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Trevisan critica Fundo e vê o país "proibido de crescer"
Juca Varella - 7.mai.04/Folha Imagem
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Antoninho Marmo Trevisan (esq.) discursa em sua posse na Academia Brasileira de Contabilidade, na sexta-feira; à dir., José Dirceu |
GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.
Recém-empossado presidente
da Academia Brasileira de Ciências Contábeis, o consultor Antoninho Marmo Trevisan, 54, amigo do presidente Luiz Inácio Lula
da Silva e membro do Conselho
de Desenvolvimento Econômico
e Social, defende a mudança da
forma como é feita a contabilidade pública no país.
Segundo ele, desde que, por determinação do FMI (Fundo Monetário Internacional), o investimento começou a ser contabilizado como despesa, o crescimento
do Brasil despencou de 5,7% em
média ao ano para 2%. "O Brasil
está proibido de crescer", diz.
Para o consultor, o país tem de
convencer o FMI de que precisa
seguir as regras do que determina
a ciência contábil e passar a registrar investimento como ativo, e
não como despesa. É assim, segundo ele, em todos os países. "O
FMI só aplica isso em países que
não têm contabilidade crível", diz.
Folha - Por que o sr. quer mudar a
contabilidade pública no país?
Antoninho Marmo Trevisan -
Desde que eu ocupei a Sest [Secretaria Especial de Controle das Estatais], em 87, já me incomodava
o fato de as contas públicas serem
geridas com a visão do economista. Desde aquela fase, constatei
que a maneira de registrar as contas públicas tinha deixado de ser
feita dentro dos padrões de princípios contábeis. Eu pude sentir o
problema de as empresas estatais
estarem impedidas de investir. O
que eu descobri é que essa já era
uma demanda do FMI. Nos anos
80, o então ministro Delfim Netto
usou um expediente bastante
competente para compensar a falta de crédito do Tesouro. O Tesouro obtinha recursos de empréstimos feitos pelas estatais. A
Petrobras foi o carro-chefe, mas a
Telebrás também pegou muito
dinheiro de fora na época. Nos
anos 80, o Brasil não tinha crédito,
o Tesouro brasileiro não tinha
crédito, mas as estatais tinham.
Quando descobriu isso, o FMI
impôs uma contabilidade que eu
chamo de contabilidade casuística para o Brasil. Desde então, os
investimentos públicos passaram
a ser contabilizados como despesas. A partir desse momento, o
Brasil parou de crescer.
Folha - Como assim?
Trevisan - Terminado o milagre
brasileiro, a partir do início dos
anos 80, deixamos de investir em
infra-estrutura, e o que se constata é que o crescimento do PIB baixou dos 5,7% que manteve de
1947 até o final dos anos 70 para
desprezíveis 2%. No ano passado,
Pérsio Arida, ao receber o prêmio
de Economista do Ano, fez um
desafio aos presentes: apresentar
uma proposta de crescimento.
Folha - O sr. tem uma proposta?
Trevisan - O problema do Brasil
é contábil. O Brasil está proibido
de crescer. O país está condenado,
matematicamente e contabilmente, ao não-crescimento. Imagine
se uma empresa no Brasil ou em
qualquer lugar do mundo tivesse
de lançar cada investimento que
fizesse na compra de equipamentos, máquinas ou imóveis como
despesa. O que aconteceria com o
balanço? Ela não ia ter ativos. O
patrimônio dela não existiria e ela
só apresentaria prejuízos. O problema do Brasil é que as contas
públicas estão sendo medidas de
forma errada [...] Despesa é consumo de patrimônio, investimento agrega o patrimônio.
Folha - O conceito de superávit
primário do Brasil está errado?
Trevisan - É um engodo contábil.
O superávit brasileiro, comparado com o de outros países, é uma
excrescência. É uma comparação
que não existe.
Folha - De quanto calcula que seria o superávit segundo a contabilidade que o sr. considera correta?
Trevisan - Pelas minhas contas, o
superávit seria, pelo menos, uns
três a quatro pontos maior.
Folha - Como outros países contabilizam investimentos públicos?
Trevisan - Os outros países contabilizam investimentos como
ativo, e não como passivo. E aí
vem um segundo problema. Foi
gerada no país uma cultura da incapacidade administrativa. Vou
dar um exemplo: nós passamos
um bom tempo dizendo que a Telebrás era incompetente. Eu era
membro do conselho da Telebrás
em 86, e aquilo me angustiava. O
grande problema era que a Telebrás estava impedida de investir
para atender os 20 milhões de
brasileiros que na época queriam
telefone. Veja o atraso a que o
Brasil foi submetido em decorrência de um tema que nunca discutimos. O pior é que, quando a
discussão veio, ela também veio
torta. O que os economistas dizem? Eles dizem que, se esse conceito for revisto, vai se iniciar uma
farra fiscal. Isso desqualifica a discussão. Mas eu perdôo os economistas. Eles não entendem de
contabilidade. O que quero dizer
é o seguinte. Imagine se você colocasse para gerir a Natura o tesoureiro da empresa. O que acha que
a Natura ia fazer? Não ia investir.
É o que acontece com o Brasil.
Folha - O Brasil está na mão do tesoureiro?
Trevisan - Do tesoureiro. Você
conhece algum tesoureiro no
mundo que queira fazer qualquer
investimento? Quando surgiu essa imagem de que nós éramos um
bando de incapazes e irresponsáveis, essa foi a maneira que o FMI
encontrou para controlar o país.
Só que é uma maneira que contraria os princípios contábeis. Mas o
FMI acha que somos uma república das bananas, que gasta dinheiro a rodo. O FMI acha que somos todos incompetentes, incapazes para gerir os recursos e, por
isso, não podemos crescer.
Folha -O sr. levou essa questão ao
presidente Lula?
Trevisan - Eu conversei com o
presidente no dia 28 de outubro
sobre esse assunto, e ele ficou absolutamente preocupado.
Folha - O que o sr. acha dessa
idéia do FMI de fazer um projeto piloto para o Brasil?
Trevisan - O que nós estamos
discutindo não é o projeto piloto.
Nós estamos discutindo o princípio das contas públicas apresentadas de maneira correta, porque,
da forma como elas estão, estão
incorretas. Esse projeto piloto é
algo mais ou menos como se o
FMI dissesse o seguinte: olhe, deixe-me ver se você já sabe andar
direito. O problema é eminentemente contábil. Contábil. Por que
o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso teve o problema do
apagão? Porque ele estava impedido de investir no setor elétrico.
Folha - Qual a garantia que o dinheiro das estatais irá mesmo ser
aplicado em investimentos?
Trevisan - Há um outro problema. Nós somos um país pouco
auditado. Nós fazemos auditoria
em menos de 10% dos investimentos que são feitos. Nos países
desenvolvidos, recurso público,
ainda que seja um dólar, é auditado. O Brasil não tem isso.
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