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OPINIÃO ECONÔMICA
Só os incendiários podem ser contra o acordo
GESNER OLIVEIRA
O catastrofismo sofreu uma derrota nesta semana
em que o dólar e o risco Brasil caíram e a Bolsa de Valores subiu,
na quinta-feira, depois do anúncio do novo acordo com o FMI
(Fundo Monetário Internacional). A boataria e as oscilações de
ontem não desmentem o fato
mais importante: o acerto com o
FMI dará melhores condições para o país enfrentar a turbulência.
A oportunidade do acordo é evidente. O Brasil tem sido vítima de
uma combinação perversa de incertezas nos planos externo e interno.
Ao contrário da sucessão de crises dos anos 90 -México, Ásia,
Rússia-, a origem do problema
não reside, desta vez, apenas na
periferia do sistema. A revelação
das fraudes contábeis de grandes
empresas como a Enron e a
WorldCom abalaram a confiança dos investidores em meio a dúvidas preexistentes quanto à falta
de liderança política e ao fôlego
da principal economia do mundo, os Estados Unidos. No plano
doméstico, o ciclo eleitoral suscita
dúvidas quanto aos rumos futuros da política econômica.
Para completar o quadro, vários vizinhos da América Latina
se encontram em dificuldades, como o Uruguai, a Venezuela, a Colômbia, o Paraguai e, é claro, a
Argentina. Isso torna a região
menos atraente relativamente
aos outros emergentes, contaminando países como o Brasil, que,
embora apresente números favoráveis, correria o risco de ser engolido pela crise.
Em tais circunstâncias verificou-se uma retração de crédito
externo, refletindo dois fenômenos simultâneos: a maior aversão
ao risco em geral dos credores e a
maior percepção de risco dos países da região.
Convencer os credores de que
Buenos Aires não é a capital do
Brasil se torna cada vez mais difícil nessas circunstâncias. Isso, a
despeito de os números das contas
públicas e externas serem significativamente melhores no Brasil
em relação à Argentina do presente e ao próprio Brasil de 1994/
95 e de 1998/99.
O nervosismo do mercado expresso no elevado prêmio de risco
e na alta do dólar acabam contaminando as expectativas também
no setor real. A escassez das linhas de crédito e seus possíveis
efeitos sobre o comércio exterior
causaram preocupação nas últimas semanas, conforme comentado nesta coluna no último sábado.
A turbulência financeira atingiu as expectativas do setor real.
Para citar dois exemplos, tanto o
índice de intenção do consumidor, medido pela Federação do
Comércio do Estado de São Paulo, como o Índice de Confiança do
Empresário Industrial, compilado pela Confederação Nacional
da Indústria, acusaram queda
nos dois primeiros trimestres deste ano.
Assim, o apoio do FMI veio em
boa hora. Sua função é sinalizar
que não faltarão dólares diante
de uma situação de insegurança
que transcende os problemas internos do Brasil. Isso acalma os
mercados e evita um enorme custo para o Brasil e para a própria
economia global, como "o efeito
samba" deixou claro a partir da
quinta-feira nas várias praças
mundiais.
O programa multilateral permitirá o restabelecimento das linhas comerciais, evitando uma
contaminação da economia real
pelos fenômenos financeiros. Facilitará o acesso do país aos mercados internacionais de capitais,
permitindo a rolagem de dívidas
corporativas em melhores condições. E poderá, eventualmente,
viabilizar novos investimentos
produtivos, tanto de empresas nacionais como estrangeiras, pela
redução da incerteza e pela possibilidade de financiamento. Isso se
traduz em mais produção e mais
emprego.
Não é preciso rezar pela cartilha
do FMI para apoiar um acordo
dessa natureza. Afinal, o acerto
não contém grande novidade em
relação à política econômica interna de regime flutuante de câmbio, de metas inflacionárias e de
austeridade fiscal. Trata-se, acima de tudo, de garantir o oxigênio necessário em um momento
de estresse.
Ações coordenadas dessa natureza impedem um comportamento irracional da manada. Algum
irresponsável grita que o circo está pegando fogo e, na dúvida, todo mundo sai correndo. O resultado pode ser trágico. Na economia, pode representar milhões de
trabalhadores desempregados.
Daí a necessidade de salvaguardas para crises desnecessárias de
liquidez. O FMI, do qual o Brasil é
um dos cotistas, tem mil defeitos,
mas pode evitar tais tragédias.
As reações contrárias dos candidatos Ciro Gomes e Anthony Garotinho carecem, portanto, de
qualquer fundamento. A não ser
que queiram ver o circo pegar fogo.
Gesner Oliveira, 46, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia
(Berkeley), professor da FGV-Eaesp, consultor da Tendências e ex-presidente do
Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br
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