São Paulo, Sábado, 10 de Julho de 1999
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LUÍS NASSIF

O custo da Ford na Bahia

A descentralização do desenvolvimento brasileiro é uma das exigências para um crescimento mais equilibrado no futuro. Em princípio a instalação de uma fábrica da Ford na Bahia representaria passo importante nessa direção -como anotado na coluna de quinta-feira. Mas a discussão é mais complexa do que a simples decisão em si. No outro prato há que colocar o custo dos subsídios (que serão bancados por todo o país) e as implicações sobre os acordos comerciais brasileiros.
No período 91/92, a Argentina criou um regime automotivo bloqueando as importações de automóveis, sujeitando-as a cotas, contrapartidas de exportações etc. No Acordo de Ouro Preto, os negociadores brasileiros -o então ministro da Fazenda, Ciro Gomes, e o economista Winston Fritsch- aceitaram que esse regime fosse incorporado ao Mercosul. De sua parte, além de não impor nenhuma restrição à Argentina, o país sobrevalorizou o câmbio e reduziu a alíquota de importação de 35% para 20%, numa sequência de ações desastradas, com repercussões perigosas sobre o balanço de pagamentos.
Quando teve início o governo FHC, as importações de automóveis cresciam de maneira vertiginosa e montadoras, como a Ford, ameaçavam abandonar o país. Para reagir a esse desequilíbrio, o governo brasileiro decidiu criar seu próprio regime automotriz. O regime estabeleceu cotas de importação e tarifas diferenciadas (declinantes ao longo do tempo), de 70% para importações em geral e 35% para a montadora que aderisse ao regime. Permitia ainda que as importações incentivadas ocorressem durante a fase de investimentos.

A MP baiana
Em 1996, a bancada e o governo baianos conseguiram do governo federal uma medida provisória especial para o Norte-Nordeste, criando um outro regime automotriz. Posteriormente, essa MP virou a lei nº 9.440, de março de 1997. A base da pressão foi a ameaça de derrubar o regime automotriz. O novo regime visava basicamente facilitar a instalação da Asia Motors na Bahia -que acabou importando 200 mil veículos sob as condições do contrato, e não realizando os investimentos. O prazo limite do regime Norte-Nordeste era maio de 1997, em razão de prazos do Mercosul e da OMC.
Aí surge o episódio Ford-Bahia. Numa ação fulminante de ACM com o deputado carioca Ronaldo César Coelho, o Congresso acabou aprovando uma extensão do regime Norte-Nordeste, para viabilizar a instalação da Ford na Bahia. Ao mesmo tempo alterou o regime da MP de 1996, tornando-o mais favorável ainda. As diferenças entre os dois regimes são amplas:
1) No regime de 1995 o imposto de importação seria reduzido em 85% em 1995, 70% em 1996, 55% em 1997 e 40% em 1998/ 1999. No regime Ford-Bahia a redução é de 50% para as tarifas e de 100% para o IPI (um imposto federal) durante dez anos na aquisição de bens de capital. Para insumos, a redução será de 50% do imposto de importações e de 25% do IPI por dez anos.
2) No regime de 1995, a importação de veículos pelas montadoras teria uma redução tarifária de 50% até 31 de dezembro de 1999. Pelo regime Ford-Bahia é de 50% até 2009.
3) No regime de 1995, paga-se IOF e Imposto de Renda. No regime Ford-Bahia, há isenção de ambos.
4) No regime de 1995, paga-se PIS/Cofins. No Ford-Bahia não é pago duas vezes, ou seja, gera um crédito do IPI equivalente ao dobro do montante devido.
5) O regime de 1995 fixava exigência de performance de exportação e de conteúdo nacional. O regime Ford-Bahia não estipula nenhuma exigência nesse sentido nem de geração de empregos.
Apenas o subsídio fiscal equivalente ao dobro do PIS/Cofins ascenderá a R$ 275 milhões por ano. A isenção do ICMS, outros R$ 600 milhões por ano, sem contar os demais impostos.

Temores
Os temores dos críticos são de diversas ordens. O primeiro, é que instituiu-se uma Zona Franca de importação na Bahia e -caso único- para uma empresa específica e uma planta específica, com um produto determinado. Há o temor de que, após 2009, se prorroguem as vantagens, tornando os benefícios eternos, como os da Zona Franca. O precedente baiano será invocado por outros Estados, para obter concessões fiscais, em um momento em que a crise fiscal brasileira é aguda.
Há analistas que sustentam que vai haver problemas com a OMC, pois ela admite incentivos regionais, mas não incentivos setoriais. A geração de empregos prevista é irrisória -R$ 320 mil por posto de trabalho criado.
Os pontos centrais de discussão, que terão que ser esclarecidos pela Ford e pelo governo baiano, para legitimar a proposta, são os seguintes: 1) Qual a garantia expressa de que em dez anos a fábrica ganhará competitividade, a ponto de abrir mão dos incentivos? 2) Se a Ford alega que terá que aumentar as exportações, para garantir escala para a fábrica, por que não formaliza essa intenção em um acordo com o governo? 3) Qual a garantia de que a aprovação dessa lei não deflagrará um segundo tempo da guerra fiscal, mais daninho ainda que o que houve até agora?
É uma discussão que necessita ser muito aprofundada.

E-mail: lnassif@uol.com.br


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