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Tourinho faz dossiê sobre crise energética e protege FHC
FERNANDO RODRIGUES
ENVIADO ESPECIAL A SALVADOR
Enquanto seu padrinho político, o ex-senador Antonio Carlos
Magalhães, ataca o presidente da
República um dia sim e no outro
também, o ex-ministro de Minas
e Energia Rodolpho Tourinho toma outro caminho: preparou um
extenso dossiê sobre a crise energética para contar uma história
semelhante à divulgada pelo Palácio do Planalto.
Tourinho vai além. Em entrevista à Folha na tarde de sexta-feira, fez o que pôde para não constranger Fernando Henrique Cardoso e a equipe econômica. "Não
sou político", diz o ex-ministro.
Aos 59 anos, o economista que
foi ministro de Minas e Energia de
janeiro de 99 a fevereiro deste ano
tem opinião idêntica à de FHC: o
problema maior da crise atual é a
falta de chuva.
As 103 páginas de seu dossiê
contêm inúmeras tabelas e gráficos que explicam em parte como
o Brasil entrou na atual barafunda
energética.
Não é uma história que exime
FHC e sua equipe de culpa. Mas
dilui a responsabilidade para todos os presidentes desde 87, ano a
partir do qual houve uma queda
brutal dos investimentos no setor
elétrico do país.
Tourinho poupa FHC até no
que considera um dos erros do
atual governo -sem nunca pronunciar a palavra "erro"-, que
foi não ter resolvido o problema
do preço do gás para as 49 termelétricas anunciadas em fevereiro
do ano passado.
O governo ficou com medo de
prometer aos investidores que o
preço do gás importado, em dólar, seria compensado com o reajuste nas tarifas quando houvesse
desvalorização do real.
O ex-ministro diz ter recebido o
apoio de Armínio Fraga (presidente do Banco Central) e de Pedro Parente (ministro da Casa Civil) na discussão do risco cambial
do gás.
Sobre o presidente, diz que FHC
entendia do assunto. O máximo
de crítica que se permite é uma citação velada ao ministro da Fazenda, Pedro Malan: "Por que a
equipe econômica demorou a ver
isso?". Nada mais.
Ataque mais direto só para a
Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), única entidade identificada por Tourinho como frontalmente contra o regime de proteção cambial para o gás importado.
Tourinho diz não guardar mágoa do presidente da República.
Mesmo depois de ter sido demitido de forma humilhante, por
meio de uma nota distribuída à
imprensa, ainda produziu um
dossiê que poderia ser muito útil
ao governo nas explicações sobre
a crise energética. Pelo menos,
tem mais informações nessas 103
páginas do que em todas as declarações dos integrantes do "ministério do apagão".
A seguir, os principais trechos
da entrevista do ex-ministro:
Folha - O sr. já disse que avisou o
presidente da República sobre o
risco de crise. Por que ele diz ter sido surpreendido?
Rodolpho Tourinho - Eu separaria duas coisas. A crise estrutural
era conhecida de todos. Já os dados sobre os reservatórios preparados pelo ONS [Operador Nacional do Sistema Elétrico" não
continham ainda em dezembro
de 2000 informações específicas
sobre a crise que estava para começar. E é inegável que o nível das
chuvas deste ano é o mais baixo
dos últimos 70 anos.
Folha - O plano de construir 49
termelétricas e gerar até 12 mil
MW novos empacou por causa da
falta de solução para o risco cambial do preço do gás. Por que esse
assunto demorou tanto para ser solucionado?
Tourinho - Era uma questão política. A Aneel estava contra. Entidades empresarias estavam contra também.
Folha - Quem era a favor e quem
era contra a adoção da correção
cambial?
Tourinho - Eu era a favor. Era a
única saída que dispúnhamos para suprir o país com energia no
curto prazo, recuperando o déficit
acumulado no passado recente.
Eu sempre disse que o programa
das termelétricas era apenas uma
ponte até que o Brasil resolvesse o
"gap" existente entre oferta e demanda.
Folha - Sim, mas quem no governo foi contra oferecer a correção
cambial?
Tourinho - A Aneel era contra.
Mas não havia uma pessoa ou outra entidade específica contrária.
O problema era mesmo político.
O ministro da Casa Civil, Pedro
Parente, era a favor. O presidente
do Banco Central, Armínio Fraga,
era a favor.
Folha - Mas e o presidente? E o
ministro da Fazenda?
Tourinho - Nas reuniões, ninguém era contra. Havia apenas
dois problemas que precisavam
ser resolvidos. Um deles era o político. O outro era o Plano Real,
que impedia a indexação em dólar.
Folha - E houve alguma solução
proposta?
Tourinho - Depois de muita discussão, os investidores concordaram em não receber o reajuste trimestral. Ficou tudo para o que se
chama de "tracking account", que
é a forma de carregar o custo de
uma eventual desvalorização e fazer um acerto ao final de cada
ano.
Folha - No seu dossiê sobre a crise
de energia elétrica, o sr. relata que
houve uma reunião de investidores
com o presidente da República no
dia 4 de julho do ano passado. Ali,
ficou mais ou menos tudo acertado. O presidente da República não
tomou providências depois dessa
reunião?
Tourinho - O presidente tinha
conhecimento do assunto, mas o
que aconteceu é que havia apenas
uma proposta a ser encaminhada.
O problema não estava superado.
Talvez por problemas políticos.
Havia ainda divergências dentro
do governo.
Folha - O sr. poderia explicitar essas divergências?
Tourinho - Não posso identificar
exatamente quem era contra ou a
favor. Mas as medidas não saíram. Acho que acabaram politizadas. Apareceu nos jornais como
dolarização de tarifa.
Folha - E não era dolarização?
Tourinho - Em parte. Você teria
uma parcela muito pequena, apenas na conta de uma distribuidora que comprasse energia de uma
termelétrica. Como a imensa parte da energia produzida no país é
hidráulica, o impacto seria pequeno. Num cálculo em que houvesse
desvalorização cambial de 10%
num ano, o impacto seria de apenas 1% a 2% na tarifa do ano seguinte.
Folha - O presidente FHC disse
que a capacidade de geração do
país aumentou, em média, 3.100
MW por ano desde 95. Os números
do seu dossiê são diferentes. Por
quê?
Tourinho - Não sei. De 95 para cá
houve um aumento médio anual
de aproximadamente 2.500 MW
na capacidade de geração. Pouco
para a necessidade do país. Mas
isso não é o mais grave. O problema é que o pico foi nos últimos
dois anos. Nos anos anteriores, de
1995 a 1998, houve um déficit
grande acumulado, com um aumento sempre apenas entre 1.000
e 2.000 MW.
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