif: Dois chapéus das múltis
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.