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LUÍS NASSIF
O custo da Ford na Bahia
A descentralização do desenvolvimento brasileiro é uma das
exigências para um crescimento
mais equilibrado no futuro. Em
princípio a instalação de uma
fábrica da Ford na Bahia representaria passo importante nessa
direção -como anotado na coluna de quinta-feira. Mas a discussão é mais complexa do que a
simples decisão em si. No outro
prato há que colocar o custo dos
subsídios (que serão bancados
por todo o país) e as implicações
sobre os acordos comerciais brasileiros.
No período 91/92, a Argentina
criou um regime automotivo
bloqueando as importações de
automóveis, sujeitando-as a cotas, contrapartidas de exportações etc. No Acordo de Ouro Preto, os negociadores brasileiros
-o então ministro da Fazenda,
Ciro Gomes, e o economista
Winston Fritsch- aceitaram
que esse regime fosse incorporado ao Mercosul. De sua parte,
além de não impor nenhuma
restrição à Argentina, o país sobrevalorizou o câmbio e reduziu
a alíquota de importação de
35% para 20%, numa sequência
de ações desastradas, com repercussões perigosas sobre o balanço de pagamentos.
Quando teve início o governo
FHC, as importações de automóveis cresciam de maneira vertiginosa e montadoras, como a
Ford, ameaçavam abandonar o
país. Para reagir a esse desequilíbrio, o governo brasileiro decidiu
criar seu próprio regime automotriz. O regime estabeleceu cotas de importação e tarifas diferenciadas (declinantes ao longo
do tempo), de 70% para importações em geral e 35% para a
montadora que aderisse ao regime. Permitia ainda que as importações incentivadas ocorressem durante a fase de investimentos.
A MP baiana
Em 1996, a bancada e o governo baianos conseguiram do governo federal uma medida provisória especial para o Norte-Nordeste, criando um outro regime automotriz. Posteriormente, essa MP virou a lei nº 9.440,
de março de 1997. A base da
pressão foi a ameaça de derrubar o regime automotriz. O novo
regime visava basicamente facilitar a instalação da Asia Motors na Bahia -que acabou importando 200 mil veículos sob as
condições do contrato, e não
realizando os investimentos. O
prazo limite do regime Norte-Nordeste era maio de 1997, em
razão de prazos do Mercosul e
da OMC.
Aí surge o episódio Ford-Bahia. Numa ação fulminante de
ACM com o deputado carioca
Ronaldo César Coelho, o Congresso acabou aprovando uma
extensão do regime Norte-Nordeste, para viabilizar a instalação da Ford na Bahia. Ao mesmo tempo alterou o regime da
MP de 1996, tornando-o mais
favorável ainda. As diferenças
entre os dois regimes são amplas:
1) No regime de 1995 o imposto
de importação seria reduzido
em 85% em 1995, 70% em 1996,
55% em 1997 e 40% em 1998/
1999. No regime Ford-Bahia a
redução é de 50% para as tarifas
e de 100% para o IPI (um imposto federal) durante dez anos na
aquisição de bens de capital. Para insumos, a redução será de
50% do imposto de importações
e de 25% do IPI por dez anos.
2) No regime de 1995, a importação de veículos pelas montadoras teria uma redução tarifária de 50% até 31 de dezembro
de 1999. Pelo regime Ford-Bahia
é de 50% até 2009.
3) No regime de 1995, paga-se
IOF e Imposto de Renda. No regime Ford-Bahia, há isenção de
ambos.
4) No regime de 1995, paga-se
PIS/Cofins. No Ford-Bahia não é
pago duas vezes, ou seja, gera
um crédito do IPI equivalente
ao dobro do montante devido.
5) O regime de 1995 fixava exigência de performance de exportação e de conteúdo nacional. O
regime Ford-Bahia não estipula
nenhuma exigência nesse sentido nem de geração de empregos.
Apenas o subsídio fiscal equivalente ao dobro do PIS/Cofins
ascenderá a R$ 275 milhões por
ano. A isenção do ICMS, outros
R$ 600 milhões por ano, sem
contar os demais impostos.
Temores
Os temores dos críticos são de
diversas ordens. O primeiro, é
que instituiu-se uma Zona
Franca de importação na Bahia
e -caso único- para uma empresa específica e uma planta específica, com um produto determinado. Há o temor de que,
após 2009, se prorroguem as
vantagens, tornando os benefícios eternos, como os da Zona
Franca. O precedente baiano será invocado por outros Estados,
para obter concessões fiscais, em
um momento em que a crise fiscal brasileira é aguda.
Há analistas que sustentam
que vai haver problemas com a
OMC, pois ela admite incentivos
regionais, mas não incentivos
setoriais. A geração de empregos
prevista é irrisória -R$ 320 mil
por posto de trabalho criado.
Os pontos centrais de discussão, que terão que ser esclarecidos pela Ford e pelo governo
baiano, para legitimar a proposta, são os seguintes: 1) Qual a garantia expressa de que em dez
anos a fábrica ganhará competitividade, a ponto de abrir mão
dos incentivos? 2) Se a Ford alega que terá que aumentar as exportações, para garantir escala
para a fábrica, por que não formaliza essa intenção em um
acordo com o governo? 3) Qual a
garantia de que a aprovação
dessa lei não deflagrará um segundo tempo da guerra fiscal,
mais daninho ainda que o que
houve até agora?
É uma discussão que necessita
ser muito aprofundada.
E-mail: lnassif@uol.com.br
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