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OPINIÃO ECONÔMICA
As Bolsas da hora
BENJAMIN STEINBRUCH
Na última semana do ano, o
presidente do Banco Central, falando ao jornalista Joelmir Betting, fez uma espécie de autocrítica da sua área, salientando a necessidade de melhorar o funcionamento do crédito bancário, que
"no geral não está funcionando a
contento e dificulta ou mesmo inviabiliza o relançamento da economia brasileira na próxima década". Ele foi adiante e afirmou
que "os empréstimos à agricultura continuam curtos e caros para
os padrões internacionais do setor". Mais adiante, referiu-se ao
financiamento à habitação que,
segundo ele, "é bananeira que já
deu cacho e deve ser repensado de
fio a pavio".
As palavras de Armínio Fraga,
eloquentes pela sinceridade e objetividade, estavam divididas em
três itens e mais um, que aliás
apareceu em primeiro na listagem do colunista: "O mercado de
capitais ainda não entrou nos eixos e precisa de uma boa reforma".
Tem toda razão o presidente do
Banco Central. O Brasil não será
nunca um país desenvolvido se o
seu mercado de capitais -tendo
à frente as Bolsas de Valores-
não estiver funcionando à altura,
como instrumento capaz de dar
liquidez às ações das empresas; de
oferecer espaço aos empresários
para atrair investidores de todos
os tamanhos para lastrear e financiar os projetos de expansão
ou de lançamento de novos negócios; de levar ao grande público o
conceito de um capitalismo moderno capaz de atrair os cidadãos
(e, muito especialmente, os contribuintes) a participar das empresas como sócios, seja diretamente seja por meio de fundos
profissionalmente administrados;
de permitir que as empresas possam, nos seus planos de desenvolvimento, tanto recorrer ao capital
próprio e aos recursos de empréstimo, como aos mercados de Bolsas e outros que lastreiam a poupança nacional.
É um longo caminho a percorrer. Mas há sinais de que desta
vez as frases de apoio ao mercado
de capitais não englobam apenas
promessas vazias, e tudo leva a
crer que a coisa agora vai.
Passemos aos detalhes.
As Bolsas brasileiras tiveram
um excepcional desempenho em
1999.
Os que aplicaram nas Bolsas tiveram rendimentos bem acima
dos obtidos por quem apostou no
dólar, ou investiu em CDBs, ou
comprou ouro, ou deixou o dinheiro na poupança. Foi uma festa que, no correr do ano, teve alguns ziguezagues preocupantes,
mas terminou com números que
quase deixaram envergonhadas
as Bolsas mais importantes da
Europa, da Ásia e dos Estados
Unidos.
O "Wall Street Journal" de ontem chegou a afirmar que os desempenhos do Brasil e do México
permitiram às Bolsas da América
Latina um crescimento médio
-em moeda forte- de 50%! E
que os analistas internacionais já
admitem que, mesmo crescendo
só 20% ou 30% neste ano 2000, as
mesmas Bolsas ainda figurarão
entre as mais rentáveis do mundo.
Enquanto isso, de mansinho, o
Banco Central divulgou suas previsões para a década, da qual se
depreende que a inflação baixará
a 2% ao ano a partir de 2002 até
2010. O juro real -hoje na estratosfera- descerá para pouco
mais de 6% ao ano no mesmo período, enquanto o dólar ficará, a
partir de 2001, em um valor constante de R$ 2,03. Tudo isso para
garantir um crescimento do PIB,
regular e sustentado, de 4% ao
ano nos próximos dez anos.
Um amigo leu as notícias e me
disse: "Não acredito. É muita
areia para o nosso caminhão".
Discordei dele. Não é. Pode-se até
criticar o BC pelas estimativas
conservadoras de crescimento a
partir do próximo ano, quando o
Brasil poderá superar os 5% ou
6% anuais, desde que tenhamos
juízo.
E juízo se mede nas pequenas
coisas, especialmente no mercado
de capitais. Quando se vê as nossas principais Bolsas, a Bovespa e
a BVRJ, anunciando um acordo
para a fusão de suas atividades
principais e reorganização de
suas competências, temos um sinal concreto de que as corretoras
de lá e de cá deixaram de lado interesses menores e atitudes bairristas para se preparar para a nova etapa -decisiva etapa- de
nosso mercado. É que estava na
hora de colocar um freio nas Bolsas estrangeiras -especialmente
a de Nova York-, que passaram
a negociar ações de empresas brasileiras em volumes só explicáveis
quando entendemos que os lá de
fora estavam tirando partido do
provincianismo ou da incompetência do nosso mercado de capitais.
De outro lado vemos que as nossas Bolsas também já deram sinais de que acabou a letargia no
que toca às ações de empresas ligadas à Internet. Nesse sentido
basta olhar o que aconteceu com
as ações do Bradesco, que iniciaram uma arrancada (mais de 7%
no primeiro dia) na hora mesma
em que, em 14 de dezembro, o
banco anunciou que seus clientes
teriam acesso gratuito à Internet.
Outro pulo forte é o da Globocabo, que também foi descoberto
pelas nossas Bolsas. E olha que isso é apenas o começo.
Os especialistas ficaram atentos
quando o governo, segundo a
"Gazeta Mercantil" do último
fim-de-semana, avisou que "precisará, neste ano, menos dinheiro
para rolar a dívida pública e que
quer aproveitar a oportunidade
para dar um empurrão para baixo nos juros". Segundo o jornal,
"os administradores de recursos
foram autorizados a deslocar para a Bolsa uma fatia adicional de
até 30% dos R$ 180 bilhões estocados nos fundos de investimentos".
Está dada a partida. Só falta
agora o governo lastrear essa partida com medidas concretas que,
afinal, ofereçam realmente segurança e proteção aos acionistas
minoritários, como está nos objetivos do grupo de trabalho recém
criado e que, vejam só, é presidido
pelo próprio Armínio Fraga. É
preciso, também, que as áreas de
controle do mercado de capitais,
hoje divididas entre a CVM, a Susep e a Secretaria de Previdência
Complementar (como enunciou o
jornalista Cristiano Romero), se
entendam ou se fundam para
acompanhar o processo.
A hora é essa. E se os ministros
Pedro Malan, Pedro Parente e Alcides Tápias, como se comenta
nos bastidores, estiverem realmente de mãos dadas com o Armínio Fraga nesta batalha, a economia brasileira já pode comemorar: o ano 2000 vai marcar a
grande arrancada de nosso mercado de capitais para, afinal, se
transformar em grande instrumento de progresso do país. Muito boa sorte e bom trabalho, José
Luis Osorio.
Benjamin Steinbruch, 45, empresário, graduado em administração de empresas e marketing financeiro pela Fundação Getúlio Vargas (SP), é presidente dos conselhos de administração da Companhia Siderúrgica Nacional e da Companhia Vale do Rio Doce.
E-mail: bvictoria@psi.com.br
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