São Paulo, sábado, 10 de junho de 2006

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GESNER OLIVEIRA

"Crepúsculo de jogo"

O Brasil teve o melhor ambiente externo para crescer nos últimos três anos, mas os ventos mudaram

EXCESSO de otimismo é um perigo tanto em Copa do Mundo quanto em economia. Ainda bem que o Parreira sabe disso. O mesmo não pode ser dito em relação ao Copom (Comitê de Política Monetária), que divulgou a ata de sua última reunião na quinta-feira. O "cenário benigno" traçado na ata do Copom é excessivamente otimista. A julgar pelo documento, a economia estaria pronta para crescer de forma equilibrada. Em vez da linguagem cifrada da política monetária, faltou dizer "abrem-se as cortinas e começa o espetáculo", na expressão conhecida de gerações de torcedores que se sentem órfãos de Fiori Giglioti. O excesso de otimismo do Copom reside em três pontos. Em primeiro lugar, segundo a ata do Copom, "a instabilidade da economia mundial não configura um quadro de crise tanto devido ao caráter transitório de suas causas principais quanto graças aos sólidos fundamentos da economia brasileira". A maior volatilidade do mercado externo seria, portanto, fenômeno passageiro, não representando uma mudança de qualidade no cenário mundial. Tal leitura do quadro internacional subestima dois aspectos-chave. De um lado, a reorientação simultânea das políticas monetárias dos países desenvolvidos em direção à elevação das taxas de juros. O período de dinheiro extremamente barato no mundo terminou. De outro, o desequilíbrio de balanço de pagamentos nos Estados Unidos chegou a um ponto insustentável. O déficit em transações correntes representa quase 7% do PIB (Produto Interno Bruto) daquele país. E nada garante que o ajuste será suave. Em segundo lugar, não é razoável supor que o país esteja definitivamente blindado contra cenários adversos pelos "sólidos fundamentos da economia brasileira". Essa expressão genérica exprime uma melhora real que ocorreu com os indicadores externos e de solvência em razão da bonança externa e conseqüente redução da percepção de risco por parte de investidores externos. Tal fenômeno ocorreu em diferentes graus em praticamente todas as economias emergentes. Entretanto, os "fundamentos" não podem ser considerados satisfatórios quando se considera a explosão de gastos correntes do governo que ocorreu nos últimos anos; e a contenção, ou quase zeragem, do investimento público. Some a isso o total abandono da infra-estrutura e a conseqüente elevação do chamado "custo Brasil". Em terceiro lugar, a ata do Copom continua ignorando qualquer tipo de constrangimento ao desempenho de médio prazo do setor externo. Segundo o texto, "em relação ao desempenho do comércio exterior, a balança comercial continua apresentando um desempenho robusto em 2006, corroborando avaliações expressas em notas de reuniões anteriores do Copom acerca de mudanças estruturais importantes no relacionamento comercial do Brasil com o resto do mundo". De acordo com tal entendimento, teria havido uma mudança na taxa de câmbio de equilíbrio da economia. O Brasil teria diversificado produtos e mercados e aumentado a produtividade relativamente ao resto do mundo. Ainda segundo essa leitura otimista, residiria nesse ponto a razão pela qual a taxa de câmbio teria apreciado rapidamente, e não em um erro de dosagem na elevação de taxa de juros em 2003/ 04. O problema é que não parece ser esse o caso brasileiro. Não há evidência de aumento do número de exportadores nem de continuidade de diversificação de produto e de mercados. Na realidade, a diversificação de produtos nem sequer ocorreu de forma mais pronunciada, e os pequenos ganhos obtidos já foram revertidos. Mais grave ainda, as evidências indicam redução da produtividade relativamente ao resto do mundo, e não o contrário. Isso não deveria causar surpresa diante de tanta negligência com a infra-estrutura e a políticas de inovação e competitividade. Embora não tenha aproveitado bem, o Brasil teve o melhor ambiente externo para crescer nos últimos três anos. Mas os ventos mudaram. É "crepúsculo de jogo", para lembrar uma vez mais o mestre Fiori. Mas o leitor não precisa se preocupar tanto em relação à amanhã. A seleção não é obrigada a seguir o diagnóstico do Copom.


GESNER OLIVEIRA , 50, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, presidente do Instituto Tendências de Direito e Economia e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
@ - gesner@fgvsp.br


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