|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
O tempo de crescer é já
RUBENS RICUPERO
Não sei se o governo terá
oportunidade melhor do
que a aprovação da reforma da
Previdência para sair da fase de
repressão para a de crescimento
da economia. A fim de viabilizar
essa transição, duas coisas eram
necessárias: deter a inflação e demonstrar a determinação reformista pela mais difícil de todas as
mudanças. Ambas estão presentes.
Os dois últimos meses foram de
queda de preços e, para os próximos 12, projeta-se inflação em
acentuado declínio. A votação na
Câmara constituiu vitória inegável para o governo, que a conquistou com sacrifício no limite
do possível. Pode-se discordar de
aspectos, como ressalvo ser meu
caso, mas não é razoável exigir
mais.
É agora, não daqui a um mês
ou dois, o momento de uma amputação cirúrgica da taxa de juros, de um sinal forte de que queremos chegar ao fim do ano com
juros reais de um só dígito. Esse
gesto deveria ser completado por
outro, o de que desejamos manter taxa de câmbio em torno de
R$ 3 a R$ 3,20, estimulante de
saldo comercial expressivo.
Se necessário, deveríamos estar
dispostos a taxar na entrada capitais especulativos do gênero da
"morte súbita". Esse é o único aumento da carga fiscal que não só
se justifica mas é salutar, pois incide sobre os especuladores, não
sobre o setor produtivo nacional,
desestimulando aqueles que, nas
palavras de um cínico, "querem
continuar no baile mas preferem
dançar perto da porta de saída".
Caso esperem demais, as autoridades correm, por excessiva
cautela, o risco de não ter cedo
-e talvez nunca- outra oportunidade comparável. O choque
positivo gerado nos mercados pela votação da Câmara cria o melhor clima possível para tornar
irrecusável um corte profundo
nos juros. Vacilar é perder a vantagem psicológica. Nas próximas
semanas, quem sabe lá o que pode acontecer aqui, nos EUA, no
Iraque, na Coréia do Norte?
Prudência é virtude que, como
todas as outras, deve ser exercitada com equilíbrio e medida. Em
excesso, vira defeito: medo, paralisia. Marcílio Marques Moreira
gosta de adágio romano apropriado para a ocasião: "A dose é
que faz o veneno". Os homens do
mercado preferirão a versão em
inglês: "Too much of a good
thing", isto é, até as melhores coisas podem ser exageradas.
Perdoe-me um exemplo pessoal. Quando me tornei ministro
da Fazenda, em abril de 1994, tinha-se de decidir a data de introdução do real. Alguns economistas da equipe -e dos melhores-
queriam esperar até um ano,
com razões que não eram desprezíveis. A maioria, na qual eu me
incluía, decidiu que era chegado
o momento. Alguém acredita que
teria sido factível dominar a hiperinflação se, nas condições
complicadas daquele ano, tivéssemos esperado até abril de 1995
(na presunção de que o governo a
ser eleito houvesse mantido a
equipe e o plano)?
O episódio mostra que nas decisões cruciais, nos instantes definidores, há sempre um nevoeiro
de incerteza, que requer a coragem de saltar, a audácia de agir.
Gustavo Corção expressa muito
bem o problema, em sua aplicação à conversão religiosa, ao intitular um capítulo de "A Descoberta do Outro" de "Quem pensa
não casa". O seguinte se chamava "Quem casa não pensa". Quer
dizer, após pesar com cuidado o
pró e o contra, é preciso confiar
em algo mais, no amor ou na graça.
No presente caso, trata-se de
confiar na esperança, a virtude
que nos faz acreditar naquilo que
ainda não se vê, de acordo com o
apóstolo Paulo. Sobretudo quando ela é amparada nos fatos -a
superação da meta do saldo primário do Orçamento, o alentador superávit comercial, a queda
de preços- e inspirada na compaixão.
Olhando na televisão o dilacerante espetáculo de miseráveis
sem teto ateando fogo aos pobres
barracos de que iam ser desalojados, ao contemplar aquela cena
espantosa de esqualidez e desespero debaixo da triste chuva a
tombar de um céu de chumbo,
quem é capaz de não sentir piedade e medo? Esse, sim, o medo
verdadeiro, o da cólera do Senhor, que não há de deixar sem
resposta o pranto das viúvas e
dos órfãos.
Contra isso, só há um remédio:
o crescimento solidário e distributivo. Não a mediocridade que
nos prometem assessores atuais,
de mais um quarto de século com
taxa anual de 3%. É meta raquítica, inferior à que o Federal Reserve (o BC dos EUA) projeta no
próximo ano para a obesa economia americana (de 3,75% a
4,75%)! Nós, país com economia
anêmica, abaixo do potencial, temos de crescer muito mais, como
fazem a China e a Índia, nações
igualmente populosas e continentais. Uma dieta de 3% não dá
nem para absorver o desemprego
de 13% no país e 20% em São
Paulo, quanto mais atender à expansão adicional da população
ativa, que cresce a 2% ao ano.
Tal ração jamais permitirá recuperar os níveis acumulados de
miséria e desemprego. As invasões e ocupações dos sem-teto,
sem-terra, sem-nada se multiplicariam, os crimes ficariam cada
vez mais hediondos, e a sociedade, mais bárbara. Não duraria 25
anos, pois, com desemprego a
partir de 13% e em aumento, a
explosão viria muito antes, como
veio na vizinha Argentina.
Sem crescimento acelerado, a
equação brasileira não fecha. O
presidente e o ministro da Fazenda já demonstraram compreender essa verdade e desejam retomar o desenvolvimento o quanto
antes. A vitória parlamentar oferece-lhes a oportunidade em
bandeja de ouro. O momento de
aproveitá-la é já.
Rubens Ricupero, 66, é secretário-geral
da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento),
mas expressa seus pontos de vista em
caráter pessoal. Foi ministro da Fazenda
(governo Itamar Franco).
Texto Anterior: Política monetária: Fed domina as atenções na semana Próximo Texto: Lições contemporâneas: Poder nacional e globalização: ideologia x fatos Índice
|