São Paulo, domingo, 10 de junho de 2001

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PINGA-FOGO

Diretor da agência diz que risco da crise energética foi alertado em reuniões com o Ministério de Minas e Energia

Aneel fez plano de racionamento há um ano

GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.

O diretor-geral da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), José Mário Abdo, afirmou que, há um ano, havia elaborado em conjunto com o Ministério das Minas e Energia um plano de racionamento que só não foi aplicado em 2000 porque as chuvas superaram as expectativas. Ele disse que uma boa parte desse plano foi aproveitado agora pelo governo.
Abdo negou que não tivesse alertado o governo sobre os riscos da crise de energia. Ele disse que, nos últimos dois anos, participou de reuniões com o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), o então ministro das Minas e Energia (Rodolpho Tourinho), Eletrobrás e Petrobras, nas quais se falava sobre as condições de precariedade da capacidade de armazenamento dos reservatórios e da dependência das chuvas.
De acordo com Abdo, ele não participava de reuniões em outras áreas do governo. Sem citar o nome de Tourinho, disse que o canal com o governo sempre foi o Ministério das Minas e Energia, e não a Aneel. O diretor afirmou que a pressão que sofre desde que a crise estourou se deve, em grande parte, a uma série de interesses contrariados. Apesar das pressões, ele não pensa em abreviar o seu mandato, que termina daqui a três anos.

Folha - Por que a Aneel não previu antes a crise de energia?
José Mário Abdo
- Em dezembro de 2000, o ONS disse que a situação estava normal. Em janeiro, confirmou essa posição. Já em fevereiro, ele disse: "Olha, está mudando". As chuvas estavam diminuindo. No dia 12 de março, as chuvas mudaram de uma maneira crítica. Foi quando o ONS recomendou o plano de contingenciamento. Foi exatamente naquele momento de transição de ministério. Dez dias depois, houve a reunião com o novo ministro na qual se discutiu o assunto, com a presença de vários ministros e do presidente [Fernando Henrique Cardoso". Nessa oportunidade, a Aneel esteve presente. Nos dois anos anteriores, a Aneel nunca teve um canal direto com o Planalto. O nosso diálogo era com o Ministério de Minas e Energia. Naquela reunião, tomou-se a decisão do plano de racionamento e do plano de racionalização. O plano de racionalização foi feito em 15 dias, sob a coordenação do Ministério de Minas e Energia. Depois, foi constituída a câmara [o "ministério do apagão"".

Folha - A Aneel não tinha um plano de racionamento emergencial?
Abdo
- Veja, esse plano de racionamento do governo de agora se valeu de alguns trabalhos iniciais que tinham sido feitos um ano antes como preparação para um possível risco de racionamento.

Folha - A Aneel tinha então na gaveta um plano de racionamento preparado há um ano?
Abdo
- O MME e a Aneel, há um ano, tinham trabalhado nisso. Já tínhamos preparado alguns elementos do plano. Eram elementos iniciais e só não foi necessário levar adiante em 2000 porque em janeiro, fevereiro, março e abril, as chuvas se comportaram normalmente. Quer dizer, com a chuva, o risco foi afastado.

Folha - Mas, se o ministério sabia desse risco, como o governo disse que não foi alertado antes?
Abdo
- Havia, todo mês, uma reunião gerencial coordenada pelo Ministério de Minas e Energia, na qual participavam o ONS, a Aneel, o ministro [Rodolpho Tourinho", a Secretaria de Energia, a Eletrobrás e a Petrobras, e o ONS sempre falava sobre as condições de atendimento elétrico-energético. A cada mês, o ONS alertava sobre o risco de atendimento para o próximo ano e assim por diante. Essa situação era simultaneamente colocada para nós e para o ministério. Foi a partir dessas reuniões que se mobilizou para o programa prioritário de térmicas. Precisava então viabilizar esses investimentos: a entrada do gás natural, com a conclusão do gasoduto, a definição do preço do gás, a questão cambial e, enfim, o valor normativo. A Aneel definiu, em tempo, o valor normativo, que é o valor fixado para cada fonte de energia. Na questão de preço do gás e do risco cambial, o Ministério das Minas e Energia foi atrás de outras áreas de governo para buscar uma definição, mas a definição não saiu.

Folha - A Aneel não tinha que ser mais dura?
Abdo
-Mas isso estava claro nas reuniões gerenciais. Foi por isso que botamos o nome de programa prioritário das termelétricas.

Folha - A culpa é do governo?
Abdo
- Eu vou dizer o seguinte: à agência cabe uma porção de coisas, só não cabe o papel de juiz, de julgar de quem é a culpa. Eu quero dizer que o problema foi claramente identificado e tanto o ONS como a Aneel deixaram de forma transparente a importância de ter aquele programa de expansão cumprido. A Aneel licitou novas hidrelétricas, leiloou linhas de transmissão para serem construídas e concedeu autorização para mais de 30 termelétricas.

Folha - O governo chegou a dizer que a Aneel não o alertou sobre o problema.
Abdo
- Veja, caberia à Aneel dizer a quem? Em reuniões mensais, no Ministério de Minas e Energia, a Aneel e o ONS falavam dos riscos. Mensais desde quando? Desde o final de 1999. A Aneel sempre foi clara. Sempre dissemos que precisava suar a camisa.

Folha - O sr. se sente pressionado a se demitir?
Abdo
- Há muitos interesses contrariados. Foram mais de R$ 20 milhões de multas aplicadas pela Aneel, seja a empresas privadas, seja a estatais, tanto estaduais, como federais, como no caso de Furnas. Só a Coelce, do Ceará, foi multada em R$ 6,9 milhões.

Folha - O sr. acha que está sendo vítima desses interesses?
Abdo
- Com certeza.

Folha - O sr. recebeu algum pedido do governo para sair?
Abdo
- Diretamente para mim não.

Folha - O sr. teme que a Aneel seja responsabilizada pelo grupo de trabalho que está estudando as causas da crise?
Abdo
- Não podemos trabalhar com essa hipótese. A Aneel tem sua responsabilidade, sua missão. Cabe a ela regulamentar e fiscalizar o setor e ela não se furta a essa obrigação. Há outras variáveis envolvidas nessa crise. Tem a questão do gás natural, há o fato de não se ter privatizado tudo, há a falta de recursos para as obras.

Folha - O sr. pensa em pedir demissão?
Abdo
- Não paramos para pensar nisso. Nós temos que gastar o tempo e a energia na busca de atenuar a gravidade desse momento.



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