São Paulo, Terça-feira, 11 de Janeiro de 2000


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OPINIÃO ECONÔMICA

As Bolsas da hora

BENJAMIN STEINBRUCH

Na última semana do ano, o presidente do Banco Central, falando ao jornalista Joelmir Betting, fez uma espécie de autocrítica da sua área, salientando a necessidade de melhorar o funcionamento do crédito bancário, que "no geral não está funcionando a contento e dificulta ou mesmo inviabiliza o relançamento da economia brasileira na próxima década". Ele foi adiante e afirmou que "os empréstimos à agricultura continuam curtos e caros para os padrões internacionais do setor". Mais adiante, referiu-se ao financiamento à habitação que, segundo ele, "é bananeira que já deu cacho e deve ser repensado de fio a pavio".
As palavras de Armínio Fraga, eloquentes pela sinceridade e objetividade, estavam divididas em três itens e mais um, que aliás apareceu em primeiro na listagem do colunista: "O mercado de capitais ainda não entrou nos eixos e precisa de uma boa reforma".
Tem toda razão o presidente do Banco Central. O Brasil não será nunca um país desenvolvido se o seu mercado de capitais -tendo à frente as Bolsas de Valores- não estiver funcionando à altura, como instrumento capaz de dar liquidez às ações das empresas; de oferecer espaço aos empresários para atrair investidores de todos os tamanhos para lastrear e financiar os projetos de expansão ou de lançamento de novos negócios; de levar ao grande público o conceito de um capitalismo moderno capaz de atrair os cidadãos (e, muito especialmente, os contribuintes) a participar das empresas como sócios, seja diretamente seja por meio de fundos profissionalmente administrados; de permitir que as empresas possam, nos seus planos de desenvolvimento, tanto recorrer ao capital próprio e aos recursos de empréstimo, como aos mercados de Bolsas e outros que lastreiam a poupança nacional.
É um longo caminho a percorrer. Mas há sinais de que desta vez as frases de apoio ao mercado de capitais não englobam apenas promessas vazias, e tudo leva a crer que a coisa agora vai.
Passemos aos detalhes.
As Bolsas brasileiras tiveram um excepcional desempenho em 1999.
Os que aplicaram nas Bolsas tiveram rendimentos bem acima dos obtidos por quem apostou no dólar, ou investiu em CDBs, ou comprou ouro, ou deixou o dinheiro na poupança. Foi uma festa que, no correr do ano, teve alguns ziguezagues preocupantes, mas terminou com números que quase deixaram envergonhadas as Bolsas mais importantes da Europa, da Ásia e dos Estados Unidos.
O "Wall Street Journal" de ontem chegou a afirmar que os desempenhos do Brasil e do México permitiram às Bolsas da América Latina um crescimento médio -em moeda forte- de 50%! E que os analistas internacionais já admitem que, mesmo crescendo só 20% ou 30% neste ano 2000, as mesmas Bolsas ainda figurarão entre as mais rentáveis do mundo.
Enquanto isso, de mansinho, o Banco Central divulgou suas previsões para a década, da qual se depreende que a inflação baixará a 2% ao ano a partir de 2002 até 2010. O juro real -hoje na estratosfera- descerá para pouco mais de 6% ao ano no mesmo período, enquanto o dólar ficará, a partir de 2001, em um valor constante de R$ 2,03. Tudo isso para garantir um crescimento do PIB, regular e sustentado, de 4% ao ano nos próximos dez anos.
Um amigo leu as notícias e me disse: "Não acredito. É muita areia para o nosso caminhão". Discordei dele. Não é. Pode-se até criticar o BC pelas estimativas conservadoras de crescimento a partir do próximo ano, quando o Brasil poderá superar os 5% ou 6% anuais, desde que tenhamos juízo.
E juízo se mede nas pequenas coisas, especialmente no mercado de capitais. Quando se vê as nossas principais Bolsas, a Bovespa e a BVRJ, anunciando um acordo para a fusão de suas atividades principais e reorganização de suas competências, temos um sinal concreto de que as corretoras de lá e de cá deixaram de lado interesses menores e atitudes bairristas para se preparar para a nova etapa -decisiva etapa- de nosso mercado. É que estava na hora de colocar um freio nas Bolsas estrangeiras -especialmente a de Nova York-, que passaram a negociar ações de empresas brasileiras em volumes só explicáveis quando entendemos que os lá de fora estavam tirando partido do provincianismo ou da incompetência do nosso mercado de capitais.
De outro lado vemos que as nossas Bolsas também já deram sinais de que acabou a letargia no que toca às ações de empresas ligadas à Internet. Nesse sentido basta olhar o que aconteceu com as ações do Bradesco, que iniciaram uma arrancada (mais de 7% no primeiro dia) na hora mesma em que, em 14 de dezembro, o banco anunciou que seus clientes teriam acesso gratuito à Internet. Outro pulo forte é o da Globocabo, que também foi descoberto pelas nossas Bolsas. E olha que isso é apenas o começo.
Os especialistas ficaram atentos quando o governo, segundo a "Gazeta Mercantil" do último fim-de-semana, avisou que "precisará, neste ano, menos dinheiro para rolar a dívida pública e que quer aproveitar a oportunidade para dar um empurrão para baixo nos juros". Segundo o jornal, "os administradores de recursos foram autorizados a deslocar para a Bolsa uma fatia adicional de até 30% dos R$ 180 bilhões estocados nos fundos de investimentos".
Está dada a partida. Só falta agora o governo lastrear essa partida com medidas concretas que, afinal, ofereçam realmente segurança e proteção aos acionistas minoritários, como está nos objetivos do grupo de trabalho recém criado e que, vejam só, é presidido pelo próprio Armínio Fraga. É preciso, também, que as áreas de controle do mercado de capitais, hoje divididas entre a CVM, a Susep e a Secretaria de Previdência Complementar (como enunciou o jornalista Cristiano Romero), se entendam ou se fundam para acompanhar o processo.
A hora é essa. E se os ministros Pedro Malan, Pedro Parente e Alcides Tápias, como se comenta nos bastidores, estiverem realmente de mãos dadas com o Armínio Fraga nesta batalha, a economia brasileira já pode comemorar: o ano 2000 vai marcar a grande arrancada de nosso mercado de capitais para, afinal, se transformar em grande instrumento de progresso do país. Muito boa sorte e bom trabalho, José Luis Osorio.


Benjamin Steinbruch, 45, empresário, graduado em administração de empresas e marketing financeiro pela Fundação Getúlio Vargas (SP), é presidente dos conselhos de administração da Companhia Siderúrgica Nacional e da Companhia Vale do Rio Doce.
E-mail: bvictoria@psi.com.br


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