São Paulo, quarta-feira, 11 de fevereiro de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Inovar ou morrer

ANTONIO BARROS DE CASTRO

Escrevendo durante a Segunda Guerra Mundial, Schumpeter defendeu a tese de que no capitalismo real a competição entre as empresas se dava, cada vez mais, por meio do lançamento de novos produtos, da adoção de novos processos produtivos e da descoberta de novas formas de organização. Numa palavra, por meio de "inovações". E, para que não pairassem dúvidas sobre a relevância do tema, lançava mão de uma poderosa imagem: a competição via inovações era tão mais potente que a tradicional (baseada em preços) quanto "um bombardeio comparado ao ato de forçar uma porta". Além disso, acrescentava, com extrema perspicácia: num mundo caracterizado pela competição via inovações, "o homem de negócios está submetido à competição, mesmo quando sozinho em seu campo ("Capitalism, Socialism, and Democracy", Harper Books, 1976, págs. 84 e 85)".
Nas últimas décadas do século 20 as tecnologias da informação e da comunicação e, a elas associada, a globalização contribuíram para um acirramento ainda maior das pressões competitivas a que as empresas se acham submetidas. Primeiramente, pela intensificação das inovações, em decorrência do drástico barateamento da capacidade de experimentar, de simular e de construir protótipos (virtuais). Além disso, porque a capacidade multiplicada de gerar, transmitir e controlar informações tornou incomparavelmente mais barato -e também mais atraente- separar a concepção (design) de novas mercadorias de sua produção, no sentido tradicional do termo.
A separação entre concepção e produção veio, de fato, a fornecer mais uma poderosa razão para o acirramento da competição em escala mundial: o surgimento de países-usina, cujo exemplo, de longe mais relevante, é a China. A eclosão dessa nova realidade significa o ingresso na competição mundial de uma infindável legião de trabalhadores extremamente aplicados e, ao que consta, ávidos por conhecimento. O próprio mercado local daquela economia vai se revelando um oceano (como já se suspeitava ao tempo de Napoleão), enquanto a escassa dotação de capacidade empresarial vai sendo suprida, em grande medida, por multinacionais -e, claro, pela habilitação crescente de talentos domésticos.
Uma idéia da importância do fenômeno que acaba de ser mencionado pode ser dada pelo fato de que a discussão sobre como assimilar ou mesmo conter os impactos da ascensão da economia chinesa vem ocupando espaço rapidamente crescente na política norte-americana.
Já no que toca ao Leste Asiático, o fenômeno chinês define, em grande medida e há pelo menos uma década, a pauta das políticas industriais, tecnológicas e de comércio exterior.
Mais recentemente, diferentes reportagens parecem sugerir que a capacidade chinesa de replicar produtos industrializados, a custos baixos e de qualidade crescentemente confiável, começa a ser percebida como um sério desafio por empresas da própria China!
Explico: as companhias que saíram na frente se vêem acossadas, competitivamente, por empresas recém-surgidas ou recém-chegadas (veja, a propósito, "Can Chinese Brands Make it Abroad?", "The McKinsey Quarterly", 2003, nº 4)!
Finalizo com uma sumária referência ao Brasil. Valho-me, para tanto, de uma declaração de Carlos Ermírio de Moraes (Votorantim) acerca do ambiente dos anos 1970 neste país: "Nossa preocupação era fazer fábrica nova e colocá-la para produzir" ("Exame", 9 de julho de 2003). Em outras palavras, no ambiente econômico de então, produzir era o grande objetivo. Competia-se, em última análise, com o próprio passado -e a produtividade da indústria nascente era, de fato, indubitavelmente superior à da estrutura econômica tradicional, que ia sendo superada. Conseqüentemente, faziam, em princípio, sentido tarifas protecionistas e subsídios -que podiam, no entanto, assumir proporções e duração abusivas.
Diante do tipo de desafio com que hoje nos defrontamos, contrariamente, tarifas e subsídios seriam o equivalente a se preparar para guerras passadas ("forçar portas", na imagem de Schumpeter). Quando mais não seja, porque o espaço econômico nacional encontra-se povoado por multinacionais e porque as próprias empresas nacionais já se encontram, via disputa do mercado doméstico ou via exportações, sujeitas ao fogo cerrado e à intensa movimentação, características da competição contemporânea.
Em suma: foi detonado um processo de "arbitragem" em escala mundial, que se propaga como as próprias ondas de inovação. E a resposta a esse novo quadro deve ser buscada no apoio múltiplo a atividades, regiões, empresas e produtos, potencialmente bem situados no novo contexto.


Antonio Barros de Castro, 65, professor titular da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às quartas, a cada 15 dias, nesta coluna.


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