|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ARTIGO
Mais um aperto inócuo?
ANTÔNIO CORRÊA DE LACERDA
A instabilidade do mercado cambial das últimas semanas tem acirrado as expectativas e gerado espaços para movimentos especulativos prejudiciais ao país. A incerteza tem provocado uma paralisação
dos negócios e das decisões dos
agentes econômicos. Por conta
disso, o quadro recessivo já delineado anteriormente aos recentes
acontecimentos tende a se agravar,
especialmente no curto prazo.
O recente comunicado conjunto
do Ministério da Fazenda e do FMI
anunciou novas metas a ser atingidas para que o Brasil se credencie a
receber a segunda parcela de US$ 9
bilhões do pacote de US$ 41,5 bilhões acertado há alguns meses.
Por outro lado, a recente mudança no câmbio, embora gere transtornos, muito mais pela forma como tem sido conduzida e pela incerteza gerada do que pelo fato em
si, também abre um leque de oportunidades no médio prazo. Isso
pressupondo-se o melhor cenário,
em que a taxa de câmbio se estabilize em uma cotação considerada
adequada para o setor produtivo,
próxima de R$ 1,60 por dólar.
O câmbio nesse nível impediria
uma aceleração da inflação anual
acima dos dois dígitos, o que acirraria o conflito distributivo e as
pressões pela reindexação de preços e salários, algo certamente indesejado pela sociedade e que tampouco atende aos interesses localizados, como nos mostra a experiência de décadas de inflação crônica. A recessão, nesse caso, "ajuda" para que não haja pressões de
remarcação de preços, especialmente aquelas injustificadas pelo
aumento dos custos.
No entanto seria utopia imaginarmos que o livre mercado possa
estabilizar a taxa de câmbio por si
mesmo. O câmbio de preço totalmente livre não se confirma na
prática da maioria dos países, em
que prevalece a chamada "flutuação suja". Ou seja, o Banco Central
atua monitorando a movimentação da cotação, de forma a diminuir a volatilidade e manter a flutuação em uma taxa de equilíbrio.
A estabilidade do câmbio no nível sinalizado, uma vez alcançada,
também favorecerá o setor produtivo em geral, na medida em que
incentiva o fechamento de contratos de exportação, gerando divisas,
produção, renda e emprego, que se
espalham pela economia, além de
trazer uma proteção adicional aos
produtores locais, relativamente
aos produtos importados. Ou seja,
o valor agregado relativo local
cresce, abrindo novas oportunidades.
Um outro efeito é que, livres da
camisa-de-força cambial, as taxas
de juro encontram mais espaço para baixar no médio prazo, o que
passa a depender de uma decisão
política do governo. É preciso muita perícia na operação, pois a continuidade da trajetória ascendente
das taxas de juro acirra a recessão,
tem efeito nefasto sobre as contas
públicas e acende especulações
quanto à incapacidade de honrar a
dívida pública, num processo autofágico de retroalimentação de
expectativas.
Apesar das limitações da conjuntura, é importante que o governo
sinalize uma política de desenvolvimento, articulada com um conjunto de medidas nas áreas das políticas industrial, comercial, agrícola e de ciência e tecnologia, entre
outras. Os recursos do BNDES, por
exemplo, devem ser dirigidos para
o financiamento de atividades produtivas, especialmente aquelas geradoras de emprego, como indústria de bens populares, construção
civil, turismo e serviços em geral,
entre outras. É importante que os
recursos cheguem ao empreendedor, de forma que é fundamental
comprometer a rede bancária nesse objetivo.
É preciso romper o imobilismo
do discurso do "depois-do-ajuste-fiscal" para tomar as decisões. Não
haverá um "dia D" a partir do qual
as coisas acontecerão, simplesmente porque a insistência na política econômica em prática leva ao
desequilíbrio. A carga tributária
crescente sobre a produção e os salários tem sido insuficiente para
sanear as contas públicas, pressionadas não só pelos gastos correntes crescentes, mas também (e fundamentalmente) pelo peso dos juros sobre o endividamento público, que atingem a quantia astronômica de cerca de R$ 70 bilhões ao
ano. Uma transferência direta de
renda da sociedade para os rentistas (que financiam a dívida pública), sem que a população se beneficie da melhora da qualidade dos
serviços públicos.
Nesse cenário de instabilidade,
não há "ajuste fiscal" possível,
mesmo porque o jargão virou sinônimo de aumento de impostos,
que nem sempre geram mais receita, embora sufoquem o setor produtivo e os cidadãos. E todo o esforço tributário de aumento da
carga se dilui no custo de rolagem
da dívida pública, devido aos elevados juros reais.
A recente alteração do acordo
com o FMI, que prevê a geração de
um superávit primário (sem considerar o efeito dos juros sobre o endividamento público) de 2,6% para 3,5% do PIB, vai agravar a recessão. Novamente, o esforço fiscal
será consumido pelos encargos financeiros sobre o passivo do setor
público, encarecido pela elevação
dos juros.
Esse, certamente, não é um caminho bom para o Brasil. A ciranda
de juros elevados, aumento da tributação, corte nos gastos sociais e
todos os seus efeitos deletérios, para transferir mais recursos aos rentistas, não corresponde ao anseio
de uma nação que precisa gerar 1,8
milhão de novos postos de trabalho ao ano.
Antônio Corrêa de Lacerda, 42, economista, é
presidente do Conselho Federal de Economia
(Cofecon), professor do Departamento de Economia da PUC-SP e autor do livro "O Impacto da
Globalização na Economia Brasileira" (Editora
Contexto). E-mail: lacerda@cofecon.org.br
Texto Anterior: Entenda o cálculo do indicador Próximo Texto: Televisão: Manchete ameaça romper contrato com Igreja Renascer Índice
|