São Paulo, quinta-feira, 10 de abril de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

VINICIUS TORRES FREIRE

Boletim médico: doente "estável"


Crise arrefece só na superfície. Como o FMI costuma errar muito, a boa notícia recente é o pessimismo forte do Fundo

A QUIZUMBA financeira mundial parece menor. Parece, pois o banco central americano prendeu os arruaceiros, provisoriamente. Os arruaceiros são os títulos financeiros que valem nada ou pouco. O Fed empresta dinheiro barato a bancos e leva como garantia esses papéis podres, os quais no mercado ninguém quer, te esconjuro, pé de pato, mangalô três vezes. Na prática, o Fed serve de loja de penhores para os bancos semiquebrados. Ou está fazendo seguro de graça para os negócios interbancários.
A situação da crise financeira é "estável", como dizem os médicos (estável é o doente que, mesmo à beira da morte, parou de piorar). O raro sinal positivo dos últimos dias veio do FMI, muito pessimista sobre a economia mundial. Como o Fundo dá foras homéricos, talvez tenha surgido uma luz no fim do túnel.
Aliás, pelos indicadores de negócios entre bancos (juros mais altos), o doente está para ficar instável. Junte-se a isso a evidência de recessão nos EUA, a renovada demência das commodities etc. e lá vamos nós outra vez. Para piorar, o BC brasileiro vai aumentar as taxas de juros, deteriorando as contas públicas e, provavelmente, dando um tapa na inadimplência, que estava quieta.
Faz menos de um mês, as manchetes davam conta da "derrocada" das commodities (comida, combustível, minérios). Ontem, o petróleo foi a US$ 110, o que deu outro bico para o alto no custo do milho (e de vacas e frangos. De milho se faz álcool, que sobe com o petróleo). O cobre, básico para construção civil e eletroeletrônicos, dispara, pois o consumo chinês ora sobe 30% contra 2007, e o cobreiro Chile está à beira do apagão industrial. Com o custo da energia nas alturas, o alumínio devorador de eletricidade vai pela hora da morte. O ferro está tão caro que a China e suas estatais pensam em comprar mais fatias das grandes mineradoras, para influenciar preços. Por isso tudo a Vale está doida para comprar empresas de cobre e carvão. O carvão industrial está subindo entre 100% e 200%.
Como o dólar rola na lama e as matérias-primas sobem, os investidores voltam a especular loucamente com commodities, turbinando seu preço e ainda mais a inflação. Déja vu? Velho? Até o tumulto se ajeitar ou desandar (em 2009?), é bom desconfiar de todos os vaticínios sensacionais sobre "fim da crise" e mudanças decisivas em direção de preços (para cima ou para baixo). Por falar em astrologia financeira, o dólar não iria subir contra o real? Foi a R$ 1,68 ontem.
Outra cascata foi que a "salvação" do banco Bear Stearns e a linha de crédito de centenas de bilhões de dólares do Fed tinham sido o fundo do poço. Não foram, pelo exposto acima (e o Fed não salvou o Bear, deu foi um presente para o JPMorgan, a garantia de cobrir até US$ 29 bilhões em rombos que saltem do cadáver do Bear, um baita seguro grátis). De resto, "fim da crise" para quem? Isso é propaganda de mercado financeiro. Uns tipos estão comprando alguns bons ativos na xepa e acham que isso releva o fato de que os americanos perdem empregos.
Sim, o Brasil ainda está basicamente "descolado" da crise, o que não significa imunidade. Mas o caldo azeda de modo lento, mas azeda, e o BC está para pingar limão nele.

vinit@uol.com.br


Texto Anterior: Fundo nem sempre acerta nas previsões de expansão do PIB
Próximo Texto: Combate à pobreza tem revés com alta agrícola
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.