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ARTIGO
Crise teve efeito mais defasado no Brasil
MÁRCIO HOLLAND
ESPECIAL PARA A FOLHA
CERTAMENTE que não
podia ser melhor o resultado do crescimento
econômico do terceiro trimestre de 2008. A economia brasileira cresceu 6,8% em comparação com o mesmo trimestre
do ano anterior e 1,8% em relação ao trimestre imediatamente anterior. Note que estamos
falando em taxas de crescimento mais de um ano após o estouro da crise financeira internacional. Ou seja, mesmo sob a
profunda crise financeira internacional, o PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro cresceu
a taxas extraordinárias.
Ao mesmo tempo, a zona do
euro e os Estados Unidos já
anunciaram recessão econômica e desemprego em massa.
Mas por que o Brasil está crescendo tanto quando o mundo
enfrenta um devastador quadro recessivo? Logo o Brasil,
que insistia tanto em não crescer quando o mundo vivia uma
fase de grande expansão.
Podemos já antecipar que o
lado real da economia brasileira passou intacto pela crise financeira internacional, pelo
menos até um ano após seu estouro. O que parece que está
acontecendo é um fenômeno
amplamente conhecido de efeitos defasados de uma crise financeira sobre o lado real da
economia. A novidade está no
fato de que tal defasagem sobre
a economia brasileira foi maior
do que nas economias avançadas. E aqui reside um problema
virtual: a defasagem dos efeitos
da crise sobre a economia real
brasileira pode se estender para efeitos retardados na retomada do crescimento.
Ou seja, se a economia brasileira iniciar um ciclo de desaquecimento no final deste ano e
este se prolongar para 2009,
corremos o risco de retomar o
crescimento depois que as economias avançadas já o tiverem
feito.
Antes de qualquer crítica
apressada, a taxa de investimento (formação bruta de capital fixo) cresceu algo interessante (19,7%), para um crescimento do consumo das famílias
nada desprezível (7,3%) e do
consumo do governo também
(6,4%). Já a contribuição do setor externo foi negativa, ou seja, as importações cresceram
mais do que as exportações.
O que dizem esses dados? E o
que podemos esperar para os
próximos trimestres?
Primeiro, mesmo com a desvalorização cambial, o setor externo seguirá contribuindo cada vez menos para o crescimento do PIB brasileiro, dados
o quadro recessivo prolongado
no exterior, a falta de crédito
externo aos exportadores e ainda o declínio nos preços internacionais das commodities.
Segundo, não se pode esperar
por crescimento do investimento de tal magnitude, pelo
menos até a primeira metade
do próximo ano. Afinal, os diversos planos de investimento
das grandes empresas estão
sendo sistematicamente adiados, assim como o mercado de
crédito está muito distante de
se recompor tão logo.
Sem créditos externos, não
há investimentos novos adequados. E, assim, não se pode
esperar por repetição nas taxas
de crescimento da formação
bruta de capital fixo. Sem crédito doméstico, não se sustenta o
crescimento do consumo das
famílias ou mesmo a expansão
da construção civil fica muito
prejudicada.
Em síntese, grande parte da
excelente performance do PIB
brasileiro se deve à forte expansão recente no mercado de crédito aqui e lá fora. Mas, definitivamente, o crédito doméstico
se escasseou e muitos dos setores que cresceram bastante no
terceiro trimestre são fortemente dependentes de tais créditos. E, sobre o crédito externo, melhor é acreditarmos que
qualquer sinal de fora será via
recuperação da economia norte-americana, o que deverá
ocorrer somente mais alguns
trimestres à frente.
MÁRCIO HOLLAND é professor da Escola de
Economia de São Paulo da Fundação Getulio
Vargas (FGV-EESP) e pesquisador do CNPq.
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