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OPINIÃO ECONÔMICA
Habitação popular faz mal à saúde?
RICARDO PEREIRA LEITE
"Todos sonhamos com uma moradia
digna e com uma cidade digna. Milhões de famílias brasileiras estão
longe disso. Recursos existem. Deixar
a situação como está custa muito
mais para toda a sociedade."
Luiz Inácio Lula da Silva
Perdemos a conta dos inúmeros programas governamentais de construção de habitações populares que já foram
anunciados. Não obstante tantos
projetos, o que se vê, na prática, é
um déficit cada vez maior -mais
de 5 milhões de moradias, de
acordo com o último censo do IBGE, o que denota que o Estado,
para fazer frente a esse desafio,
não poderá prescindir da participação efetiva da iniciativa privada.
Apesar do discurso sobre a necessidade dessa parceria, não
existiu até agora nenhum estimulo à produção de mercado no segmento popular. Ao contrário, o
que se tem hoje é um grande desestímulo.
Conforme levantamento realizado pelo IPDM-SP (Instituto de
Pesquisa e Desenvolvimento de
Mercado), apenas 1% de todos os
lançamentos imobiliários da região metropolitana de São Paulo,
no período 1996 a 2001, objetivaram famílias com renda familiar
inferior a R$ 1.800 mensais, as
quais ocupam 62% dos domicílios atuais.
Na ânsia de subsistir em um setor da economia extremamente
machucado nos últimos anos, as
empresas que atuam no mercado
imobiliário não se aventuram no
segmento conhecido como popular, no qual a demanda existe, mas
a viabilidade econômica não.
No caso dos empreendimentos
populares, as adversidades também enfrentadas nos mercados
de maior renda -ausência de
"funding", altas taxas de juros potencializadas pela necessidade de
maior prazo de amortização, tributação excessiva sobre os custos,
escassez de terrenos etc.- são
ainda mais insuperáveis pelo
comprador com baixa capacidade de poupança.
Para inverter esse cenário, o
único caminho é remover os obstáculos que inibem os empreendedores brasileiros.
Primeiramente, é preciso oferecer créditos em quantidade suficiente e níveis de juros possíveis
às camadas menos favorecidas.
Para tanto há que estruturar um
mecanismo de poupança e financiamento de longo prazo, que,
mercê da importância social da
ação e de seus desdobramentos
positivos, não concorra com as
aplicações financeiras tradicionais, extremamente sensíveis a
nuances no curto prazo. Há que
fazer isso sem o pudor de que essa
política sobrecarregue os cofres
do Estado. Afinal, maiores (e piores) do que os mecanismos organizados de estímulo à produção
com subsídio governamental são
os estragos que o refreamento da
demanda por lares possa causar e
já está causando há tempos. Igualmente necessária é a criação de
um ambiente de segurança jurídica que garanta a retomada dos
imóveis em caso de inadimplência a fim de garantir a oferta de
crédito às famílias de baixa renda.
Também é indispensável eliminar outros entraves que impedem
a atuação do setor privado na produção de habitações de interesse
social. Quando destrinchamos o
custo dos imóveis, outras aberrações são encontradas: um estudo
elaborado pelo engenheiro Claudio Bernardes, pró-reitor da Universidade Secovi-SP, identificou
que nada menos que 50% do preço final do imóvel é tributo, municipal, estadual e federal. Tal nível é
encontrado somente na taxação
de produtos de alguma forma
prejudiciais à saúde do consumidor. Uma punição incompatível
com a prioridade social da habitação.
Por seu lado, as legislações urbanísticas -as atuais e outras
que continuam sendo produzidas- impõem exigências impraticáveis para quem pretende produzir moradias populares. Muitas
delas remetem à redução do potencial construtivo, o que, na prática, provoca o encarecimento do
insumo "terreno" e, consequentemente, da habitação. Afasta a população das regiões centrais da
metrópole paulistana (dotadas de
infra-estrutura básica e transportes) e promove o crescimento das
regiões periféricas, onde os terrenos são mais baratos. Além disso,
termina por anular os avanços
tecnológicos dos sistemas construtivos da indústria imobiliária,
que teima em ampliar sua produtividade, apesar das excepcionais
oscilações de preço dos materiais
de construção oligopolizados.
A burocracia é outro entrave a
ser superado. Poucos sabem que
o segmento imobiliário é o campeão da burocracia: nenhum outro setor requer tantos documentos ou procedimentos. O resultado da morosidade em um ambiente de juros altos é a elevação
do custo financeiro, o que onera o
preço final do imóvel.
Felizmente, o novo governo sinaliza com as esperadas mudanças no que diz respeito à política
habitacional. Exemplo disso reside no que afirmou o recém-empossado ministro das Cidades,
Olívio Dutra. Com propriedade,
ele empregou o vocábulo "holístico" para designar o processo ideal
de enfrentamento do problema.
Isso permite vislumbrar uma
política habitacional que vai muito além da simples concessão de
títulos de propriedade às habitações irregulares, mas que prioriza
condições mínimas de moradia
com qualidade.
Autoriza, ainda, acreditar que
daremos início a um novo e saudável ciclo, com governantes corajosos, tributaristas conscientes,
urbanistas inteligentes e empreendedores criativos.
Ricardo Pereira Leite é diretor do
Secovi-SP e da Tecnisa Engenharia e
Comércio Ltda.
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