São Paulo, sexta-feira, 10 de fevereiro de 2006

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Lucro com "made in China" vai para múltis estrangeiras

Nir Elias - 22.dez.2005/Reuters
Chinesa monta bicicletas em Xangai para fábrica européia


DAVID BARBOZA
DO NEW YORK TIMES, EM SHENZHEN

Centenas de operários que trabalham em uma ampla fábrica da Hitachi em Shenzhen estão transformando placas de vidro e alumínio em reluzentes discos de computador, revestidos em papel metálico. Os produtos são destinados aos EUA e, quando chegarem, como bilhões de outros produtos, estarão rotulados como "made in China".
Mas muitas vezes, hoje em dia, "made in China" quer dizer fabricado quase integralmente em outro lugar por empresas multinacionais instaladas no Japão, na Coréia do Sul, em Taiwan e nos EUA, que usam a China como ponto final de montagem para suas imensas redes mundiais de produção.
Segundo os analistas, a evolução dessa cadeia mundial de suprimentos, que em geral rotula os produtos em seu ponto final de montagem, distorce cada vez mais os números do comércio global e tem o efeito de retratar a China como uma ameaça comercial mais grave do que representa. Muitas projeções calculam que o déficit dos EUA com a China tenha explodido e atingido o recorde de US$ 200 bilhões em 2005.
Talvez pareça que a China é a principal beneficiária do comércio internacional. Mas, em termos gerais, os maiores vencedores são os consumidores dos EUA e de outras economias avançadas, que se beneficiaram amplamente da transferência da montagem final de brinquedos, roupas e aparelhos eletrônicos de outras partes da Ásia para a China, um país de custos mais baixos.
As multinacionais americanas e de outros países, entre as quais grandes grupos de varejo, são as mãos em larga medida invisíveis que manipulam as fábricas que levam ao mercado esses produtos de baixo custo. E são elas que abocanham a maior parte dos lucros do comércio internacional.
"Nos anos 1990, empresas sediadas nos EUA, na Europa e no Japão e em outros países asiáticos transferiram para a China as suas operações de produção. Mas o controle, e portanto os lucros que essas operações geram, está firmemente nas mãos de empresas estrangeiras. Enquanto a China recebe os benefícios da globalização em termos de salários, ela não conserva os lucros que a globalização gera", diz Yasheng Huang, professor do MIT, nos EUA.
Os verdadeiros perdedores, ao que parece, são os trabalhadores de baixos salários em outros mercados, como EUA e Ásia, que sofreram as conseqüências quando suas empresas começaram a transferir fábricas para a China.
Cerca de 60% das exportações do país são controladas por empresas estrangeiras, de acordo com dados do serviço alfandegário chinês. Em categorias como peças para computadores e bens eletrônicos de consumo, as estrangeiras respondem por proporção ainda maior do controle sobre as exportações.
O conhecimento especializado estrangeiro é parte crítica das cadeias de suprimento da indústria, que se vêm tornando mais complexas e envolvem numerosos países produzindo componentes embarcados para a China, onde a montagem final é realizada. Um sistema como esse pode tornar enganosas as estatísticas mundiais de comércio externo, e alguns especialistas dizem que em lugar de "made in China" (fabricado na China), o rótulo mais correto seria "montado na China".
"O país mais beneficiado por esse sistema é os EUA", disse Dong Tao, economista do UBS em Hong Kong. "Uma boneca Barbie custa U$$ 20, mas a China recebe apenas US$ 0,35 desse total."
Porque tantas mãos diferentes, em tantos lugares distantes, tocam cada produto específico, disse Dong, talvez fosse melhor ignorar completamente os números do comércio externo. "Em um mundo globalizado, estatísticas sobre comércio bilateral são irrelevantes", diz. "O saldo do comércio entre os EUA e a China é tão pouco relevante quanto o saldo do comércio entre os Estados de Nova York e Minnesota."
A ampla oferta de mão-de-obra de baixo custo na China, combinada ao que é encarado por quase todos os observadores como uma moeda mantida deliberadamente em valor abaixo do ideal, ajudaram o país a receber cerca de US$ 465 bilhões em investimento estrangeiro direto no período 1995-2004, o que faz do mercado chinês um dos mais quentes destinos para o capital estrangeiro.
No setor de eletrônica, as transferências de fábricas para a China dispararam. Uma década atrás, Taiwan controlava o mercado de peças para computadores e dependia basicamente de sua produção interna para supri-lo. Hoje, as empresas de Taiwan produzem 80% das placas-mãe de computadores, 72% dos laptops e 68% dos monitores de cristal líquido do mundo. E a maior parte do trabalho de montagem desses produtos é realizada na China.
Empresas japonesas e sul-coreanas também estão presentes em grande número no mercado chinês. O maior centro de produção do setor de tecnologia da informação da Toshiba fica ao sul de Xangai. E a Samsung tem 23 fábricas, 50 mil funcionárias e toda a sua produção de laptops na China. A última fábrica de laptops que operava na Coréia do Sul foi fechada no ano passado.
A migração deixou marcas nas estatísticas de comércio. Em 1990, o Japão era o parceiro comercial dominante dos EUA no Pacífico, e a Ásia respondia por 38% das importações totais dos EUA. No ano passado, a China foi o parceiro dominante dos americanos na Ásia. O comércio entre o país e os EUA cresceu em 1.200% entre 1990 e 2005, enquanto a participação asiática nas importações americanas caía a 36%. O que mudou entre 1990 e 2005 é que muitos dos produtos se tornaram muito mais baratos, com a China assumindo a posição de centro manufatureiro mundial. Enquanto essa transição acontecia, os países asiáticos mais prósperos se concentravam em reter e expandir sua influência sobre a cadeia mundial de suprimentos, projetando modelos mais sofisticados, produzindo componentes e cuidando do marketing e das suas marcas.
Milhares de fábricas criaram milhões de empregos para os migrantes mal pagos da China, cujo salário normalmente equivale a US$ 0,75 por hora. Mas, até agora, as empresas chinesas nesses setores não conseguiram ascender da produção básica ao trabalho de design e outras tarefas.
Em termos práticos, a ascensão da China como potência comercial representa um contraste notável com a situação do Japão nos anos 1980, quando os japoneses desenvolveram marcas próprias como Toyota, Sony e Honda. A China não dispõe de muitas marcas conhecidas mundialmente.
Os funcionários chineses raramente desperdiçam uma oportunidade de argumentar que as estatísticas comerciais que apontam para elevados superávits representam indicadores distorcidos. "O que a China obteve nos últimos anos é basicamente um conjunto de números bonitos", disse Mei Xinyu, do Ministério do Interior chinês. "As empresas americanas e de outros países é que ficaram com os verdadeiros lucros."


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