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PINGA-FOGO
Diretor da agência diz que risco da crise energética foi alertado em reuniões com o Ministério de Minas e Energia
Aneel fez plano de racionamento há um ano
GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.
O diretor-geral da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica),
José Mário Abdo, afirmou que, há
um ano, havia elaborado em conjunto com o Ministério das Minas
e Energia um plano de racionamento que só não foi aplicado em
2000 porque as chuvas superaram
as expectativas. Ele disse que uma
boa parte desse plano foi aproveitado agora pelo governo.
Abdo negou que não tivesse
alertado o governo sobre os riscos
da crise de energia. Ele disse que,
nos últimos dois anos, participou
de reuniões com o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), o então ministro das Minas e
Energia (Rodolpho Tourinho),
Eletrobrás e Petrobras, nas quais
se falava sobre as condições de
precariedade da capacidade de armazenamento dos reservatórios e
da dependência das chuvas.
De acordo com Abdo, ele não
participava de reuniões em outras
áreas do governo. Sem citar o nome de Tourinho, disse que o canal
com o governo sempre foi o Ministério das Minas e Energia, e
não a Aneel. O diretor afirmou
que a pressão que sofre desde que
a crise estourou se deve, em grande parte, a uma série de interesses
contrariados. Apesar das pressões, ele não pensa em abreviar o
seu mandato, que termina daqui a
três anos.
Folha - Por que a Aneel não previu antes a crise de energia?
José Mário Abdo - Em dezembro
de 2000, o ONS disse que a situação estava normal. Em janeiro,
confirmou essa posição. Já em fevereiro, ele disse: "Olha, está mudando". As chuvas estavam diminuindo. No dia 12 de março, as
chuvas mudaram de uma maneira crítica. Foi quando o ONS recomendou o plano de contingenciamento. Foi exatamente naquele
momento de transição de ministério. Dez dias depois, houve a
reunião com o novo ministro na
qual se discutiu o assunto, com a
presença de vários ministros e do
presidente [Fernando Henrique
Cardoso". Nessa oportunidade, a
Aneel esteve presente. Nos dois
anos anteriores, a Aneel nunca teve um canal direto com o Planalto. O nosso diálogo era com o Ministério de Minas e Energia. Naquela reunião, tomou-se a decisão
do plano de racionamento e do
plano de racionalização. O plano
de racionalização foi feito em 15
dias, sob a coordenação do Ministério de Minas e Energia. Depois,
foi constituída a câmara [o "ministério do apagão"".
Folha - A Aneel não tinha um plano de racionamento emergencial?
Abdo - Veja, esse plano de racionamento do governo de agora se
valeu de alguns trabalhos iniciais
que tinham sido feitos um ano antes como preparação para um
possível risco de racionamento.
Folha - A Aneel tinha então na gaveta um plano de racionamento
preparado há um ano?
Abdo - O MME e a Aneel, há um
ano, tinham trabalhado nisso. Já
tínhamos preparado alguns elementos do plano. Eram elementos iniciais e só não foi necessário
levar adiante em 2000 porque em
janeiro, fevereiro, março e abril,
as chuvas se comportaram normalmente. Quer dizer, com a chuva, o risco foi afastado.
Folha - Mas, se o ministério sabia
desse risco, como o governo disse
que não foi alertado antes?
Abdo - Havia, todo mês, uma
reunião gerencial coordenada pelo Ministério de Minas e Energia,
na qual participavam o ONS, a
Aneel, o ministro [Rodolpho
Tourinho", a Secretaria de Energia, a Eletrobrás e a Petrobras, e o
ONS sempre falava sobre as condições de atendimento elétrico-energético. A cada mês, o ONS
alertava sobre o risco de atendimento para o próximo ano e assim por diante. Essa situação era
simultaneamente colocada para
nós e para o ministério. Foi a partir dessas reuniões que se mobilizou para o programa prioritário
de térmicas. Precisava então viabilizar esses investimentos: a entrada do gás natural, com a conclusão do gasoduto, a definição
do preço do gás, a questão cambial e, enfim, o valor normativo. A
Aneel definiu, em tempo, o valor
normativo, que é o valor fixado
para cada fonte de energia. Na
questão de preço do gás e do risco
cambial, o Ministério das Minas e
Energia foi atrás de outras áreas
de governo para buscar uma definição, mas a definição não saiu.
Folha - A Aneel não tinha que ser
mais dura?
Abdo -Mas isso estava claro nas
reuniões gerenciais. Foi por isso
que botamos o nome de programa prioritário das termelétricas.
Folha - A culpa é do governo?
Abdo - Eu vou dizer o seguinte: à
agência cabe uma porção de coisas, só não cabe o papel de juiz, de
julgar de quem é a culpa. Eu quero
dizer que o problema foi claramente identificado e tanto o ONS
como a Aneel deixaram de forma
transparente a importância de ter
aquele programa de expansão
cumprido. A Aneel licitou novas
hidrelétricas, leiloou linhas de
transmissão para serem construídas e concedeu autorização para
mais de 30 termelétricas.
Folha - O governo chegou a dizer
que a Aneel não o alertou sobre o
problema.
Abdo - Veja, caberia à Aneel dizer a quem? Em reuniões mensais, no Ministério de Minas e
Energia, a Aneel e o ONS falavam
dos riscos. Mensais desde quando? Desde o final de 1999. A Aneel
sempre foi clara. Sempre dissemos que precisava suar a camisa.
Folha - O sr. se sente pressionado
a se demitir?
Abdo - Há muitos interesses
contrariados. Foram mais de R$
20 milhões de multas aplicadas
pela Aneel, seja a empresas privadas, seja a estatais, tanto estaduais, como federais, como no caso de Furnas. Só a Coelce, do Ceará, foi multada em R$ 6,9 milhões.
Folha - O sr. acha que está sendo
vítima desses interesses?
Abdo - Com certeza.
Folha - O sr. recebeu algum pedido do governo para sair?
Abdo - Diretamente para mim
não.
Folha - O sr. teme que a Aneel seja
responsabilizada pelo grupo de
trabalho que está estudando as
causas da crise?
Abdo - Não podemos trabalhar
com essa hipótese. A Aneel tem
sua responsabilidade, sua missão.
Cabe a ela regulamentar e fiscalizar o setor e ela não se furta a essa
obrigação. Há outras variáveis envolvidas nessa crise. Tem a questão do gás natural, há o fato de
não se ter privatizado tudo, há a
falta de recursos para as obras.
Folha - O sr. pensa em pedir demissão?
Abdo - Não paramos para pensar nisso. Nós temos que gastar o
tempo e a energia na busca de atenuar a gravidade desse momento.
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