São Paulo, quarta-feira, 10 de agosto de 2005

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REDE MUNDIAL

Dez anos depois do IPO da Netscape, especialistas vêem mais solidez e rapidez na expansão das pontocom

Internet deve perturbar mais a velha economia

RICHARD WATERS
DO "FINANCIAL TIMES"

Em algum lugar do mundo, nas próximas semanas, o bilionésimo ser humano vai se sentar diante de um computador, conectar-se com a internet pela primeira vez e juntar-se à multidão crescente que povoa o ciberespaço.
É um recorde e tanto, em se tratando de uma mídia que se distanciou de suas raízes acadêmicas há apenas dez anos. Mas pode ser só o indício da reviravolta que os próximos dez anos nos reservam.
Hoje é o décimo aniversário da oferta pública inicial (IPO, na sigla em inglês) de ações da Netscape, o fato que desencadeou a pontocom-mania em Wall Street. O browser da Netscape fez da internet um lugar mais próprio a ser percorrido por usuários não dotados de conhecimentos técnicos e incentivou a criação de empresas como eBay, Yahoo e Amazon, que já comemoraram suas próprias festas de dez anos de idade -embora a maioria das pontocom não tenha agüentado tanto tempo.
É interessante observar até que ponto os sobreviventes do setor viraram parte do cotidiano de seus usuários. Os US$ 34 bilhões em bens que trocaram de mãos no site eBay no ano passado equivalem ao PIB do Quênia; os 379 milhões de usuários do Yahoo equivalem às populações de EUA e Reino Unido juntas. E o número médio de páginas do Google vistas por cada pessoa no planeta chega a dez por mês.
Mesmo os primeiros entusiastas da internet não previram até onde ela iria abrir caminho na cultura popular. Mary Meeker, analista do Morgan Stanley e uma das primeiras em Wall Street a alardear o potencial da internet, comenta: "Era difícil imaginar que os grupos de notícias e murais sobre o Unix iriam algum dia virar grupos de notícias sobre o último Batman ou Harry Potter".
É claro que parte da euforia inicial em torno da internet estava equivocada. Em outubro, três anos terão se passado desde que a queda no mercado de ações chegou a seu ponto mais baixo, algo que tirou mais de US$ 6.500 bilhões do valor de pico da Nasdaq, a bolsa em que se vendem e compram as ações de muitas empresas de tecnologia americanas.
A maior parte dessa destruição de riqueza refletiu o excesso de investimentos em redes de telecomunicações e nas empresas de tecnologia que estavam erguendo a infra-estrutura da qual a internet depende. O excesso de capacidade nas telefônicas e nas empresas de tecnologia, porém, teve o efeito de reduzir os preços e tornar a internet mais largamente disponível, estimulando uma nova rodada de inovações on-line.
Segundo Mary Meeker, "as transformações estão se acelerando". É difícil argumentar com o peso dos números. De acordo com estimativas do Morgan Stanley, 1 bilhão de pessoas estarão on-line até o final do próximo mês -três vezes mais do que havia no início da década. Aproximadamente 1 em 5 dessas pessoas já usa conexão de banda larga. E o acesso dos celulares à internet mal começou. Em algum momento da próxima década, haverá mais celulares do que computadores pessoais conectados à rede.
O simples fato de haver pessoas on-line não cria um negócio, o que foi demonstrado pelas experiências de muitas empresas pioneiras no setor. Agora, porém, as empresas estão vindo logo atrás da ampliação do público atingido.
No ano passado a publicidade mundial on-line movimentou US$ 15 bilhões, dois terços nos EUA, e está crescendo a 30% ao ano, com os anunciantes correndo para adequar-se à passagem de seu público para a internet. O comércio eletrônico de consumidores movimentou US$ 295 bilhões no ano passado e deve crescer 38% neste ano.
Ao mesmo tempo, as empresas que dominam a mídia aprenderam com os erros e estão aperfeiçoando planos que já fazem com que algumas estejam entre as de maior valor do planeta. "Estamos conseguindo mais valor a partir de cada clique dos usuários", disse o executivo-chefe da Google, Eric Schmidt. "Se você expõe anúncios melhores -coisa que, às vezes, significa apresentar menos anúncios-, o movimento aumenta. Aprendemos isso neste último ano."
Nada disso diz respeito ao impacto menos visível e, potencialmente, ainda mais profundo que a internet vem tendo sobre a maneira como as empresas se organizam, sobre como a vida social e política foi afetada ou como um país como a Índia pôde ingressar na economia mundial de uma maneira que, no passado, teria parecido impossível.
Se essa é a história da internet até hoje, então o que os próximos dez anos nos reservam? A resposta pode ser dada em duas palavras: mais reviravoltas, à medida que as forças que semearam a confusão em muitas grandes empresas no final dos anos 1990 reaparecem, desta vez respaldadas por modelos econômicos mais fortes e tecnologia melhor.
"Muitas pessoas ficaram muito satisfeitas com a correção imposta ao mercado da internet, que afastou muito dinheiro da rede", diz Meeker. "Mas o setor continuou a avançar. A perturbação causada a muitas empresas tradicionais está apenas começando."
É provável que muitas companhias que atuam na internet enfrentem tempos difíceis. Meg Whitman, executiva-chefe da eBay, avisa que, daqui a dez anos, metade das gigantes da rede podem muito bem ser empresas das quais você nunca ouviu falar. As avaliações de valor das ações dessas empresas, incluindo a da Google, parecem novamente estar deixando de levar em conta que as barreiras ao ingresso nesse meio de comunicação mundial continuam baixas e que a próxima idéia a mudar a situação pode estar prestes a chegar.
Como aconteceu na década passada, o impacto da rede nos próximos dez anos provavelmente será sentido mais agudamente nos campos que dependem mais da difusão de informações: comunicações, comércio e mídia.
Enquanto o e-mail e a troca instantânea de mensagens foram as comunicações de baixo custo da primeira década da internet, a próxima revolução das comunicações pode muito bem girar em torno dos chamados de voz que são responsáveis pela maior parte da receita do setor das telecomunicações. No primeiro ano de funcionamento do Skype, mais de 140 milhões de pessoas já descarregaram softwares gratuitos da empresa com os quais podem conversar pela internet. É a tecnologia de consumidor de mais rápido crescimento na história.
"Em muito pouco tempo teremos comunicação mundial gratuita", diz Paul Saffo, diretor do Instituto do Futuro, um grupo de pesquisas da Califórnia. Ao lado de novas tecnologias de comunicação de baixo custo como Wi-Fi e WiMax, temos uma nova ameaça a um setor que já foi duramente atingido na primeira fase da rede.
Enquanto isso, à medida que vão caindo as barreiras entre comunicações, comércio e mídia, a internet deverá gerar novas tecnologias e desafiar as formas existentes de interação humana.
Duas forças em especial caracterizam essa onda recente: a ascensão dos motores de busca e as ferramentas on-line criadas para apoiar a produção do que é conhecido na internet como "conteúdos gerados pelo usuário".
Os motores de busca já se estabeleceram como forma crucial de distribuição on-line. À medida que parte cada vez maior da mídia se digitaliza, esse papel só deverá ganhar em importância. "A internet vai se tornar concorrente muito séria do cabo e do satélite nas casas, e seu impacto sobre a mídia impressa deve ser dramático", diz Roger McNamee, financista do Vale do Silício especializado na indústria da mídia. "Em última análise, é através da tecnologia de busca que o consumidor vai acessar e encontrar esse conteúdo. Isso é uma coisa enorme."
Uma parte cada vez maior desse conteúdo deve começar a vir dos próprios usuários. "Estamos no meio de uma mudança muito grande de mídia de massas para mídia pessoal: o usuário, se quiser, pode responder e criar, ele próprio", diz Saffo.
Os blogs, hoje um passatempo de mais de 15 milhões de pessoas, vêm sendo uma manifestação inicial inesperada. Outras formas de auto-expressão e criação de comunidades também vêm crescendo, entre elas os sites de partilha de fotos com os quais famílias ou grupos de amigos podem acessar as fotos uns dos outros, o podcasting (uma forma de audioblogging) e as redes sociais que interligam grandes grupos de amigos.
"O blogging é uma forma de transição, que está a caminho de outra coisa. É interessante, mas não é estável", diz Saffo. O desejo de comunicação e auto-expressão, e a tecnologia de baixo custo que tornam isso possível, darão lugar a novas tendências.
Vistas desde o ponto de vista do ano 2015, os motores de busca e os blogs poderão parecer idéias antiquadas e pitorescas que já terão sido superadas na internet -uma nova maneira de satisfazer o desejo das pessoas de interagir e obter informações, entretenimento ou produtos para comprar on-line.
Seja qual for sua forma, porém, a próxima tendência provavelmente vai se originar das forças manifestadas nos primeiros dez anos da internet: uma interconectividade onipresente, ajudada por ferramentas de software que descobrem e tornam utilizáveis as fontes de informação sempre maiores no grande banco de dados global e aberto.
Há ainda outra lição que deve continuar válida nos próximos anos: se você quiser pistas sobre como a internet vai mudar sua vida, basta olhar o adolescente mais perto de você. De acordo com Mary Meeker, "os jovens de 15 a 20 anos vão nos mostrar o rumo que a internet está tomando".


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