São Paulo, sábado, 10 de novembro de 2001

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COMÉRCIO GLOBAL

Ministro diz que norte-americanos tentam dividir os países que apóiam a proposta indiano-brasileira

Serra acusa EUA na guerra de patentes

France Presse
Sessão de abertura da 4ª Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio, ontem, em Doha, capital do Qatar


CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A DOHA (QATAR)

O ministro da Saúde, José Serra, chegou ontem a Doha e foi logo disparando sua primeira salva na guerra das patentes entre o Brasil e os Estados Unidos: acusou os norte-americanos de tentar dividir os países em desenvolvimento que apóiam a proposta indiano-brasileira de antepor a saúde pública a qualquer acordo de proteção a patentes.
Depois, em entrevista coletiva na qual só jornalistas estrangeiros fizeram perguntas, o ministro cuidou de negar o que chamou de "três mitos sobre a posição brasileira disseminados nos últimos dias".
A acusação aos Estados Unidos é uma alusão à proposta norte-americana de estender até 2016 o prazo, que iria até 2005, para os países menos desenvolvidos adotarem leis de propriedade intelectual conforme determinam as regras da OMC (Organização Mundial do Comércio).
As ONGs que apóiam a proposta indiano-brasileira dizem que a iniciativa norte-americana "é essencialmente uma estratégia de dividir para conquistar, empregada pelos Estados Unidos para quebrar a coesão dos países em desenvolvimento".

Três mitos
Já os três mitos, segundo Serra, são os seguintes:
1 - O Brasil estaria interessado apenas em desenvolver sua indústria de remédios genéricos.
"Não é verdade", disse Serra. E informou que, embora o Brasil importe mais de US$ 1 bilhão em remédios, muitos dos quais sem proteção patentária, nem por isso concedeu uma só licença compulsória para fabricação de genéricos.
Para o ministro, o que o Brasil quer, com a sua proposta sobre Trips (Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio) e saúde pública, é "um claro sinal de que podemos obter os remédios que necessitamos a preços acessíveis".
2 - O Brasil quer destruir o acordo de Trips. "Também não é verdade. Nós apoiamos a proteção à propriedade intelectual. Somos apenas contra abusos nos preços", respondeu Serra.
Em seguida, lembrou que os Estados Unidos e o Canadá pressionaram as indústrias farmacêuticas para que elas reduzissem o preço do Cipro, o antibiótico contra o antraz, sob ameaça de licenciar compulsoriamente a fabricação de genéricos.
"O que os Estados Unidos e o Canadá fizeram agora, sem que ninguém criticasse, o Brasil fez antes, sob fortes críticas dos Estados Unidos e do Canadá", disse Serra, aludindo à pressão do seu ministério para que fossem reduzidos os preços de medicamentos que compõem o coquetel anti-Aids.
3 - Os países em desenvolvimento estão sendo intransigentes na negociação do capítulo Trips-saúde pública.
"Também é falso", afirmou Serra. E acrescentou: "Continuo disposto a examinar propostas alternativas".

No meio do caminho
O ministro está se referindo ao fato de que a União Européia está tentando elaborar proposta que seja capaz de combinar dois elementos, conforme explicou Pascal Lamy, o comissário (uma espécie de ministro) europeu para o Comércio.
"A União Européia está no meio do caminho (entre Brasil e Estados Unidos). Reconhece que não é preciso renegociar o acordo de Trips (no que concorda com os norte-americanos). Mas reconhece igualmente que é preciso esclarecer a margem de flexibilidade para a adoção de políticas de saúde", diz Lamy.
Mais: "Os países em desenvolvimento têm, justificadamente, dúvidas e frustrações" a respeito da maneira como o acordo de Trips impede eventualmente o acesso a remédios a preços compatíveis com as suas economias.

Salão lotado
A delegação norte-americana, ao contrário, reiterou ontem que espera de Doha "uma declaração muito clara de que não há incompatibilidade entre as regras (do acordo de Trips) e a necessidade de responder às crises e emergências de saúde pública".
A guerra das patentes acabou por se transformar no ponto político mais sensível da 4ª Conferência Ministerial da OMC e, por extensão, no mais atraente para a mídia. Tanto que o salão em que a delegação brasileira deu sua entrevista coletiva estava lotado, embora já passasse de 20h (15h em Brasília).
Que o ambiente é de guerra, dá testemunho o fato de que a delegação brasileira reuniu-se ontem com a mexicana, a partir da informação de que caberá ao México presidir o grupo de trabalho que estudará o caso Trips.
"Não é um assunto para brilhar", avisaram os brasileiros, desconfiados de que os mexicanos, plenamente identificados com os Estados Unidos, poderiam usar a presidência do grupo para direcionar os trabalhos no sentido desejado por Washington.
Se isso de fato ocorrer, o Brasil prefere que não haja declaração sobre Trips.
"Se não houver declaração, Trips continua com duas interpretações, e nós achamos que a nossa é a correta", disse Sergio Amaral, ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.



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