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LUÍS NASSIF
Dois chapéus das múltis
Ainda não há muita clareza sobre o papel das
multinacionais no país. Seus
presidentes têm dois chapéus:
um, o de representante da sua
empresa no país; outro, o de
representante do país na sua
empresa.
Cada multinacional é, por
definição, uma confederação,
em que todas as filiais -inclusive a matriz- são concorrentes na atração dos investimentos da organização. Nessa posição, a filial é aliada dos respectivos países.
Por outro lado, especialmente no caso das multinacionais
de maior porte, seus presidentes atuam como representantes de seus próprios países no
país da filial que presidem.
Isso posto, vamos a dois tipos
de consideração. O primeiro
sobre o papel dos presidentes
das múltis no país. Embora a
opinião pública seja muito
mais sensível a retaliações a
turistas do que à defesa dos interesses nacionais em relação
às múltis, acabaram-se os
tempos em que CEOs se comportavam como potentados
em um país de botocudos.
Depois da grande batalha
dos genéricos, quando a indústria farmacêutica jogou pesado, a reação do então ministro
José Serra -mais pesada ainda- foi um divisor de águas.
Depois dela, 12 gerentes-gerais
de laboratórios multinacionais foram substituídos por
uma nova geração, mais moderna e crítica das táticas barras-pesadas do modelo anterior.
O caso Demel -presidente
da Volskwagen, demitido depois de uma série de desastres
políticos- também é emblemático.
Mas existe um segundo ponto, que é a aliança entre o Brasil e as filiais e múltis na atração de investimentos do grupo.
Hoje em dia, o Brasil desapareceu do mapa de investimentos das multinacionais, as filiais brasileiras estão esvaziadas, seus executivos, desvalorizados nas disputas internas, e
a razão maior é que o mercado
interno desapareceu -e não
deverá voltar tão cedo.
Daí a importância de uma
estratégia de governo que permita valorizar politicamente
as multinacionais instaladas
no país perante seus respectivos "boards". Cada compra
pública de bens de multinacionais deve ser montada de tal
maneira que pareça uma vitória política de seu executivo.
Com isso, devem ser fixadas
contrapartidas de transferência de investimentos para o
país, acordada conjuntamente
com o executivo.
Dia desses, o presidente de
um laboratório internacional
contava que conseguiu reabrir
compras no Ministério da
Saúde. Foi uma operação comercial, de rotina.
Se houvesse no governo um
fórum de alto nível, incumbido de negociar contrapartidas
e articular alianças com as filiais de múltis, uma operação
comercial poderia ser transformada num lance de estratégia política, na disputas entre
filiais, poderia ter havido uma
combinação prévia, a compra
ser apresentada como uma vitória política do CEO, e ele poder levar até a matriz as exigências de contrapartida de
investimento, antecipadamente negociadas com o governo.
Nessa negociação prévia,
cúmplice, o CEO definiria os
limites das contrapartidas, para poder pedir o factível.
Em suma, o enorme poder de
compra do Estado tem que ser
trabalho de maneira mais inteligente, estendendo o conceito de "offset" da aviação a todas as compras públicas.
E-mail -
Luisnassif@uol.com.br
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