São Paulo, sexta-feira, 11 de abril de 2008

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LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Uma economia como outras


É preciso esfriar a economia, e isso não será atingido facilmente se formos depender apenas do instrumento da Selic

A NOVA dinâmica da economia brasileira depois que saímos da armadilha quase eterna de nossa fragilidade externa precisa ser entendida pelo analista econômico.
Sem uma melhor compreensão do que vem ocorrendo nos últimos anos, o entendimento dos desafios que enfrentamos atualmente fica muito difícil. Por outro lado, raciocinando com esse novo metabolismo, os ensinamentos dos livros-textos de economia são suficientes para orientar o analista nessa sua missão.
Em outras palavras, a economia brasileira ficou mais simples e mais previsível. Vejamos a questão da inflação, que vem dominando o debate econômico nos últimos dias. Pela primeira vez, em muitos meses, as expectativas de inflação superaram o centro da meta que orienta os passos do Banco Central. O IPCA de março último provocou um movimento amplo de revisões no mercado financeiro. É consenso hoje que um aumento dos juros nas próximas reuniões do Copom deve levar a taxa Selic para perto de 13% ao ano.
O que me surpreende nesse episódio é o espaço de tempo que o mercado levou para entender que o superaquecimento da economia brasileira iria desembocar em um novo período de inflação. Há mais de seis meses, escrevi neste espaço que o crescimento dos gastos no PIB estava muito acima do razoável. Citei um economista que respeito muito -Fernando Montero- e que chamou a atenção para esse fato há bastante tempo. O consumo das famílias e os gastos do governo Lula estavam se expandindo a taxas de mais de dois dígitos -em termos reais- e, com os gastos relativos aos investimentos privados, criavam uma pressão muito grande sobre alguns mercados importantes.
O crescimento das importações em razão de um processo saudável de abertura comercial e de estabilidade na taxa de câmbio evitou que essas pressões se desenvolvessem rapidamente. Escrevi também que, mantido esse nível de absorção interna de bens e serviços, as tensões chegariam a setores não defendidos pelas importações e a inflação média começaria a se elevar.
Ao longo dos últimos meses, essa dinâmica aprofundou-se, também no mercado de trabalho e pelo crescimento do crédito ao consumo. Era apenas uma questão de tempo para que as pressões de preços aflorassem de forma mais clara nos indicadores oficiais de inflação. Pois isso agora está nítido e é preciso produzir um esfriamento na economia. E isso não será atingido facilmente se formos depender apenas do instrumento da taxa Selic. Desgraçadamente não temos uma política econômica integrada e muitos no governo continuam não entendendo a necessidade de uma contenção fiscal. Com os gastos do governo crescendo a taxas reais de dois dígitos -foi isso o que aconteceu nos primeiros dois meses de 2008- e o consumidor tomado por um otimismo ilimitado, a missão colocada apenas nas costas do Banco Central é muito difícil.
O mercado financeiro percebeu o problema e ajustou suas expectativas para um aumento de dois pontos percentuais nos juros ao longo dos próximos meses. Se isso é otimista ou pessimista, o ritmo da demanda agregada dirá em breve, mas me parece claro que estamos lidando com um problema normal em uma economia que se tornou convencional.
Isso implica que uma política econômica apenas moderadamente inteligente deveria ser capaz de gerenciar o primeiro "pouso suave" da economia brasileira em muitas décadas, o que seria muito positivo para o alongamento do ciclo de crescimento que vivemos.


LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS , 64, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).

lcmb2@terra.com.br


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