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LUÍS NASSIF
Dilma contra o
cérebro flutuante
É incrível a discussão entre Fernando Henrique
Cardoso e Lula sobre de quem é
o mérito pela "fraqueza irracional" que domina a economia
brasileira há uma década. Em
qualquer país racional, um estaria empurrando o filho para o
outro; aqui, disputam a paternidade do aleijão.
Nesse período, os únicos momentos em que a economia conseguiu romper com as amarras
da mediocridade foi quando o
câmbio fugiu ao controle do
Banco Central em 1999 e em
2002.
Por isso mesmo, a entrevista
da ministra-chefe da Casa Civil,
Dilma Rousseff, ao "O Estado
de S. Paulo" de ontem é uma lufada de ar fresco. É chocante a
diferença entre a férrea racionalidade de Dilma e os literalismos de araque repetidos pelo
presidente da República e pela
área econômica -tipo "se o
câmbio é flutuante, é para flutuar". Se o homem é ser racional, é para raciocinar. Mas, na
política econômica brasileira,
usa-se o cérebro para flutuar.
O que ela disse a respeito dos
cérebros flutuantes:
1) Desmonta o primarismo de
reduzir ajuste fiscal a uma meta
de superávit. "Acho que nem
existe a colocação de um conceito de ajuste fiscal no Brasil. Para crescer é necessário reduzir a
dívida pública. Para a dívida
pública não crescer é preciso
uma política de juros consistente, porque senão você enxuga
gelo."
2) Demole essa enorme tolice
de fixar metas fiscais por dez
anos. "Fazer ajuste fiscal de longo prazo não é fazer projeção
para dez anos com base em planilha (...). Nunca vi fazerem isso
em nenhum lugar do mundo.
Não dá para pensar um processo de anos abstraindo o conjunto da população, os atores políticos, econômicos e sociais (...).
Um programa de dez anos que
se baseia simplesmente na DRU
(Desvinculação das Receitas
Orçamentárias) e na proposta
daquilo e daquilo outro, pelo
amor de Deus, não dá."
3) Derruba a falácia de apresentar o aumento do superávit
como uma proposta virtuosa,
por si, sem contra-indicações.
"Não é possível achar que se
passar de um superávit de
4,25% para 5% ou 6% não distorce os gastos."
4) Desmantela a irracionalidade do controle de gasto na
boca do caixa, que compromete
a boa execução orçamentária.
"A tese de que há ministros incapazes e inúteis e um ponto focal eficiente no governo é tolice
(...). É preciso preservar, dentro
de uma política de superávit
primário, a capacidade de planejar para não se gastar mal."
5) Aniquila esse mito reducionista de que o governo precisa
reduzir gastos correntes para se
concentrar em investimentos.
"Essa história de que investimento é bom e despesa corrente
é má é outra simplificação grotesca. Despesa corrente é vida:
ou você proíbe o povo de nascer,
de morrer, de comer ou de adoecer, ou vai ter despesas correntes."
6) Finalmente, os juros: "Acho
que, inexoravelmente, nós temos que considerar quanto a
política de juros dos últimos
tempos poderia ter sido menor".
É acachapante o contraste entre a solidez dos argumentos de
Dilma e os clichês que emanam
diariamente da área econômica. Pena que o árbitro só entenda de clichês.
E-mail -
Luisnassif@uol.com.br
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