São Paulo, quinta-feira, 10 de novembro de 2005

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LUÍS NASSIF

Dilma contra o cérebro flutuante

É incrível a discussão entre Fernando Henrique Cardoso e Lula sobre de quem é o mérito pela "fraqueza irracional" que domina a economia brasileira há uma década. Em qualquer país racional, um estaria empurrando o filho para o outro; aqui, disputam a paternidade do aleijão.
Nesse período, os únicos momentos em que a economia conseguiu romper com as amarras da mediocridade foi quando o câmbio fugiu ao controle do Banco Central em 1999 e em 2002.
Por isso mesmo, a entrevista da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, ao "O Estado de S. Paulo" de ontem é uma lufada de ar fresco. É chocante a diferença entre a férrea racionalidade de Dilma e os literalismos de araque repetidos pelo presidente da República e pela área econômica -tipo "se o câmbio é flutuante, é para flutuar". Se o homem é ser racional, é para raciocinar. Mas, na política econômica brasileira, usa-se o cérebro para flutuar.
O que ela disse a respeito dos cérebros flutuantes:
1) Desmonta o primarismo de reduzir ajuste fiscal a uma meta de superávit. "Acho que nem existe a colocação de um conceito de ajuste fiscal no Brasil. Para crescer é necessário reduzir a dívida pública. Para a dívida pública não crescer é preciso uma política de juros consistente, porque senão você enxuga gelo."
2) Demole essa enorme tolice de fixar metas fiscais por dez anos. "Fazer ajuste fiscal de longo prazo não é fazer projeção para dez anos com base em planilha (...). Nunca vi fazerem isso em nenhum lugar do mundo. Não dá para pensar um processo de anos abstraindo o conjunto da população, os atores políticos, econômicos e sociais (...). Um programa de dez anos que se baseia simplesmente na DRU (Desvinculação das Receitas Orçamentárias) e na proposta daquilo e daquilo outro, pelo amor de Deus, não dá."
3) Derruba a falácia de apresentar o aumento do superávit como uma proposta virtuosa, por si, sem contra-indicações. "Não é possível achar que se passar de um superávit de 4,25% para 5% ou 6% não distorce os gastos."
4) Desmantela a irracionalidade do controle de gasto na boca do caixa, que compromete a boa execução orçamentária. "A tese de que há ministros incapazes e inúteis e um ponto focal eficiente no governo é tolice (...). É preciso preservar, dentro de uma política de superávit primário, a capacidade de planejar para não se gastar mal."
5) Aniquila esse mito reducionista de que o governo precisa reduzir gastos correntes para se concentrar em investimentos. "Essa história de que investimento é bom e despesa corrente é má é outra simplificação grotesca. Despesa corrente é vida: ou você proíbe o povo de nascer, de morrer, de comer ou de adoecer, ou vai ter despesas correntes."
6) Finalmente, os juros: "Acho que, inexoravelmente, nós temos que considerar quanto a política de juros dos últimos tempos poderia ter sido menor".
É acachapante o contraste entre a solidez dos argumentos de Dilma e os clichês que emanam diariamente da área econômica. Pena que o árbitro só entenda de clichês.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


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