São Paulo, sábado, 10 de abril de 2004

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ARTIGO

Bolha pré-eleitoral de Bush faz lembrar Nixon

KENNETH ROGOFF
ESPECIAL PARA A "FOREIGN POLICY"

Qualquer eleitor alerta percebe que o presidente dos EUA, George W. Bush, está engendrando um boom econômico notável para a época das eleições. Mas antes que os economistas e analistas preocupados com a ética comecem a protestar, até que ponto o ciclo econômico manipulado por Bush pode ser considerado excessivo? E até que ponto ele se compara com o que foi feito no governo do também republicano Richard Nixon? O objetivo da engenharia econômica eleitoral é obter votos. Assim, precisamos julgar antes de tudo que presidente em final de primeiro mandato favoreceu mais os idosos, que votam em proporção mais elevada que qualquer outra faixa etária. Bush obteve aprovação para um aumento espetacular nos benefícios aos idosos, oferecendo grandes subsídios para a compra de remédios. Em 1972 Nixon levou esse tipo de manobra ao extremo, ao elevar em cerca de 20% os benefícios do seguro social. Comparar os custos das duas decisões políticas é difícil, mas minha estimativa é que os custos das duas medidas são mais ou menos iguais. A vantagem vai para Nixon, porque ele adotou, ao mesmo tempo, a indexação dos benefícios à inflação. Presidentes em busca de uma forcinha antes das eleições também podem acumular déficits elevados a fim de estimular a demanda doméstica. Os gastos elevados de Bush derivam da segurança interna e do "Iraquistão", enquanto no caso de Nixon o buraco sem fundo financeiro era ainda mais sério: o Vietnã. Ambos cortaram os impostos antes de suas campanhas. O déficit orçamentário de Nixon em 1971 e 1972 ficou em torno de 2% do PIB; o de Bush ultrapassou 4% em 2003 e provavelmente voltará a superar 4% em 2004. Vantagem: Bush. Os exportadores, na economia de Bush, também estão se beneficiando de uma queda acentuada no dólar, como aconteceu no caso de Nixon em 1972. O declínio acumulado do dólar provavelmente será ainda mais espetacular sob Bush do que sob Nixon. Mas embora o movimento tenha sido menor no governo Nixon, causou trauma muito mais grave. A depreciação só aconteceu depois do completo colapso do duradouro sistema de paridades fixas de câmbio estabelecido em 1944 pelo acordo de Bretton Woods. Assim, no caso do câmbio existe um empate: Bush pela dimensão do movimento na taxa de câmbio, e Nixon pelo drama e trauma resultantes. A seguir, consideremos a política monetária. Em teoria, o Federal Reserve (banco central) é independente. Mas basta escutar as gravações de diálogos irritados entre Nixon e Arthur Burns, presidente do Federal Reserve em seu governo, para saber que isso não é completamente verdade. Os historiadores podem debater se Nixon simplesmente intimidou o presidente do Fed ou se Burns simplesmente sucumbiu a um conhecimento insuficiente de economia. De qualquer forma, Burns certamente fez o que o presidente queria. Nos meses que antecederam a eleição de 1972, imprimiu dinheiro como se fosse a última chance de fazê-lo e causou caos na estabilidade de preços mundial, exacerbando a inflação. Bush não conseguirá superar esse feito. É verdade que o atual presidente se beneficia de uma política monetária agressiva. E, sim, se os juros continuarem assim baixos por tempo demais, a inflação pode se aquecer depois da eleição. Mas mesmo sob o pior cenário concebível, é improvável que a inflação chegue ao patamar dos dois dígitos, como nos anos 70. Enquanto a política monetária adotada por Burns era atroz, Alan Greenspan, o atual presidente do Fed, dificilmente está ameaçando uma corrida inflacionária irresponsável. Vantagem: Nixon. Em termos gerais, portanto, Nixon vence, ainda que restem a Bush oito meses de mandato. Será que essas manobras em ano eleitoral realmente dão resultado? No curto prazo, sim, porque os eleitores gostam de booms econômicos e de um governo gastador. Eles não parecem questionar por que alguém deveria recompensar um político por estimular a economia artificialmente antes das eleições, mesmo que fazê-lo possa produzir problemas sérios no longo prazo. Talvez, como os espectadores de cinema, que esperam ser manipulados emocionalmente, os eleitores apreciem um pileque eleitoral. É claro que os presidentes dos EUA não são nem de longe os únicos ou os mais intensos praticantes de manobras eleitoreiras. Ocasionalmente, os políticos resistem à tentação. Em 1979, o presidente Jimmy Carter substituiu seu espantosamente incompetente presidente do Fed, William Miller, pelo severo Paul Volcker, que ao longo dos cinco anos seguintes reverteu os danos inflacionários que Burns e Nixon haviam originado. Ao indicar Volcker, Carter prestou grande serviço ao país, mas selou seu destino como presidente de mandato único. Os eleitores americanos vão se deixar influenciar mais por uma economia robusta do que por comentaristas que não conseguem imaginar que Bush possa agir certo. Podem acreditar: como economista-chefe do FMI (Fundo Monetário Internacional) de 2001 a 2003, eu me preocupava muito com os déficits fiscal e orçamentário dos EUA -e continuo a fazê-lo. Mas, até o momento, a recuperação americana foi impressionante mesmo que tenha sido engendrada para influenciar a campanha eleitoral. A alta na economia dos EUA também ajuda a economia mundial, alimentando o crescimento na Ásia e até mesmo na Europa. Presumindo que Bush não tente superar o histórico de Nixon quanto a um ciclo econômico movido pela política, as conseqüências dos gastos exagerados do atual presidente não serão tão ruins quanto as sentidas depois da campanha eleitoral de Nixon em 1972, entre as quais inflação elevada e uma década de crescimento anêmico. Embora ninguém deva apreciar a perspectiva de uma ressaca econômica em 2005, devemos pelo menos reconhecer uma boa festa quando a testemunhamos.


Kenneth Rogoff, colaborador da revista "Foreign Policy", é professor de economia na Universidade Harvard (EUA). Foi economista-chefe do FMI (Fundo Monetário Internacional).

Tradução de Paulo Migliacci


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