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OPERAÇÃO SOJA
Receita quer cobrar ao menos R$ 2 bi de grandes empresas por suposto esquema de exportação fictícia de grão
Polícia investiga beneficiadas por crédito fiscal
CLAUDIA ROLLI
FÁTIMA FERNANDES
DA REPORTAGEM LOCAL
Uma força-tarefa formada por
auditores fiscais, policiais civis e
promotores de São Paulo e Mato
Grosso concluiu que Casas Pernambucanas, Pão de Açúcar, Tigre (tubos e conexões), Suco Del
Valle, Adria, Lua Nova (Panco),
Ficap, Arc Sul (produtos químicos) e Beraca Sabará (produtos
químicos) se beneficiaram de um
suposto esquema de exportação
fictícia de óleo e farelo de soja
-montado por consultorias tributárias- para oferecer às empresas vantagens fiscais.
Procuradas pela Folha, algumas
das empresas informaram que
não sabiam que as exportações
eram falsas nem tinham conhecimento de que havia investigação
sobre o caso (leia à pág. B4).
A Folha revelou no último domingo que a Receita Federal e a
Secretaria da Fazenda do Estado
de São Paulo vão cobrar dessas
empresas, a partir de agosto, pelo
menos R$ 2 bilhões em tributos
federais e estaduais. Nesse valor,
estão incluídos impostos não-recolhidos, multas e juros.
Ao comprar a soja de outro Estado para exportar, a empresa se
apropria de um crédito fiscal que
dá direito a descontos nos impostos que têm a pagar. No caso do
ICMS, o crédito é de 12%. Na Cofins, de 7,6%, e no PIS, de 1,65%.
As empresas citadas nas investigações como beneficiadas pela
exportação fictícia são -até o
momento- apenas devedoras
do fisco. A Polícia Civil abriu inquérito em janeiro deste ano para
verificar se houve ou não a participação das empresas beneficiadas com créditos fiscais no suposto esquema de exportação fictícia
-se sabiam ou não que parte das
operações era falsa.
A reportagem da Folha teve
acesso a documentos da força-tarefa que mostram que quatro
consultorias venderam às empresas beneficiadas um "pacote tributário" para gerar créditos de
ICMS, IPI, PIS e Cofins.
Se a exportação tivesse ocorrido
de fato, não haveria ilegalidade.
Uma empresa de varejo pode exportar soja desde que isso conste
em seu contrato social. Só que, segundo as investigações, as exportações só ocorreram no papel.
Pacote exportador
Relatórios da força-tarefa mostram que as consultorias "vendiam" um modelo de exportação
que envolvia empresas fornecedoras de soja, esmagadoras do
produto e exportadoras (tradings) -algumas dessas empresas tinham vida curta: nasciam e
morriam de acordo com a conveniência do esquema.
Entre as fornecedoras de grãos
acusadas de participar do esquema, estão a Centúria, em Rondonópolis (MT), já fechada, e a Santa
Cruz, em Cuiabá (MT), de fachada. As empresas esmagadoras do
produto são a Rubi, em Osasco, e
a Sperafico da Amazônia, em
Cuiabá. As tradings -exportadoras dos produtos- são a Axis, em
Amparo (SP), e a Carnop (PR).
Para realizar a exportação fictícia, segundo relatórios das investigações, a trading envolvida no
esquema parte de uma exportação verdadeira. As notas "reais"
(emitidas para uma empresa exportadora de soja para qual a empresa trabalha regularmente) são
clonadas a fim de simular a exportação fictícia. Ao cliente (que
comprou o pacote da consultoria)
são entregues todos os comprovantes que dão direito aos créditos fiscais. Os auditores chegaram
a encontrar até duas notas frias a
partir de uma verdadeira.
Auditores informam que, para
dar mais veracidade à operação e
dificultar o trabalho da fiscalização, uma parte das exportações
era legal. Isto é, ocorria de fato.
Uma das consultorias acusadas
de ter montado esse esquema de
exportação fraudulenta é a Master
Consultoria Tributária S/C Ltda.,
como citam relatórios das investigações de fiscais e promotores aos
quais a Folha teve acesso. A Master pertence ao advogado Adauto
Kiyota, ex-presidente da Federação Paulista de Golfe. Outras consultorias acusadas são a GlobalBank Consulting Ltda., de propriedade de Pedro Paulo Leoni
Ramos (ex-secretário de Assuntos Estratégicos do governo Collor, conhecido como PP), e a Lógica Administração de Serviços, de
propriedade de Milton Molinari
Morete (ex-diretor do INSS no
governo Collor).
Notas frias
As investigações da força-tarefa
se basearam em notas fiscais frias
apreendidas a partir de setembro
de 2004 em empresas acusadas de
participar do esquema -a Santa
Cruz, a Rubi, a Axis, a Centúria, a
Canorp e a Sperafico. O valor dessas notas já ultrapassa R$ 1,5 bilhão, segundo informa Mauro Zaque de Jesus, promotor do Grupo
de Atuação Especial Contra o Crime Organizado em Mato Grosso.
"É um esquema muito bem
montado, estruturado, com capacidade de movimentação financeira gigantesca. É, sem dúvida,
um dos maiores esquemas de sonegação que já existiram no país",
afirma Zaque de Jesus.
O que mais chamou a atenção
dos fiscais e promotores que investigam a chamada "operação
soja" foi: 1) a exportação de derivados de soja não tinha nenhum
vínculo com a atividade principal
dessas empresas -especialmente
as redes varejistas; e 2) a cotação
de derivados da soja para a exportação era quase o dobro do preço
real da época -indício de operação fraudulenta com preços superfaturados.
"Sob esse esquema se oculta sofisticada engenharia financeira
destinada não apenas a gerar créditos de ICMS, IPI, PIS e Cofins.
Mas reflexos em termos de redução de Imposto de Renda [IRPJ]
como resultado de suposto prejuízo comercial (...) Pelo menos a
partir de maio de 2004, a venda de
farelo e óleo bruto de soja à empresa exportadora invariavelmente se faz por preço inferior ao
da aquisição de grãos", segundo
relatório de janeiro deste ano feito
pela Deat (Diretoria Executiva da
Administração Tributária) da Secretaria Estadual da Fazenda.
O que também chamou a atenção no esquema dessas exportações foi que o preço do grão chegava a custar mais que o produto
beneficiado (farelo e óleo de soja).
Com essa operação "deficitária",
as empresas declaravam prejuízos
em seus balanços, o que permitia
o pagamento de menos Imposto
de Renda, segundo a Folha apurou com auditores fiscais.
Economia de impostos
De dezembro de 2003 a outubro
de 2004, a Santa Cruz vendeu grão
de soja para empresas de três Estados -São Paulo, Minas Gerais
e Santa Catarina- no valor de
cerca de R$ 512 milhões, o que
rendeu créditos só de ICMS de R$
61,4 milhões, segundo relatório ao
qual a Folha teve acesso. Os números saíram de 23.788 notas
emitidas pela empresa Santa Cruz
nesse período. Em maio, esse valor já superava os R$ 600 milhões.
Entre as milhares de notas
apreendidas pela fiscalização, os
auditores identificaram que a empresa Arthur Lundgren Tecidos
S.A. (Casas Pernambucanas)
comprou da Santa Cruz, filial do
Distrito Federal, só no dia 24 de
junho de 2003, pelo menos 21 mil
toneladas de soja por R$ 17,43 milhões em 14 notas fiscais, segundo
documentos aos quais a Folha teve acesso. Com essa compra, a rede de lojas obteve uma economia
de R$ 2,1 milhões (créditos fiscais)
no pagamento de ICMS - em
operações feitas em um só dia.
A Companhia Brasileira de Distribuição (Pão de Açúcar) já adquiriu R$ 5,368 milhões em soja,
segundo notas fiscais emitidas em
quatro dias de 2004, que estão em
poder da força-tarefa. Em períodos diversos no ano passado, a
Adria comprou R$ 2,07 milhões; a
Tigre, R$ 16,7 milhões, e a Suco
Del Valle, R$ 1,01 milhão. Procurada pela Folha, a Secretaria da
Fazenda do Estado de São Paulo
se recusou a falar com a reportagem por causa do sigilo fiscal.
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