São Paulo, sexta-feira, 10 de março de 2006

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OPINIÃO ECONÔMICA

Uma lição a aprender

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Tenho insistido nesta coluna sobre a nova natureza da integração econômica do Brasil no mundo, talvez o fato mais marcante dos últimos anos para o analista que acompanha o pulsar de nossa economia. Essa integração se deu, de forma ampla, nos canais comercial e financeiro. Na parte comercial, o dinamismo extraordinário trazido ao comércio internacional e aos preços das commodities pelo crescimento chinês elevou de forma excepcional as exportações brasileiras e gerou uma melhora em nossas condições de solvência externa.
Do lado financeiro, a integração veio pelo excesso de liquidez internacional condicionado pelo desequilíbrio comercial americano e pela política monetária no Japão. Outro fator favorável nesse campo foi a dinâmica deflacionária criada nos últimos anos pelos ganhos de produtividade na economia chinesa. Com custos de trabalho cadentes, um parque industrial com tecnologia de ponta e uma política de defesa da taxa de câmbio, a China vem contribuindo de forma importante para manter baixa a inflação mundial. Isso ocorre apesar do aumento significativo dos preços do petróleo e de outras commodities gerado pelo dinamismo de sua economia. O resultado final tem sido uma mobilização maciça de recursos financeiros para o mundo "emergente", reforçando os processos de ajuste externo e dos mercados internos de crédito desses países.
Essa nova situação de crescimento econômico mundial acelerado com inflação baixa mudou a cara da nossa economia. Em um primeiro momento, pelo crescimento vigoroso de nossas exportações; depois, pela redução do chamado risco Brasil, que ocorreu de forma concomitante com o alongamento dos prazos das operações de crédito no mercado interno. Por exemplo, pela primeira vez na nossa história o consumidor pode comprar um carro e pagar em 72 prestações fixas.
Mas essa lufada de vento externo tem sido muito mal utilizada, porque mal compreendida, pelo governo Lula. Para usar uma linguagem náutica, a equipe econômica, em vez de ajustar as velas no barco Brasil para ganhar velocidade com esses novos ventos, decidiu posicioná-las de modo a manter a baixa velocidade dos últimos 12 anos. Os timoneiros do Copom olharam para trás, anularam os efeitos do vento externo e mantiveram a economia crescendo na mesma velocidade de antes. O restante do governo tampouco serviu de bússola, pois operou a política fiscal e as iniciativas regulatórias no mercado creditício de forma inconsistente com o que deveria ser o objetivo principal: acabar com a anomalia que são os juros reais de 10% ao ano.
A decisão desta semana de manter o ritmo de redução da Selic em meio ponto percentual ao mês reforça essa política. E o resultado da produção industrial de janeiro serviu para mostrar a "eficiência" dos navegadores da política de juros no Brasil. A produção industrial de janeiro caiu 1,3% em relação a dezembro, tendo crescido apenas 3,2% em relação a janeiro de 2005 (no caso da indústria de transformação, que mais emprega, o resultado foi ainda pior, com aumento de apenas 2,7% em relação ao mesmo período). Como sempre, o discurso oficial do governo foi o de prometer o nirvana do crescimento maior para o futuro próximo: "Foi ruim em janeiro, mas vai ser muito bom nos próximos meses".
O Brasil tem hoje um crescimento medíocre, muito abaixo do dos demais países "emergentes". Esse descolamento é resultado da política do governo Lula, que deverá ser julgado por isso. Além do crescimento pífio, outros resultados negativos, embora menos visíveis, estão sendo colhidos. O pior deles é a interrupção dos investimentos em infra-estrutura, para acomodar os gastos explosivos e malfeitos do governo. Há a falsa impressão de austeridade fiscal a partir de um superávit primário elevado obtido pelo aumento de impostos, que, no entanto, não é suficiente para pagar as crescentes despesas de juros. Estamos, mais uma vez, usando o estímulo externo para financiar o consumo em detrimento dos investimentos.
A fábula da cigarra e da formiga é a imagem que me parece mais adequada para representar a situação em que vivemos. Quando chegarem os ventos gelados do inverno da economia global -e eles vão chegar em algum momento- vamos chorar o tempo que estamos perdendo.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 63, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
E-mail - lcmb2@terra.com.br


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