São Paulo, Quarta-feira, 10 de Fevereiro de 1999
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ARTIGO
Mais um aperto inócuo?

ANTÔNIO CORRÊA DE LACERDA
A instabilidade do mercado cambial das últimas semanas tem acirrado as expectativas e gerado espaços para movimentos especulativos prejudiciais ao país. A incerteza tem provocado uma paralisação dos negócios e das decisões dos agentes econômicos. Por conta disso, o quadro recessivo já delineado anteriormente aos recentes acontecimentos tende a se agravar, especialmente no curto prazo.
O recente comunicado conjunto do Ministério da Fazenda e do FMI anunciou novas metas a ser atingidas para que o Brasil se credencie a receber a segunda parcela de US$ 9 bilhões do pacote de US$ 41,5 bilhões acertado há alguns meses.
Por outro lado, a recente mudança no câmbio, embora gere transtornos, muito mais pela forma como tem sido conduzida e pela incerteza gerada do que pelo fato em si, também abre um leque de oportunidades no médio prazo. Isso pressupondo-se o melhor cenário, em que a taxa de câmbio se estabilize em uma cotação considerada adequada para o setor produtivo, próxima de R$ 1,60 por dólar.
O câmbio nesse nível impediria uma aceleração da inflação anual acima dos dois dígitos, o que acirraria o conflito distributivo e as pressões pela reindexação de preços e salários, algo certamente indesejado pela sociedade e que tampouco atende aos interesses localizados, como nos mostra a experiência de décadas de inflação crônica. A recessão, nesse caso, "ajuda" para que não haja pressões de remarcação de preços, especialmente aquelas injustificadas pelo aumento dos custos.
No entanto seria utopia imaginarmos que o livre mercado possa estabilizar a taxa de câmbio por si mesmo. O câmbio de preço totalmente livre não se confirma na prática da maioria dos países, em que prevalece a chamada "flutuação suja". Ou seja, o Banco Central atua monitorando a movimentação da cotação, de forma a diminuir a volatilidade e manter a flutuação em uma taxa de equilíbrio.
A estabilidade do câmbio no nível sinalizado, uma vez alcançada, também favorecerá o setor produtivo em geral, na medida em que incentiva o fechamento de contratos de exportação, gerando divisas, produção, renda e emprego, que se espalham pela economia, além de trazer uma proteção adicional aos produtores locais, relativamente aos produtos importados. Ou seja, o valor agregado relativo local cresce, abrindo novas oportunidades.
Um outro efeito é que, livres da camisa-de-força cambial, as taxas de juro encontram mais espaço para baixar no médio prazo, o que passa a depender de uma decisão política do governo. É preciso muita perícia na operação, pois a continuidade da trajetória ascendente das taxas de juro acirra a recessão, tem efeito nefasto sobre as contas públicas e acende especulações quanto à incapacidade de honrar a dívida pública, num processo autofágico de retroalimentação de expectativas.
Apesar das limitações da conjuntura, é importante que o governo sinalize uma política de desenvolvimento, articulada com um conjunto de medidas nas áreas das políticas industrial, comercial, agrícola e de ciência e tecnologia, entre outras. Os recursos do BNDES, por exemplo, devem ser dirigidos para o financiamento de atividades produtivas, especialmente aquelas geradoras de emprego, como indústria de bens populares, construção civil, turismo e serviços em geral, entre outras. É importante que os recursos cheguem ao empreendedor, de forma que é fundamental comprometer a rede bancária nesse objetivo.
É preciso romper o imobilismo do discurso do "depois-do-ajuste-fiscal" para tomar as decisões. Não haverá um "dia D" a partir do qual as coisas acontecerão, simplesmente porque a insistência na política econômica em prática leva ao desequilíbrio. A carga tributária crescente sobre a produção e os salários tem sido insuficiente para sanear as contas públicas, pressionadas não só pelos gastos correntes crescentes, mas também (e fundamentalmente) pelo peso dos juros sobre o endividamento público, que atingem a quantia astronômica de cerca de R$ 70 bilhões ao ano. Uma transferência direta de renda da sociedade para os rentistas (que financiam a dívida pública), sem que a população se beneficie da melhora da qualidade dos serviços públicos.
Nesse cenário de instabilidade, não há "ajuste fiscal" possível, mesmo porque o jargão virou sinônimo de aumento de impostos, que nem sempre geram mais receita, embora sufoquem o setor produtivo e os cidadãos. E todo o esforço tributário de aumento da carga se dilui no custo de rolagem da dívida pública, devido aos elevados juros reais.
A recente alteração do acordo com o FMI, que prevê a geração de um superávit primário (sem considerar o efeito dos juros sobre o endividamento público) de 2,6% para 3,5% do PIB, vai agravar a recessão. Novamente, o esforço fiscal será consumido pelos encargos financeiros sobre o passivo do setor público, encarecido pela elevação dos juros.
Esse, certamente, não é um caminho bom para o Brasil. A ciranda de juros elevados, aumento da tributação, corte nos gastos sociais e todos os seus efeitos deletérios, para transferir mais recursos aos rentistas, não corresponde ao anseio de uma nação que precisa gerar 1,8 milhão de novos postos de trabalho ao ano.


Antônio Corrêa de Lacerda, 42, economista, é presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon), professor do Departamento de Economia da PUC-SP e autor do livro "O Impacto da Globalização na Economia Brasileira" (Editora Contexto). E-mail: lacerda@cofecon.org.br

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