São Paulo, quinta-feira, 10 de março de 2005

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LUÍS NASSIF

Um abraço negro

Nessa discussão sobre racismo negro, para jogar um pouco de luz na escuridão e colocar preto no branco, recorro à excelente análise do advogado Roberto Militão, militante do movimento negro contra o racismo e a discriminação.
Diz ele que, como advogado, é contra as cotas raciais, por embasamento jurídico. Isoladamente, as cotas são inconstitucionais, por ferirem o princípio geral da isonomia. Ele não tem dúvidas de que o Supremo Tribunal Federal decretará sua inconstitucionalidade.
Porém -prossegue ele- as políticas de ação afirmativa são admitidas pela Constituição, no artigo 5º, que pela primeira vez incluiu a "igualdade" como uma das garantias individuais invioláveis.
Para ser implementada, há a necessidade de uma lei. O caminho poderia ser o projeto de lei "Estatuto da Promoção da Igualdade", do senador Paulo Paim (PT-RS). Em sua gestão na presidência da Câmara dos Deputados, João Paulo Cunha (PT-SP) não o incluiu na pauta. Militão espera que o novo presidente da Casa, Severino Cavalcanti (PP-PE), tenha mais sensibilidade "por sua própria trajetória de menor receio de confrontar o conservadorismo social".
Com sua aprovação, o direito da "não-exclusão" deixará de ser ação subjetiva e passará a se constituir em obrigação objetiva, sujeitando o não-cumprimento a punições legais. Se não existir a pré-exclusão do pai, diz Militão, não haverá necessidade de cotas para o filho. Se a mulher não for excluída, seus filhos não serão prejudicados.
Nos Estados Unidos, os maiores beneficiados por políticas de ação afirmativa são, primeiro, mulheres brancas, depois as mulheres negras, seguidas dos homens negros e dos homens brancos. Mas todos foram beneficiados, diz ele. Com base na promoção da igualdade, será admissível a adoção de cotas compensatórias, pontuais, em setores em que as exclusões persistam.
Diz ele que as "cotas isoladas" são como analgésicos que atacam os efeitos, sem destruir as causas. Para cada negro que entrar na universidade por cotas, milhares continuarão sendo excluídos no mercado de trabalho e seus filhos serão também "desigualizados".
Além disso, os beneficiários das cotas isoladas serão definitivamente marcados pelo estigma do "incapaz beneficiado", o que resulta em danos irreparáveis que acabarão atingindo até mesmo negros que não foram beneficiados.
Conclui o advogado: "Tenho pavor da frustração e da revolta que surgirão quando o STF se pronunciar quanto à constitucionalidade das cotas nas universidades, o que talvez interesse à sobrevivência de muitas ONGs".
Os filhos de Militão estudam no Colégio Salesiano - Santana, instituição filantrópica que deveria destinar 20% das 3.500 vagas a estudantes pobres da região. Em sete anos, nenhum estudante negro foi beneficiado, diz ele, mas apenas amigos que nunca são negros: filhos de "autoridades" civis, judiciárias, militares, jornalistas amigos etc., menos pobres negros. Ele está movendo uma ação judicial no Fórum de Santana, exigindo a democratização do acesso.
Como diria dona Ivone Lara, "um sorriso negro, um abraço negro, traz felicidade".


E-mail - Luisnassif@uol.com.br

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