São Paulo, terça-feira, 10 de fevereiro de 2004

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LUÍS NASSIF

Dois chapéus das múltis

Ainda não há muita clareza sobre o papel das multinacionais no país. Seus presidentes têm dois chapéus: um, o de representante da sua empresa no país; outro, o de representante do país na sua empresa.
Cada multinacional é, por definição, uma confederação, em que todas as filiais -inclusive a matriz- são concorrentes na atração dos investimentos da organização. Nessa posição, a filial é aliada dos respectivos países.
Por outro lado, especialmente no caso das multinacionais de maior porte, seus presidentes atuam como representantes de seus próprios países no país da filial que presidem.
Isso posto, vamos a dois tipos de consideração. O primeiro sobre o papel dos presidentes das múltis no país. Embora a opinião pública seja muito mais sensível a retaliações a turistas do que à defesa dos interesses nacionais em relação às múltis, acabaram-se os tempos em que CEOs se comportavam como potentados em um país de botocudos.
Depois da grande batalha dos genéricos, quando a indústria farmacêutica jogou pesado, a reação do então ministro José Serra -mais pesada ainda- foi um divisor de águas. Depois dela, 12 gerentes-gerais de laboratórios multinacionais foram substituídos por uma nova geração, mais moderna e crítica das táticas barras-pesadas do modelo anterior.
O caso Demel -presidente da Volskwagen, demitido depois de uma série de desastres políticos- também é emblemático.
Mas existe um segundo ponto, que é a aliança entre o Brasil e as filiais e múltis na atração de investimentos do grupo. Hoje em dia, o Brasil desapareceu do mapa de investimentos das multinacionais, as filiais brasileiras estão esvaziadas, seus executivos, desvalorizados nas disputas internas, e a razão maior é que o mercado interno desapareceu -e não deverá voltar tão cedo.
Daí a importância de uma estratégia de governo que permita valorizar politicamente as multinacionais instaladas no país perante seus respectivos "boards". Cada compra pública de bens de multinacionais deve ser montada de tal maneira que pareça uma vitória política de seu executivo. Com isso, devem ser fixadas contrapartidas de transferência de investimentos para o país, acordada conjuntamente com o executivo.
Dia desses, o presidente de um laboratório internacional contava que conseguiu reabrir compras no Ministério da Saúde. Foi uma operação comercial, de rotina.
Se houvesse no governo um fórum de alto nível, incumbido de negociar contrapartidas e articular alianças com as filiais de múltis, uma operação comercial poderia ser transformada num lance de estratégia política, na disputas entre filiais, poderia ter havido uma combinação prévia, a compra ser apresentada como uma vitória política do CEO, e ele poder levar até a matriz as exigências de contrapartida de investimento, antecipadamente negociadas com o governo.
Nessa negociação prévia, cúmplice, o CEO definiria os limites das contrapartidas, para poder pedir o factível.
Em suma, o enorme poder de compra do Estado tem que ser trabalho de maneira mais inteligente, estendendo o conceito de "offset" da aviação a todas as compras públicas.

E-mail -
Luisnassif@uol.com.br


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