São Paulo, domingo, 10 de junho de 2001

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Tourinho faz dossiê sobre crise energética e protege FHC

FERNANDO RODRIGUES
ENVIADO ESPECIAL A SALVADOR

Enquanto seu padrinho político, o ex-senador Antonio Carlos Magalhães, ataca o presidente da República um dia sim e no outro também, o ex-ministro de Minas e Energia Rodolpho Tourinho toma outro caminho: preparou um extenso dossiê sobre a crise energética para contar uma história semelhante à divulgada pelo Palácio do Planalto.
Tourinho vai além. Em entrevista à Folha na tarde de sexta-feira, fez o que pôde para não constranger Fernando Henrique Cardoso e a equipe econômica. "Não sou político", diz o ex-ministro.
Aos 59 anos, o economista que foi ministro de Minas e Energia de janeiro de 99 a fevereiro deste ano tem opinião idêntica à de FHC: o problema maior da crise atual é a falta de chuva.
As 103 páginas de seu dossiê contêm inúmeras tabelas e gráficos que explicam em parte como o Brasil entrou na atual barafunda energética.
Não é uma história que exime FHC e sua equipe de culpa. Mas dilui a responsabilidade para todos os presidentes desde 87, ano a partir do qual houve uma queda brutal dos investimentos no setor elétrico do país.
Tourinho poupa FHC até no que considera um dos erros do atual governo -sem nunca pronunciar a palavra "erro"-, que foi não ter resolvido o problema do preço do gás para as 49 termelétricas anunciadas em fevereiro do ano passado.
O governo ficou com medo de prometer aos investidores que o preço do gás importado, em dólar, seria compensado com o reajuste nas tarifas quando houvesse desvalorização do real.
O ex-ministro diz ter recebido o apoio de Armínio Fraga (presidente do Banco Central) e de Pedro Parente (ministro da Casa Civil) na discussão do risco cambial do gás.
Sobre o presidente, diz que FHC entendia do assunto. O máximo de crítica que se permite é uma citação velada ao ministro da Fazenda, Pedro Malan: "Por que a equipe econômica demorou a ver isso?". Nada mais.
Ataque mais direto só para a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), única entidade identificada por Tourinho como frontalmente contra o regime de proteção cambial para o gás importado.
Tourinho diz não guardar mágoa do presidente da República. Mesmo depois de ter sido demitido de forma humilhante, por meio de uma nota distribuída à imprensa, ainda produziu um dossiê que poderia ser muito útil ao governo nas explicações sobre a crise energética. Pelo menos, tem mais informações nessas 103 páginas do que em todas as declarações dos integrantes do "ministério do apagão".
A seguir, os principais trechos da entrevista do ex-ministro:

Folha - O sr. já disse que avisou o presidente da República sobre o risco de crise. Por que ele diz ter sido surpreendido?
Rodolpho Tourinho -
Eu separaria duas coisas. A crise estrutural era conhecida de todos. Já os dados sobre os reservatórios preparados pelo ONS [Operador Nacional do Sistema Elétrico" não continham ainda em dezembro de 2000 informações específicas sobre a crise que estava para começar. E é inegável que o nível das chuvas deste ano é o mais baixo dos últimos 70 anos.

Folha - O plano de construir 49 termelétricas e gerar até 12 mil MW novos empacou por causa da falta de solução para o risco cambial do preço do gás. Por que esse assunto demorou tanto para ser solucionado?
Tourinho -
Era uma questão política. A Aneel estava contra. Entidades empresarias estavam contra também.

Folha - Quem era a favor e quem era contra a adoção da correção cambial?
Tourinho -
Eu era a favor. Era a única saída que dispúnhamos para suprir o país com energia no curto prazo, recuperando o déficit acumulado no passado recente. Eu sempre disse que o programa das termelétricas era apenas uma ponte até que o Brasil resolvesse o "gap" existente entre oferta e demanda.

Folha - Sim, mas quem no governo foi contra oferecer a correção cambial?
Tourinho -
A Aneel era contra. Mas não havia uma pessoa ou outra entidade específica contrária. O problema era mesmo político. O ministro da Casa Civil, Pedro Parente, era a favor. O presidente do Banco Central, Armínio Fraga, era a favor.

Folha - Mas e o presidente? E o ministro da Fazenda?
Tourinho -
Nas reuniões, ninguém era contra. Havia apenas dois problemas que precisavam ser resolvidos. Um deles era o político. O outro era o Plano Real, que impedia a indexação em dólar.

Folha - E houve alguma solução proposta?
Tourinho -
Depois de muita discussão, os investidores concordaram em não receber o reajuste trimestral. Ficou tudo para o que se chama de "tracking account", que é a forma de carregar o custo de uma eventual desvalorização e fazer um acerto ao final de cada ano.

Folha - No seu dossiê sobre a crise de energia elétrica, o sr. relata que houve uma reunião de investidores com o presidente da República no dia 4 de julho do ano passado. Ali, ficou mais ou menos tudo acertado. O presidente da República não tomou providências depois dessa reunião?
Tourinho -
O presidente tinha conhecimento do assunto, mas o que aconteceu é que havia apenas uma proposta a ser encaminhada. O problema não estava superado. Talvez por problemas políticos. Havia ainda divergências dentro do governo.

Folha - O sr. poderia explicitar essas divergências?
Tourinho -
Não posso identificar exatamente quem era contra ou a favor. Mas as medidas não saíram. Acho que acabaram politizadas. Apareceu nos jornais como dolarização de tarifa.

Folha - E não era dolarização?
Tourinho -
Em parte. Você teria uma parcela muito pequena, apenas na conta de uma distribuidora que comprasse energia de uma termelétrica. Como a imensa parte da energia produzida no país é hidráulica, o impacto seria pequeno. Num cálculo em que houvesse desvalorização cambial de 10% num ano, o impacto seria de apenas 1% a 2% na tarifa do ano seguinte.

Folha - O presidente FHC disse que a capacidade de geração do país aumentou, em média, 3.100 MW por ano desde 95. Os números do seu dossiê são diferentes. Por quê?
Tourinho -
Não sei. De 95 para cá houve um aumento médio anual de aproximadamente 2.500 MW na capacidade de geração. Pouco para a necessidade do país. Mas isso não é o mais grave. O problema é que o pico foi nos últimos dois anos. Nos anos anteriores, de 1995 a 1998, houve um déficit grande acumulado, com um aumento sempre apenas entre 1.000 e 2.000 MW.



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