São Paulo, quarta-feira, 10 de setembro de 2008

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PAULO RABELLO DE CASTRO

Pneumonia financeira dos mercados


Os sinais de piora das funções vitais da economia mundial ficarão mais evidentes nos próximos meses

ESTA É A primeira patogenia grave da era da globalização econômica, pós-1989. O economista abusa das referências médicas para tentar explicar fenômenos que seus termos técnicos não comunicam bem. Portanto aí vai minha invasão da área médica: trata-se de uma pneumonia, sim, localizada no pulmão financeiro do mundo, com rebaixamento generalizado das defesas do organismo como um todo, ou seja, a economia mundial marcha para um período de severa debilitação. A intervenção paliativa sobre os passivos das empresas Fannie Mae e Freddie Mac, recebida com alívio pelo pensamento convencional, poderá muito bem representar um posterior agravamento da atividade respiratória normal do paciente. Explicaremos por quê.
A imagem da patogenia que ataca o sistema respiratório serve apenas para ressaltar a semelhança das funções financeiras com as pulmonares no organismo humano. O sistema financeiro não é diferente dos pulmões humanos, quando oxigena e filtra a corrente sangüínea. O crédito, como liquidez, mais ou menos intensa, que irriga a economia, tem de passar continuamente pelos pulmões do sistema financeiro, sendo avaliado, precificado e reciclado.
Um déficit grave, como o sofrido pelo sistema bancário dos EUA, corta o oxigênio da confiança no crédito novo. A falha dos pulmões é, portanto, um colapso sempre grave.
E o que estão fazendo os terapeutas no momento? Diante de mais uma evidência de comprometimento respiratório do paciente -o colapso iminente de Fannie e Freddie-, o terapeuta apelou para um socorro extra-corpóreo, pondo o doente num balão, ao trazer uma injeção de oxigênio da ordem de US$ 200 bilhões do Tesouro americano, debaixo do notável raciocínio de que "na crise, algo deve ser feito para manter a vida do paciente (?)".
A melhora sentida será tão imediata quanto passageira, apesar da injeção cavalar de recursos. O problema persiste na débil resposta dos agentes normais da respiração financeira: bancos, fundos de investimento, seguradoras, companhias hipotecárias, cuja retração persiste em estado agudo, por medo de emprestar mais e perder mais. São essas elevadas taxas de risco percebido os germes persistentes da desconfiança que tornam impossível a recuperação rápida, como gostariam de ver os milhões de aplicadores frustrados, nas Bolsas mundo afora.
A notícia menos alvissareira é que a terapia fiscal adotada (injeção de quase 5% do PIB dos EUA) pouco fez além de "estabilizar o paciente".
O doente chegou ao hospital num quadro de intensa agitação. Foi o momento da subida geral de preços de ativos ainda em 2007, do petróleo às commodities agrícolas e às moedas concorrentes do dólar, inclusive o real, cujo rápido ciclo de euforia histérica deve conduzir, agora, a um quadro depressivo e comatoso.
Os sinais de piora das funções vitais da economia mundial -comércio, emprego, encomendas novas- ficarão evidentes nos próximos meses. Mas ainda serão pouco sentidos nas periferias econômicas e, sem nenhum demérito, em nossa periférica economia produtora de commodities e de coloridas bolhas de esperança pueril. O ano de 2009 deverá trazer uma terapia mais eficaz, sob definição da nova administração dos EUA (qualquer que seja ela). Até lá, o doente ainda terá alguns discretos e dissimulados sinais de melhora, que serão comemorados pelos perplexos terapeutas com o mesmo grau de constrangimento de um médico que só tem más notícias para passar à família angustiada do paciente.


PAULO RABELLO DE CASTRO, 59, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos. Preside também a RC Consultores, consultoria econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da Fecomercio-SP. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.

paulo@rcconsultores.com.br


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