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OPINIÃO ECONÔMICA
Mudanças Cambiais
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Outro dia , passando de um
canal para outro na televisão, deparei-me com uma senhora que, entrevistada em plena
rua, dizia enfaticamente: "Tenho uma mensagem para aqueles que não acreditam em nada!". Pequena pausa de efeito
dramático: "Vocês estão certos!".
Ignoro o contexto em que a frase foi dita, mas ela se aplica bastante bem ao estado de espírito
produzido em certos meios pelo
comportamento do governo Lula, particularmente na área econômico-financeira. Quem conhecia o PT e seus economistas
não esperava grande coisa. A
surpresa foi a ascensão fulminante do médico sanitarista Antonio Palocci Filho, cercado de
tecnocratas oriundos do sistema
financeiro e/ou ansiosos para desenvolver carreiras nesse sistema. A política econômica do governo ficou submetida aos preconceitos e às prioridades do establishment financeiro.
O último lance dessa turma foi
o anúncio de várias modificações
nas normas cambiais. O governo
apresentou as medidas como
parte de um mero e inofensivo
esforço de simplificação, desburocratização e aumento da eficiência da economia. E há, de fato, elementos desse tipo nas resoluções que unificaram o mercado de câmbio e estabeleceram
nova regulamentação para as
exportações.
O mais importante, entretanto,
é que elas representam um passo
adicional no sentido da liberalização cambial e dos movimentos
de capital. A decisão mais relevante é a que autoriza a compra
e a venda de moeda estrangeira e
as remessas para o exterior, de
qualquer natureza, sem limitação de valor (resolução 3.265, artigo 10).
Ao divulgar as decisões do
CMN (Conselho Monetário Nacional), o Banco Central preocupou-se em explicar que haverá
modificações no "marco normativo", mas não no marco legal
(estabelecido basicamente pela
lei 4.131/62 e pelos decretos
23.258/33 e 9.025/46). Nem poderia haver, uma vez que mudanças na legislação dependem do
Congresso. Isso significa que foram preservadas, por exemplo, a
cobertura cambial para as exportações, a proibição da compensação privada de câmbio e a
exigência de registro do capital
estrangeiro e de contratos de
câmbio para as operações cambiais.
O BC explicou, também, que
não foi alterado "na prática" o
grau de conversibilidade da
moeda nacional. A referência é
ao fato de que desde os anos 90 já
existe ampla liberdade para enviar recursos para o exterior, no
mercado de taxas flutuantes, por
meio das chamadas CC5 (contas
de não-residentes).
As mudanças no "marco normativo" por parte do Conselho
Monetário Nacional e do Banco
Central constituem, não raro,
"interpretações" ou "reinterpretações" da legislação. Representam, às vezes, tentativas de driblar a lei. A autorização das
transferências ao exterior via
CC5 foi um artifício utilizado para contornar a interpretação dominante, inclusive no BC, de que
a lei 4.131, regulamentada pelo
decreto 55.762, só autoriza remessa de capital para o exterior
mediante apresentação do registro de ingresso (decreto 55.762,
artigo 7º).
Agora a interpretação da lei é
outra. Segundo o diretor de Assuntos internacionais do Banco
Central, Alexandre Schwartsman, a mudança de interpretação representou uma "grande
evolução" da doutrina. Cabe aos
juristas e ao Congresso avaliar se
essa "grande evolução" é compatível com a lei. Ou se as mudanças programadas pelo CMN e o
BC precisam ser submetidas ao
Legislativo.
Seja como for, fica evidente que
o ministro Palocci e a sua trupe
de ortodoxos de galinheiro pretendem sacramentar e consolidar a liberalização dos fluxos de
capital. E tentarão provavelmente dar outros passos nessa direção.
O resultado desse processo de
liberalização será o aumento da
já elevada vulnerabilidade interna da conta de capitais do balanço de pagamentos. Em situações
de instabilidade e incerteza, poderão ocorrer saídas maciças de
capitais de brasileiros, pressionando a taxa de juro, a taxa de
câmbio e/ou as reservas internacionais do país.
O problema não se coloca no
curto prazo. A nossa situação
agora é de excesso de oferta de
moeda estrangeira. Mas aí é que
está: o momento é propício para
fazer exatamente o contrário do
que pretende o BC.
Para um país em desenvolvimento como o Brasil, de moeda
frágil e cronicamente vulnerável,
o recomendável seria aproveitar
circunstâncias favoráveis como
as atuais para, a partir de uma
posição de relativa força, disciplinar os movimentos de capital,
melhorar o perfil da dívida externa e aperfeiçoar os mecanismos de defesa para tempos mais
difíceis que certamente virão.
Mas já é pedir demais, reconheço.
Paulo Nogueira Batista Jr., 49, economista e professor da FGV-EAESP, escreve
às quintas-feiras nesta coluna. É autor
do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail -
pnbjr@attglobal.net
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