São Paulo, segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

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LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA

Crise bancária e regulação


A crise é global, e isso fica claro quando vemos Bolsas de países não diretamente ameaçados pela crise refletirem as dos EUA

GEORGE SOROS afirmou que esta é a pior crise financeira desde a de 1929, e provavelmente ele está correto. Na semana seguinte àquela em que ela rompeu, eu escrevi nesta coluna que não era apenas uma crise do mercado de títulos imobiliários americano, mas uma crise financeira que atingia toda a economia dos Estados Unidos porque sua causa subjacente era o desequilíbrio elevado e prolongado da conta corrente que reduzia a confiança do mercado no dólar. Segundo, que, no plano bancário, ela decorria de uma especulação sem limite baseada em uma variedade de "inovações" financeiras que não estavam sendo devidamente reguladas e fiscalizadas. Nestas últimas semanas, na medida em que a crise se aprofundava e era coroada pelo desastre no Société Générale, o presidente francês e o primeiro-ministro britânico cobraram maior regulação dos mercados financeiros, ao mesmo em tempo que se voltava a falar na necessidade de regulação global das atividades financeiras.
De fato, essa crise é global, e isso fica muito claro quando vemos os preços das ações de Bolsas cujos países não estão diretamente ameaçados pela crise, como é o caso da Bovespa, refletirem diretamente as flutuações nas Bolsas americanas. Além disso, a crise assinala a inerente irracionalidade dos mercados financeiros, que não se comportam como prevê a teoria econômica ortodoxa, baseada em "expectativas racionais", e, portanto, precisam de regulação. Mas o que fazer diante da crise? Reformar toda a "arquitetura financeira" mundial, como se tornou corrente no final dos anos 1990?
Ainda que a globalização esteja impondo a criação de instituições globais em todos os setores, desde o aquecimento global, até o combate do crime organizado, não faz sentido esperar no curto prazo por uma grande mudança da estrutura financeira do mundo. A grande mudança seria a da criação de uma moeda internacional em substituição às moedas-reserva nacionais, mas a perda de credibilidade no dólar não é ainda suficiente para levar os Estados Unidos a admitirem sequer discutir esse problema. Mais realista será a criação de uma agência internacional dentro do sistema das Nações Unidas voltada para iniciar gradualmente essa maior regulação. Essa agência não pode ser o FMI (Fundo Monetário Internacional) porque sua estrutura acionária lhe rouba credibilidade. Por outro lado, os governos nacionais deverão aumentar os seus controles sobre as organizações financeiras, tanto no sentido de ampliar a abrangência e a profundidade da fiscalização quanto no de exigir maior padronização e transparência de suas contas.
A alternativa neoliberal de nada fazer porque "os agentes financeiros aprenderão com essa crise como aprenderam com as crises dos anos 1990" não faz sentido. Primeiro porque o aprendizado, então, não foi dos agentes financeiros, mas dos governos dos países em desenvolvimento que desvalorizaram suas moedas, passaram a realizar superávits em conta corrente e aumentar suas reservas. Segundo porque aquelas foram crises de balanço de pagamentos decorrentes da política de crescimento com poupança externa, enquanto a atual é uma crise bancária causada pela especulação, só podendo ser prevenida por maior regulação.


LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA , 73, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda, da Reforma do Estado e da Ciência e Tecnologia, é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".
Internet: www.bresserpereira.org.br
lcbresser@uol.com.br


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