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OPINIÃO ECONÔMICA
Vivendo e aprendendo
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
"A vida é uma caixa de surpresas." Embora desgastado por seu uso cotidiano e quase vulgar, esse pensamento não
perde sua dimensão de sabedoria.
Por isso, aplica-se sem limite temporal a um conjunto muito grande de acontecimentos em nossas
vidas; lembra-nos constantemente da fragilidade da vida humana
diante da grandeza do Universo e
sua vida inteligente, mas não previsível, e nos adverte para o conflito constante entre os interesses
individuais e coletivos e os valores
sociais e políticos dos homens.
Na minha já longa caminhada
pela vida enfrentei várias situações em que essa caixa de surpresa atingiu-me de frente. A primeira, em 1967, quando, pressionado
pela necessidade de um salário
que me permitisse viver a vida de
um jovem casado, fui trabalhar
com o dr. Roberto Campos. Ex-ministro do Planejamento do primeiro governo militar, ele era
considerado, durante meus anos
de militância na esquerda católica na Escola Politécnica, um verdadeiro algoz do povo brasileiro e
defensor dos interesses do capitalismo. Foi um choque emocional
muito difícil, que apenas o tempo
e a maturidade política foram diluindo e tornando mais aceitável.
Vivo agora com o governo de
Lula e do PT mais uma dessas
surpresas extremas que a vida nos
proporciona. Ela não tem mais as
cores doloridas daquela experiência quando jovem, mas traz consigo a mesma sensação de espanto e surpresa que esses acontecimentos inesperados produzem.
Em recente debate organizado
pela revista "Exame" com o ministro-chefe da Casa Civil, José
Dirceu, e o secretário de Assuntos
Econômicos do Ministério da Fazenda, eu me vi fazendo uma crítica à esquerda da política econômica do presidente Lula!
Conhecedor do pensamento
econômico do PT, em seus vinte e
tantos anos de história -fui professor no Instituto de Economia
da Unicamp-, estava preparado
para uma crítica à direita do novo governo. Quando ouvi a exposição do economista "sênior" do
Ministério da Fazenda, no encontro da "Exame", a imagem da
caixa de surpresas explodiu na
minha frente. Nada a ver com a
necessidade de acalmar os mercados excitados com o passado de
Lula e Dirceu. Estava ali, ao vivo
e em cores, o mais claro raciocínio
que durante anos foi catalogado
como neoliberalismo pelo PT da
época da oposição. Tudo dito em
público e com a presença majestosa do homem mais importante e
poderoso do governo.
Poucos dias antes, já tinha ouvido, estupefato, o presidente dizer que o regime cambial que temos hoje no Brasil é totalmente livre e que, portanto, não haveria
intervenção do BC para evitar a
valorização do real. Talvez sem
saber -o presidente Lula dá
mostras claras de que não entende o que ocorre na política econômica de seu governo- o homem
histórico do PT endossava as palavras de Gustavo Franco, quando dizia que dólares e bananas
têm a mesma formação de preços
em uma economia de mercado.
Digerida a surpresa e assumida
a postura de defender, naquele fórum, uma política econômica que
preserve o país e a sociedade dos
sofrimentos desnecessários dos últimos anos, aconselhei o ministro
José Dirceu a tomar cuidado com
o "soft" econômico que seu governo havia tomado emprestado de
Fernando Henrique. Lembrei ao
ministro a necessidade, além de
manter a austeridade fiscal e o
compromisso com a estabilidade
dos preços, de construir uma política econômica que reduza estruturalmente nossa dependência
externa de capitais financeiros
voláteis e de seu irmão siamês,
que é a política de juros internos
elevados. A mesma crítica feita
por uns economistas, há muitos
anos, quando estávamos no governo Fernando Henrique Cardoso e que não foi escutada.
Adverti-o, também, de que o
BNDES, instrumento essencial
para a execução dessa política, é
dirigido hoje por pessoas que estão, em relação ao secretário de
Política Econômica do Ministério
da Fazenda, no extremo oposto
do espectro ideológico. Alertei que
essa combinação esdrúxula, entre
liberalismo extremado e intervencionismo, não vai nos levar a
lugar nenhum. Para reforçar minha posição, poderia ter informado à platéia -e não o fiz por cortesia ao ministro- que os técnicos mais novos do BNDES estão
sendo obrigados a fazer um curso
de reciclagem de suas idéias na
UFRJ, com professores que seguem as idéias da professora Maria da Conceição Tavares, brilhante decana do pensamento do
PT em sua versão oposição.
Minha caixa de surpresas revelou-se posteriormente maior ainda do que a percebida no debate.
Em relatório oficial, o FMI fazia o
mesmo alerta!
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 60,
engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e
ministro das Comunicações (governo
FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br
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